Neste início de ano, houve por bem a REDE GLOBO postar um Podcast desafiador: “Brain Rot – a exaustão que marcou 2024”, expressão que identifica a desinteligência que se instalou na humanidade depois da Revolução “Dataísta”, dos computadores, da Internet e das Redes Sociais, a mais importante depois das Revoluções Agrícola e Industrial. (O Assunto #1375: Brain rot – a exaustão que marcou 2024 | G1). Ela adveio das mudanças tecnológicas nas comunicações, vem abreviando cada vez mais a dimensão temporal e acabou comprometendo o espaço da argumentação que construiu a própria civilização. Um paradoxo que lembra aquele provérbio que diz que quando a esperteza é muito grande ela cresce e come o dono. Por isso, é importante repensar a questão do tempo.
O que é o tempo? Simploriamente, um lapso entra dois momentos. Poeticamente, como dizia Machado de Assis, ‘um tecido invisível no qual se pode pintar qualquer coisa…Até o nada. E ainda se perguntava: – “O nada sobre o invisível?”. Ainda assim, no decurso dos milênios civilizatórios, o tempo tem sido o espaço da fala, do discurso, através do qual foram se imprimindo denominação às coisas, entretecendo argumentos explicativos sobre suas ocorrências, concertando pactos e impactos, guardando memórias. Discurso, aliás, provém do latim e significa “andar ao redor”, implicando outro. “No discurso somos desviados de nossas próprias convicções em sentido positivo pelo outro. Apenas a voz do outro outorga ao meu comentário, à minha opinião, uma qualidade discursiva”. Pois foi “andando ao redor das coisas e das pessoas” que desenvolvemos, não só a inteligência, mas o processo civilizatório. Humanizamo-nos. Foi o espaço das aquisições milimétricas da racionalidade que nos conduziu ao Sapiens. “Decisões racionais são construídas a longo prazo”. Requerem concentração, foco e meditação que nos remetem, enfim, ao juízo e ao desenvolvimento frontal do cérebro. “Uma reflexão as precede que se estende para além do momento no passado e no futuro”. Para os filósofos, teólogos e cientistas, então, este processo é um verdadeiro calvário, longo e penoso. Não por acaso, tais criaturas e respectivas instituições eram reverenciadas como detentoras de um saber capaz de orientar as práticas do bem viver. Hoje, isso acabou. O tempo extinguiu-se como dimensão da vida cotidiana e excluiu a ordem do discurso que possibilitava a construção da democracia ocidental com base na Razão Comunicativa. Quem primeiro intui isso talvez tenha sido o inventor do para-raios, Benjamin Franklin, que proclamou alto e bom tom: “Tempo é dinheiro”. Como a vida é difícil e todo mundo precisa de grana, o tempo da reflexão foi substituído pela corrida contra o tempo: O self service do dia a dia, onde tudo já vem pronto para o consumo. A tecnologia propiciou a mudança e trouxe consigo o fim do tempo como tempo indispensável à humanização da vida. Somos máquinas de clicar inseridos na Cidade das Estrelas. Sem tempo para o discurso e para as narrativas, que impunham o reconhecimento da alteridade, nos fragmentamos como pedações de um espelho quebrado: Cada um por si, Deus (Data) para todos. “Dataísmo”. Entramos no Reino da Informação: Infocracia.
“Chamamos regime de informação, a forma de dominação na qual informações e seu processamento por algoritmos e inteligência artificial determinam decisivamente processos sociais, econômicos e políticos. (…) O regime de informação está acoplado ao capitalismo da informação, que se desenvolve em capitalismo da vigilância ( da era industrial) e que degrada os seres humanos em gado, em animais de consumo de dados” (Byon Chul Han – INFOCRACIA , Digitalização e a Crise da Democracia , pg 7)
Neste regime de informação, a vigilância e a disciplina rígida de corpos aprisionados são substituídas pelo controle invisível das vontades individuais, confundidas com liberdade de escolha. O novo sujeito, aliás, subjétil, porque incapaz de perceber a manipulação de que é objeto através dos perfis acumulados nos bancos de dados manipulados, supõe-se livre, autêntico e criativo. “Produz-se e se performa”, na ressonância de suas opiniões através das Redes. Acha-se um protagonista da democracia digital. Tudo sob um clima de transparência salutar. O novo, presídio, digital, nada tem de sagrado: é transparente e iluminado, aprazível”, sem mistérios ou instrumentos de tortura. Mas sua invisível casa de máquinas urde e tece a dominação, é escura e fria. Cruel. Os likes a escondem…Daí o “ Rot Brain, que pode ser traduzido como ‘podridão cerebral’, eleito o termo do ano pelo Dicionário Oxford por causa do uso excessivo de redes sociais para consumo de conteúdos considerados pouco desafiadores e triviais.