Momentos cruciais na história de Torres

"Existem, pelo menos, dois momentos cruciais para a economia regional e que influenciaram definitivamente a história de Torres e do litoral norte. Tudo como conhecemos hoje poderia ser diferente."

Em 1892, molhes foram instalados na Guarita, buscando a criação do porto de Torres no local - projeto que (felizmente) foi abortado (FOTO: Acervo João Barcelos).
15 de agosto de 2017

Quem nunca chegou em determinado momento da vida e se perguntou: E agora? Pra lá ou pra cá? Vou ou não vou? Faço ou não faço? Questionamentos decorrentes de uma decisão que temos que tomar, e que muitas vezes determinam invariavelmente nosso futuro. Na trajetória uma bifurcação, dois caminhos e uma opção. Opções que fazemos, e que são fundamentais em nossas vidas.

Existem, pelo menos, dois momentos cruciais para a economia regional e que influenciaram definitivamente a história de Torres e do litoral norte. Tudo como conhecemos hoje poderia ser diferente.

 

Momento crucial I : A gênese do núcleo urbano e a influência militar nas Torres

 

Quando D. José Caetano da Silva Coutinho, bispo do Rio de Janeiro, que exercia jurisdição pastoral em todo o sul do país, esteve visitando Torres por volta de 1815 e 1816, foram tomadas decisões que influenciaram na consolidação da comunidade, tal qual conhecemos hoje. Nesta época a região entre Conceição do Arroio (Osório) e Laguna era de baixa densidade demográfica, apresentando alguns moradores, em sua maioria descendentes de famílias açorianas, que se fixaram nos campos do sul (Itapeva), com a distribuição das sesmarias (fins do século XVIII). Ainda não existia nenhuma freguesia ou capela nesta região, o que deixava a população católica muito desamparada espiritualmente, tendo a noção que uma instituição religiosa e administrativa em pleno século XIX, era um catalisador populacional. Em Torres, por sua condição geográfica privilegiada, era alvo constante da presença militar e da fiscalização das autoridades administrativas da província, que instalaram uma guarda e registro (e até uma guarnição com dois canhões, Forte de São Diogo das Torres – 1777) desde as últimas décadas do século XVIII. No início do século XIX, instala-se em Torres, o Alferes Manoel Ferreira Porto, militar responsável pela guarda e registro das Torres. Neste período o eixo populacional estava voltado para a área territorial, onde hoje se encontra a Itapeva, Estância do Meio (Arroio do Sal) e nas grandes propriedades de terras ao interior.

A possibilidade da construção de uma capela foi reivindicada onde houvesse maior número de pessoas, ou seja, na Itapeva, mas Ferreira Porto contestou e influenciou para que a construção da freguesia fosse ao lado de sua residência (considerada a primeira casa do núcleo urbano e que ainda resiste ao tempo sendo a casa n° 1). Em sua visita pastoral, D. Caetano Coutinho, sofria enorme pressão dos moradores que viviam na Itapeva e que queriam que a instituição religiosa fosse erguida nas proximidades de suas terras. Porém, a influência de um único homem foi maior que à vontade da maioria dos moradores. Ferreira Porto definiu que a localização da freguesia seria ao lado de sua casa, como podemos observar até hoje.

Local estratégico, na encosta ocidental da Torre Norte, onde quem passava pelo trecho da rua de Baixo (rua Júlio de Castilhos) caminho obrigatório geograficamente, poderia avistar a freguesia de longe.  A Freguesia de São Domingos das Torres (1824) é representada em uma aquarela atribuída a Debret que mostra a capela pelos fundos sem a torre do sino que foi construída posteriormente, em 1898. A influência de Ferreira Porto é evidente, pois ele era a autoridade administrativa e responsável por receber os visitantes ilustres que passavam pelo sítio das Torres, a exemplo do naturalista Auguste Saint-Hilaire em 1820, que descreve o processo de construção da capela que seria concluída em 1824. Em muitas comunidades, a construção de uma capela implica diretamente na demanda populacional, que vai surgindo aos arredores da mesma. Em Torres não foi diferente, só que ao invés da capela ter surgido no meio da comunidade, foi à capela que originou a comunidade e a catalisou para seus arredores.
Como seria se a Freguesia de São Domingos das Torres fosse construída na Itapeva? No mínimo o eixo populacional continuaria sendo à parte sul, muito provável a região onde está localizada a cidade de Torres preservaria seus aspectos originais. Os sítios arqueológicos que foram sendo destruídos paulatinamente pela desordenada expansão urbana seriam preservados, transformando Torres em um museu ao céu aberto. Sem contar na preservação ambiental, da lagoa do violão, das praias e de nossos maravilhosos monumentos rochosos à beira-mar.

Momento Crucial II: O Projeto Deodorópolis

Durante todo o turbulento século XIX, existiram muitos projetos visando o desenvolvimento econômico da região litorânea. Um destes projetos consistia na canalização das lagoas do litoral, que ligasse POA à Laguna, proporcionando o escoamento da produção econômica da província por uma via hídrica segura.Segundo o engenheiro francês Charles Démoly em suas observações entre 1856 e 1861, colocava que era de fácil execução o projeto de navegação lacustre, sendo favorável à viabilização dos canais de ligação entre uma lagoa e outra. Mas parece que a realização do projeto não foi tão simples, pois já haviam moradores isolados assentados nas margens por onde passaria o canal. Devido às condições geográficas da costa litorânea do Rio Grande do sul e sua vasta extensão de praias retilíneas, fazia-se necessário à construção e um porto marítimo de grandes proporções.

No governo provisório do Mal. Deodoro da Fonseca (1889 – 1891) fatores como: os projetos portuários herdados da monarquia, a unanimidade entre engenheiros responsáveis pelo levantamento de um local adequado para a implantação do porto, e os políticos ligados ao governo de Deodoro, como o ministro da Fazenda Rui Barbosa, assinalavam que Torres era o lugar ideal para tal investimento e a Praia da Guarita o ponto estratégico. A abundância das rochas, a matéria-prima para a construção de um longo braço rochoso estendendo-se para o fundo do mar (quebra-mar), apresentava as condições ideais para a conclusão da obra.

A construção do porto teve seu início, estendendo trilhos e colocando vagonetas do Morro das Furnas até a Torre Sul, onde os trabalhadores faziam o transporte das pedras. A remoção das pedras era feita com dinamitações e ainda hoje são visíveis às marcas nas rochas, no local conhecido como Ponte,(é engraçado que hoje não se vê nenhuma ponte lá, mas o nome seria a referência à memória de uma possível ponte que ali existiu no período da construção) na extremidade oriental no morro das Furnas, na praia da Guarita. Evidências das dinamitações também são observadas na base da Torre Sul. Com o andamento das obras, a praia da Guarita ficou conhecida como praia do Trilho.

Imaginem como estava o cotidiano e o imaginário da população local. As promessas de desenvolvimento econômico eram evidentes, tanto que descendentes de italianos vieram e instalaram-se na Colônia Júlio de Castilhos, fundando a localidade de Morro Azul, aproximadamente em 1890. Enfim, a produção agrícola teria uma vazão para outros mercados consumidores, a vila de São Domingos das Torres estaria em ascensão econômica e um futuro promissor estava por vir.

No breve governo de Deodoro, a discussão sobre a concessão do porto de Torres ficou cada vez mais acirrada, principalmente com Rui Barbosa que não admitia benefícios ao concessionário Dr. Trajano Medeiros, que mantinha laços estreitos de amizade com o presidente, culminando na dissolução do Congresso Nacional e a queda do poder do Mal. Deodoro da Fonseca. Assim as obras portuárias em Torres estagnaram e não foram concluídas. Com um olhar minucioso, em frente à Torre Sul podemos perceber os vestígios do porto torrense, cuja maior contribuição são os mariscos que crescem em meio às pedras submersas. Com a continuação das implosões dos morros, o alargamento e aprofundamento da praia, Torres não precisaria mais ostentar esse nome, passando a homenagear o ego do ditador e suas ideias mirabolantes. Hoje estaríamos vivendo em Deodorópolis. Não é a toa que a ilha de Nossa Senhora do Desterro, posteriormente foi batizada de Florianópolis, por imposição do Mal. Mão de ferro Floriano Peixoto. Ainda bem que o Porto de Torres, apesar de uma obra incipiente, que alimentou os sonhos da comunidade local, não aconteceu. Tudo seria diferente, começando pelos cidadãos Deodoropolenses ou Deodoropolitanos, tendo que conviver com uma obra faraônica e a culpa de ter destruído um patrimônio geológico inestimável para a humanidade, que remonta a cisão continental (procure entender a relação de Torres com a Namíbia, na África), fenômeno que nos legou uma herança material perceptível aos olhos de que tem oportunidade de conhecer a praia da Guarita.

E se o porto de Torres tivesse sido concluído? Certamente teríamos a expansão demográfica deslocada para oeste e um futuro econômico parecido com a cidade portuária de Rio Grande, onde foi concluída a construção de um porto marítimo de grandes proporções, mas estaríamos certos que existem coisas que o dinheiro não pode comprar. Os benefícios da preservação do Meio Ambiente assegurando uma boa qualidade de vida é um imprescindível exemplo.

SE… é algo que não existe na História. E a trajetória do futuro está por ser escrita, na dialética do presente, no suor, na dor e na alegria dos atores sociais que dramatizam o complexo teatro da vida.

 

 




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