Perdoem os leitores, mas há temas sobre os quais volto sempre. Um deles, um imperativo para mim: a imigração alemã no RS. Há 200 anos, 39 colonos alemães chegavam, exangues , depois de penosa viagem transatlântica, na qual muitos não resistiam, à Feitoria do Linho Cânhamo, onde seria São Leopoldo. Antes, Dom João VI já vinha estimulando a vinda de colonos europeus que viriam a se localizar entre a Bahia e Rio de Janeiro. Mas em 1824, teve início a aventura da imigração teuta no Sul do Brasil. Pela importância do fato, o dia 25 de julho ficou consagrado como “Dia do Colono”, (Lei Nº 5.496, 05/09/1968).
Ontem visitei São Leopoldo. Lamentavelmente, a cidade ainda está se recuperando da inundação de maio e os Museus e monumentos referentes à data só serão reabertos em novembro.
Contudo, o maior significado da data não está no fato em si da chegada de colonos livres em solo brasileiro, mas de que este seria um marco do fim da escravidão no Brasil. Contribuiria, também, sobremaneira para a personalização mui peculiar da sociedade riograndense, marcada pela pequena propriedade familiar, pelo artesanato que viria a dar origem à indústria doméstica, pelo estímulo às letras e à música, como frisa Angelita Kasper em sua pesquisa http://angelitakasper.blogspot.com/ . Em 1872 o pequeno núcleo já estava consolidado e se interligaria, por via férrea a Porto Alegre, dando considerável impulso à economia, às artes e à urbanização da capital. Este fato, poucos anos depois, levaria a cidade a assumir papel preponderante na vida social do Rio Grande do Sul, enfrentando-a, sob o republicanismo emergente, com a sua metade sul, reduto dos grandes fazendeiros, em duas sangrentas guerras civis: 1893 e 1925.
Depois desta primeira leva de alemães para o Rio Grande do Sul, que logo se alastrou de São Leopoldo para Torres (S.Pedro de Alcântara e Três Forquilhas- 1826) e daí para outras cidades e países, cerca de 60 milhões de europeus pobres seriam expatriados, entre 1824 e 1924. Isto está contado em várias épicos da literatura e do cinema, merecendo destaque o já quase esquecido “América, América”, do diretor Elia Kazan e o magnífico nacional “ O Quatrilho”, de Fábio Barreto, uma saga dos italianos aqui no Estado. No Brasil, tivemos a oportunidade de perceber este processo graças a algumas novelas, algumas memoráveis, da Rede Globo, tanto sobre a imigração italiana, como japonesa. Falta-nos, ainda, uma grande obra de ficção, de alcance nacional, sobre os alemães. Merece destaque o romance de Rui Nedel “Te arranca alemão batata” (Ed. Tchê), e “A ferro e fogo: tempo de solidão” e “A ferro e fogo: tempo de guerra”, de Josué Guimarães (L&PM Ed.)
Os nomes destes primeiros colonos alemães ficaram registrados nos Livros da época e permanecerão inscritos na memória de seus descendentes, hoje plenamente integrados na sociedade riograndense :
“A primeira leva de imigrantes era formada pelas seguintes pessoas, num total de 39: Miguel Kräme e esposa Margarida (católicos). João Frederico Höpper, esposa Anna Margarida, filhos Anna Maria, Christóvão, João Ludovico (evangélicos). Paulo Hammel, esposa Maria Teresa, filhos Carlos e Antônio (católicos). João Henrique Otto Pfingsten, esposa Catarina, filhos Carolina, Dorothea, Frederico, Catarina, Maria (evangélicos). João Christiano Rust (Bust?), esposa Joana Margarida, filha Joana e Luiza (evangélicos). Henrich Timm, esposa Margarida Ana, filhos João Henrique, Ana Catarina, Catarina Margarida, Jorge e Jacob (evangélicos). August Timm, esposa Catarina, filhos Christóvão e João (evangélicos). Gaspar Henrique Bentzen, cuja esposa morreu na viagem, um parente, Frederico Gross; o filho João Henrique (evangélicos). João Henrique Jaacks, esposa Catarina, filhos João Henrique e João Joaquim (evangélicos). Essas 39 pessoas, seis católicos e 33 evangélicos, são as fundadoras de São Leopoldo, nome e lugar então inexistentes, porque tudo se resumia à Feitoria do Linho-Cânhamo.”
Este pequeno grupo, ao qual se seguiram outros, para outras partes do mundo, drenando a região alemã de cerca de 250 mil homens, venceu os obstáculos e se impôs como uma nova realidade no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. A Alemanha de Hitler até sonhou em fazer destes núcleos um ponto de apoio do III Reich, o que levou o Presidente Getúlio Vargas, em1939, a proibir o funcionamento das Escolas alemãs e circulação de jornais entre os colonos. Finda a guerra, porém, restabeleceu-se a concórdia, mas se perdeu o fio da meada de um rico patrimônio literário teuto-brasileiro, só acessível em raros trabalhos acadêmicos como “A Literatura da imigração alemã e a imagem do Brasil” da Prof. Dra Valburga Huber – F. Letras/UFRJ (http://www.letras.ufrj.br/liedh/media/docs/art_valb2.pdf ) .
Mas foi de tal ordem o impacto da imigração alemã, seguida mais tarde da vinda de italianos, poloneses e outros, que se pode dizer que a história do Rio Grande do se divide em dois períodos: antes e depois de 1824, marco da imigração. Aleluia!