Centenário da Semana da Arte Moderna

Na semana em que se comemora o centenário da SEMANA DE ARTE MODERNA no Brasil, realizada em São Paulo, um pouco de variações sobre Modernismo e Modernidade, antes e depois.

Montagem com o quadro Abaporu, de Tarsila do Amaral - ícone do Modernismo brasileiro - e o cartaz da Semana de Arte Moderna de 1922, considerado um marco. Pinterest/Divulgação em Guia do Estudante)
19 de fevereiro de 2022

Na semana em que se comemora o centenário da SEMANA DE ARTE MODERNA no Brasil, realizada em São Paulo, um pouco de variações sobre Modernismo e Modernidade, antes e depois.  A modernidade vinha a reboque da industrialização incipiente no Rio e S.Paulo, no rastro do auge e crise da economia cafeeira ao longo do Vale do Paraíba, acarretando intensa criatividade e forte agitação social, cujo epílogo foi a Revolução de 1930.  Depois da Proclamação da República os negócios prosperaram nas duas cidades. Entre 1910 e 1920, cerca de 400 greves foram realizadas e, no ano de 2022 foram fundadas a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino e  o Partido Comunista. À margem, o Rio Grande do Sul vivia um primitivo e original surto desenvolvimentista.

O escritor Graça Aranha, autor de “O Espírito Moderno” foi escolhido para fazer o discurso de abertura da Semana de Arte Moderna no salão lotado do Teatro Municipal de São Paulo:

“Para muitos de vós a curiosa e sugestiva exposição que gloriosamente inauguramos hoje, é uma aglomeração de “horrores”. Outros “horrores” vos esperam. Daqui a pouco, juntando-se a esta coleção de disparates, uma poesia liberta, uma música extravagante, mas transcendente, virão revoltar aqueles que reagem movidos pelas forças do Passado. Para estes retardatários a arte ainda é o Belo.”

Esta dicção, entretanto, não pretende ser um prolongamento da velha polêmica entre Platão, mais moralista, e Aristóteles, mais “moderno”, há 2.500 atrás. O Movimento, aqui, era, na verdade, uma substituição de cânones, agora adequados, com as tintas tropicais, à brasilidade emergente. E ainda que os organizados da Semana estivessem imbuídos da importância da incorporação das raízes nacionais à expressão artística da cultura, não se deram conta de que neste exato momento nascia, no Rio, o samba. Ainda assim, a Semana sacudiu os espíritos da época e contribui para cimentar um caminho que já vinha sendo trilhado por pioneiros. Veja-se, por exemplo, como Manoel Bandeira, em 1917 já escrevia fora das regras parnasianas:

 

Desencanto

 

Eu faço versos como quem chora

De desalento… de desencanto…

Fecha o meu livro, se por agora

Não tens motivo nenhum de pranto.

 

Meu verso é sangue. Volúpia ardente…

Tristeza esparsa… remorso vão…

Dói-me nas veias. Amargo e quente,

Cai, gota a gota, do coração.

 

E nestes versos de angústia rouca

 

                                – Eu faço versos como quem morre.

 

A Semana, portanto, não inventou o modernismo, mas contribuiu para sua expansão. Matéria do BRASIL DE FATO assinala as palavras do paladino da Semana de Arte Moderna, Mario de Andrade:

“A veia crítica foi a espinha dorsal da Semana de Arte Moderna de 1922, concebida como uma resposta às comemorações oficiais do bicentenário da independência no mesmo ano. Dele, a propósito, o Poema Ode ao burguês,, lido na ocasião, carregado de diatribes:

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel

o burguês-burguês!

 

Imaginem estas palavras proferidas, nos dias de hoje, em alguma sala de espetáculo, lamentavelmente inexistente, em Torres! E não se pense que São Paulo era, então, uma metrópole, Este condição, dir-se-ia mais do Rio de Janeiro, capital do país, com elevada presença de estrangeiros e já remodelada.  São Paulo é, contudo,  mais promissora, com protagonistas no campo de economia, da política e da cultura mais articulados do que no Rio. Teve a iniciativa que faltou ao Velho Rio e confirmaria isso na década seguinte com a criação da Universidade de São Paulo. Curiosamente, não só como uma nova fisionomia mas distintos interesses e percepções que se arrastarão pelas décadas seguintes, com sentido sempre muito crítico à Revolução que se processava com epicentro na capital da República

Tais observações derivam de dois  registros críticos recentes: O livro de Ruy Castro, As vozes da metrópole — Uma antologia do Rio dos anos 20 -, recém publicado pela Cia. das Letras   e um artigo na FSP do Professor de Literatura Brasileira na URGS, L.A.Fischer, “Consagração da Semana de Arte Moderna impôs falsa ideia de que SP foi o berço do Modernismo.”  Ambos sustentam a ideia de que a apologia da Semana impôs uma falsa ideia de que o modernismo nasceu em São Paulo. Aos 100 anos, portanto, da Semana que lançou São Paulo como novo epicentro do país e às vésperas de uma nova eleição para Presidente da República que poderá rever o Brasil Moderno, nada melhor do que ouvir outras vozes além dos paulistas e seus apólogos sobre aquele  período de forte inquietação cultural.

 

 




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