A Secretaria da Segurança Pública divulgou, nesta sexta-feira (10/1), os desdobramentos da investigação e da perícia sobre o caso do bolo envenenado que matou três pessoas em Torres, no Litoral gaúcho, pouco antes da véspera do Natal. A suspeita Deise Moura dos Anjos, em prisão temporária desde o último domingo (5/1), irá responder por quatro homicídios triplamente qualificados, além de três tentativas de homicídio. O quarto caso se refere ao sogro, que, após ter o corpo exumado pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP), foi comprovado que ele ingeriu arsênio, substância letal também usada no bolo consumido em Torres.
Além disso, a Polícia Civil afirma que vê “fortes indícios” de que Deise tenha praticado outros envenenamentos. De acordo com a delegada regional do Litoral Norte do RS, Sabrina Deffente, os novos casos sob investigação seriam de pessoas próximas da família. Se confirmada a suspeita, o número de mortes por envenenamento pode subir para 5. Para isso, o corpo dessa possível vítima pode ser exumado – se não tiver sido cremado. O procedimento é realizado, mediante autorização judicial, para atestar ou não a presença de substâncias no organismo, como arsênio. “São pessoas do círculo familiar. A gente tá apurando essas questões aí [sobre o número de novos casos sob investigação]. Mas tem uma suspeita sobre um falecido já. A gente vai aprofundar um pouco mais as investigações”, explicou a delegada.
Segundo divulgado por GZH neste domingo (12), a Polícia Civil do Rio Grande do Sul avalia pedir a exumação do corpo do pai de Deise (morto em 2020 por cirrose). Uma reportagem da RBS TV confirmou quais são as outras pessoas que a polícia suspeita que Deise tenha tentado envenenar: o próprio marido e o filho do casal. Os testes do Instituto Geral de Perícias (IGP) devem ser feitos nos próximos dias.
Em nota, a defesa da suspeita Deise Moura dos Anjos, presa temporariamente, alega que “as declarações divulgadas ainda não foram judicializadas no procedimento sobre o caso” e que “aguarda a integralidade dos documentos e provas para análise e manifestação”. Deise está presa no Presídio Estadual Feminino de Torres.
Novos protocolos para mortes suspeitas
O trabalho das forças de segurança do Rio Grande do Sul pode ser um marco para novos protocolos de atuação na área de saúde para mortes suspeitas. Inicialmente, os laudos indicavam que o sogro de Deise morreu de infecção intestinal após consumir bananas e leite em pó (levados à casa dele pela nora), e agora se comprovou que a causa foi envenenamento.
A delegada Regional de Capão da Canoa, Sabrina Deffente, ressaltou que a investigação pode ser um marco na atuação dos profissionais de saúde em casos de morte suspeita. “Vamos ampliar essa integração com a área da saúde para estabelecer novos protocolos em casos de intoxicação alimentar, para que a Polícia Civil investigue casos como este. Inclusive, durante as investigações descobrimos que a suspeita tentou forçar que a família optasse pela cremação do sogro, para apagar os vestígios do crime, mas ela não conseguiu uma assinatura médica necessária para casos de cremação”, disse.
O IGP revelou ainda que segue realizando testes em uma garrafa de água, levada por Deise para a sogra no hospital, em Torres, horas antes de ser presa, no domingo passado. Na ocasião, a acompanhante de Zeli disse que estranhou o lacre estar rompido e colocou fora o produto. O objetivo é ver se a água também havia sido envenenada.
Diego Silva dos Anjos, marido de Deise, será chamado mais uma vez para depor como testemunha do caso. Segundo a Polícia Civil, ele não é considerado investigado, e deverá ser ouvido nos próximos dias.
Arsênico comprado pela internet, recebido pelos Correios
Com uma atuação rápida e eficaz, a Polícia Civil e o Instituto-Geral de Perícias (IGP) trabalharam dando celeridade ao caso do bolo envenenado em Torres, situação que ganhou repercussão pela brutalidade de envenenar seis pessoas, levando três das vítimas à morte, em uma tragédia que poderia ter sido ainda maior. Ao longo da investigação foi verificada que outra morte, ocorrida em setembro em Arroio do Sal, também poderia se tratar de um crime.
Inicialmente tratada como uma morte por intoxicação alimentar, o corpo do sogro de Deise foi exumado pelo IGP para exames laboratoriais. Por já ter resultados positivos para arsênio – presente na farinha, no bolo e nas vítimas do caso que ocorreu próximo ao Natal – o IGP tinha um ponto de partida para os exames. O arsênio é um metal pesado e o seu formato em veneno tem capacidade de se conectar com materiais biológicos como o rim, o fígado e a queratina, presente em unhas e cabelos. Com as amostras retiradas na exumação, o IGP chegou rapidamente ao resultado, uma dose altíssima de arsênio também na vítima de setembro.
Amorfo e inodoro, o arsênico se constitui de um pó branco ou levemente acinzentado. Adquirido pela suspeita, o veneno foi dissimulado em grandes quantidades em itens de consumo para praticar os crimes: leite em pó e farinha de trigo.
A diretora-geral o IGP, perita Marguet Mittmann, disse que em todos os trabalhos, os níveis de arsênio localizados foram tóxicos e letais. “Os níveis de arsênio localizados em todas as amostras da exumação deram positivo no segundo nível mais alto localizados em comparação com todas as vítimas. Este resultado não deixa dúvidas da intenção de causar a morte e elimina qualquer possibilidade de contaminação acidental. Assim, como nas vítimas examinadas após a morte em Torres, constatamos que a vítima exumada teve como causa da morte envenenamento por arsênio.”
Os três homicídios então passaram a ser quatro mortes intencionais e trouxeram um novo alerta as autoridades: a facilidade com que a suspeita teve acesso ao arsênio, comprando pela internet e recebendo pelo serviço dos Correios, além da característica acidental da morte por intoxicação alimentar.
Morte do Sogro
Depois do caso do bolo ser revelado, a polícia passou a investigar se Deise Moura dos Anjos tem envolvimento também na morte de Paulo Luiz dos Anjos. Exames feitos após a exumação do corpo apontam que ele ingeriu arsênio antes de morrer. Nas mensagens enviadas à Zeli dos Anjos, Deise Moura dos Anjos disse ainda que “nem polícia nem perícia” poderiam ajudar a família a descobrir a causa da morte de Paulo Luiz dos Anjos.
“Acho que precisamos rezar mais, aceitar mais e não procurar culpados onde não há. Só os momentos que Deus nos reserva, isso sim, não têm volta. Nem polícia nem perícia que possa nos ajudar a desvendar”, diz a mensagem enviada por Deise à sogra.
Em outra mensagem enviada à sogra, Deise lista motivos que poderiam ter causado a morte de Paulo: “Não sei, acho que eu não faria nada, pois poderia ter sido várias coisas: intoxicação alimentar, negligência médica, a banana contaminada pela enchente, ou simplesmente a hora dele… Sei lá.”
O relatório preliminar da extração de dados dos celulares apreendidos, ao qual o g1 teve acesso, apontou ainda buscas feitas na internet por termos como “arsênio veneno”, “arsênico veneno” e “veneno que mata humano”. As informações constam da representação da Polícia Civil pela prisão temporária da suspeita.
Celeridade dos trabalhos, mas com segurança jurídica
Segundo a Secretaria de Segurança Pública do RS, a celeridade dos trabalhos foi acompanhada de muito cuidado para garantir os direitos humanos e a segurança jurídica do inquérito. A prova testemunhal já garantia a prisão da suspeita, mas o delegado Marcos Veloso, que investiga o caso, foi cauteloso e, certo das provas que já tinham, aguardou a confirmação da prova pericial.
“Fizemos a revogação de um primeiro pedido de prisão, aguardando o momento certo de fazer um novo pedido, com mais elementos técnicos e incontestáveis. Iremos permanecer nas investigações, para finalizar um inquérito perfeito e não descartamos, inclusive, que ela tenha cometido outros crimes. Posso dizer que se trata de uma pessoa fria, que premeditou o crime e tinha respostas prontas para tentar desviar as suspeitas”, afirmou o delegado.
Com as provas que indicam que a suspeita estava afastada do núcleo familiar e se aproximou para poder executar o plano de envenenamento, o crime tem o acréscimo de uma qualificadora, passando a ser um triplo homicídio triplamente qualificado, uma tripla tentativa de homicídio, além do homicídio triplamente qualificado do sogro, ocorrida em setembro, em Arroio do Sal. As qualificadoras deste crime são: motivo fútil, dissimulação e emprego de veneno.
Os envenenados no caso do bolo
Sete pessoas da mesma família estavam reunidas em uma casa, durante um café da tarde, quando começaram a passar mal. Apenas uma delas não teria comido o bolo. Zeli dos Anjos, que preparou o alimento, em Arroio do Sal e levou para Torres, também foi hospitalizada.
Três mulheres morreram com intervalo de algumas horas. Tatiana Denize Silva dos Anjos e Maida Berenice Flores da Silva tiveram parada cardiorrespiratória, segundo o hospital. Neuza Denize Silva dos Anjos teve como causa da morte divulgada “choque pós-intoxicação alimentar”.
A mulher que preparou o bolo, Zeli dos Anjos, recebeu alta do hospital nesta sexta-feira (10). Segundo o delegado Marcos Vinícius Veloso, ela foi a única pessoa da casa a comer duas fatias. Uma criança de 10 anos, que também comeu o bolo, foi liberada na semana anterior.
Nota da defesa da suspeita
O escritório Cassyus Pontes Advocacia representa a defesa de Deise Moura dos Anjos no inquérito em andamento sobre o fato do Bolo, na Comarca de Torres, tendo sido decretada no domingo a prisão temporária da investigada.
Todavia, até o momento, mesmo com o pedido da Defesa deferido pelo judiciário, ainda não houve o acesso ao inquérito judicial.
A família, desde o início, colabora da investigação, inclusive o com depoimento de Deise em delegacia, anterior ao decreto prisional.
Cumpre salientar, que as prisões temporárias possuem caráter investigativo, de coleta de provas, logo ainda restam diversos questionamentos e respostas em aberto neste caso, os quais não foram definidos ou esclarecidos no inquérito.