Transtorno na busca obsessiva pela beleza e juventude

"Até certo ponto, a preocupação com a própria imagem é saudável, pois contribui para aumentar a autoestima, ajuda a preservar a saúde e até mesmo facilita a ascensão profissional. Mas a partir de determinado estágio, no entanto, esse comportamento deixa de ser motivo de orgulho e realização pessoal e passa a gerar sentimentos como ansiedade e tristeza – indícios de um distúrbio psíquico, que os especialistas chamam de transtorno da imagem corporal (TIC)" - Por psicóloga Paula Borowski

25 de outubro de 2017

Você, provavelmente, conhece alguém exageradamente, obsessivamente preocupada com a beleza. É claro que, até certo ponto, a preocupação com a própria imagem é saudável, pois contribui para aumentar a autoestima, ajuda a preservar a saúde e até mesmo facilita a ascensão profissional, como muitas pesquisas já comprovaram ao associar a boa aparência à conquista de cargos e salários mais altos nas empresas. A partir de determinado estágio, no entanto, esse comportamento deixa de ser motivo de orgulho e realização pessoal e passa a gerar sentimentos como ansiedade e tristeza – indícios de um distúrbio psíquico, que os especialistas chamam de transtorno da imagem corporal (TIC), também conhecido com distúrbio dismórfico corporal (DDC). Pesquisadores de todo o mundo trabalham para definir com mais precisão as causas e os sintomas desse distúrbio com o objetivo de facilitar o diagnóstico e o tratamento. Para explicar o que ocorre com as pessoas afetadas, alguns especialistas costumam recorrer à metáfora da sala de espelhos dos parques de diversões:em que o espelho reflete uma imagem distorcida para aquele que se vê .

Um dos esforços brasileiros no sentido de conhecer melhor o transtorno vem da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), onde uma equipe liderada pelo psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, alarmada com a maior incidência de problemas relacionados à dificuldade de alimentação e à obsessão por dietas e exercícios físicos, desenvolveu um questionário sobre o tema .O objetivo é identificar se o paciente atravessou a fronteira entre a preocupação normal com a aparência e o comportamento doentio. As respostas resultam em uma pontuação que revela a existência do distúrbio e define se o estágio é moderado, médio ou grave foi de TIC, um mal que, evoluindo silenciosamente e sem terapia, pode levar a sérios problemas de saúde, como a bulimia e a anorexia.

Chega a ser surpreendente, porém, que alguém alcance os estágios mais graves sem que os parentes, amigos e colegas de trabalho percebam que há algo errado. Os indícios são facilmente perceptíveis. Uma pessoa que vive dizendo que precisa emagrecer mesmo estando muito magra, que só sabe conversar sobre dietas e exercícios, que reluta em comer um mero bombom (e fica com drama de consciência por tê-lo feito), que prioriza as sessões na academia diante de qualquer outro tipo de programa e que faz do culto ao corpo um caminho para a alienação e a futilidade, sem se preocupar com o enriquecimento cultural ou com a realidade política e social ao redor, é possivelmente alguém que precisa de ajuda especializada.

A preocupação ainda pontual com o transtorno de imagem corporal faz com que não existam estatísticas confiáveis sobre a incidência, mas a impressão geral dos especialistas é que os casos vêm aumentando a cada ano. O maior número de casos parece estar diretamente relacionado à crescente valorização social da beleza e da juventude. Ele lembra que a pressão pela boa aparência, fortemente reforçada pela mídia, contribuiu nas últimas décadas para a banalização dos recursos da medicina, um perigo a mais para quem transforma a beleza em obsessão.

Embora a insatisfação com a própria imagem e a busca obstinada pela beleza seja um fenômeno mundial, o Brasil exerce papel de protagonista. Por ser um país tropical, em que o corpo permanece à mostra o ano todo, os brasileiros (e especialmente as brasileiras) não convivem bem com quilos a mais e pequenas imperfeições físicas que costumam ser encaradas com naturalidade em outros países. Não por acaso, o Brasil tornou-se campeão mundial de cirurgias plásticas – foram 400 mil procedimentos em 2005 –, deixando para trás nações com renda per capita superior. É um indício de que, aqui, a preocupação com a beleza já saiu do rol dos supérfluos (enquanto os livros, por exemplo, continuam sendo algo para comprar apenas quando sobra dinheiro).

A supervalorização do corpo frequentemente gera exageros.  A obsessão pela beleza pode vir de casa – há muitos casos de mães que planejam a carreira de modelo para as filhas, por exemplo. Os especialistas dizem que os jovens que são cobrados pelos pais no sentido de não engordar têm maior chance de desenvolver algum problema psíquico em relação à aparência física. A fase mais delicada é justamente a da adolescência, porque já está naturalmente associada a dúvidas de todo tipo e a mudanças no corpo. “Mas mesmo as crianças estão sendo contaminadas por esse modelo. Ao imitar o comportamento dos pais, elas acabam se envolvendo com temas que não deveriam fazer parte do universo infantil.

Talvez não haja local mais apropriado para a triagem de pessoas com distúrbios de imagem do que os consultórios de cirurgiões plásticos. Hoje, muitos deles já estão atentos para a necessidade de identificar os casos que precisam de orientação psicológica, mas ainda há os que não querem perder pacientes e topam realizar qualquer cirurgia – basta o paciente querer.  ele só opera quando estiver convicto de que poderá melhorar a aparência do paciente. Certa vez, recorda-se, ele foi procurado por uma mulher que queria operar os seios. Há casos de pacientes que foram abusados sexualmente e por essa dolorosa vivência  desejam modificar seu corpo, como tentativa de se livrar deste trauma sem que tenham consciência .

Mesmo com a ascensão do metrossexual, o homem excessivamente preocupado com a aparência (cujo ícone é o jogador inglês de futebol David Beckham), as grandes vítimas da pressão social pela beleza continuam sendo as mulheres. Pela amostra obtida na primeira aplicação do questionário desenvolvido pela Unifesp, uma em cada cinco mulheres sofre de transtorno da imagem corporal, pois são as que sofrem maior pressão da mídia, e acabam entrando em um labirinto do qual ainda não conseguiram escapar: a busca infinita pela perfeição, pela beleza inatingível.

Pesquisa mostra que transtorno de imagem atinge mais as mulheres  do que os homens, pois as mulheres estão muito mais sujeitas ao distúrbio do que os homens. Por traz deste distúrbio, existe um intenso sentimento de menos valia, da busca incansável de reconhecimento , de se sentir desejada, admirada e amada. Ou seja, uma fome de amor.

 




Veja Também





Links Patrocinados