Dia Mundial da Água e a região de Torres

Saiba um pouco mais sobre a importância da proteção da água, sugestões para mitigar a poluição hídrica e um panorama sobre nossa região e a bacia hidrográfica do Mampituba. Texto do Prof. Dr. Christian Linck da Luz, que é Consultor Ambiental na Secretaria Executiva do Comitê Mampituba

Rio Mampituba, cruzando município de Mampituba (RS)
28 de março de 2024

Estamos na Semana Mundial da Água, marcada pelo 22 de março que foi o Dia Mundial da Água, escolhido pela Organização das Nações Unidas em função do Rio 92, a grande conferência da ONU, a partir da qual houve uma conscientização maior sobre a proteção dos recursos hídricos. Em 2024 o lema é “A água nos une e o clima nos move”. É um tema bem interessante porque a participação da sociedade é extremamente importante para essa conscientização pela preservação das águas, dos recursos.

E também a questão das mudanças climáticas, problema de cheias, desertificação, gerando muitos desastres. Hoje em dia a gente sabe que existe em torno de 200 milhões de pessoas que são afetadas como refugiados climáticos, que é uma nova categoria que a ONU acabou tendo que criar.

Nessa mesma linha de pensamento, a questão do Dia Mundial da Água tem total relação com a nossa preocupação com a sociedade e as questões ambientais. No planeta, temos em torno de 8 bilhões de pessoas, pelo menos um quarto, em torno de 2 bilhões de pessoas, tem problemas por falta de saneamento ou falta de acesso à água. Um quarto da população, isso é um grande problema. Enquanto tanta modernidade, tantas coisas acontecem, ao mesmo tempo a população passa um enorme trabalho por esses problemas aí… imagina tu não teres na tua casa um vaso sanitário, tu não ter uma água pra lavar as mãos ou cozinhar… crianças brincando na sarjeta com o esgoto exposto.

Acabamos percebendo que a água é mais do que a gente vê: tem muito a ver com a questão do acesso da sociedade a uma água de qualidade, pois não adianta só tu ter água se a água está poluída. A gente vê países como China e Índia, que têm rios de grande calibre, mas suas águas são muito poluídas pelas indústrias, esgoto, lixo, inviabilizando o acesso pela comunidade.

O que podemos concluir diante do exposto? Que cada real investido no saneamento, a gente acaba tendo 2, 3, 4, até 5 reais de retorno na saúde, porque a pessoa acaba evitando doenças e todo o sistema de um país acaba se beneficiando.

 

Região da Bacia Hidrográfica do Mampituba

A maior importância do litoral da nossa região é ter uma grande disponibilidade hídrica, pelo menos até o momento. Então a gente vê que, por exemplo, temos grandes corpos como a Lagoa Itapeva, a Lagoa de Sombrio e esses mananciais são extremamente importantes para nós, para a manutenção da vida, da biodiversidade e também das cidades. Agora, isso não quer dizer que a gente não se preocupe com o cuidado dessa região – a gente sabe que todas essas lagoas e rios que abastecem elas podem ter problemas ligados ao saneamento, sistema de esgotamento, problema por agrotóxicos, que é uma coisa comum na nossa região. Sabemos que tem plantação de arroz, banana, mais para o lado de Santa Catarina o tabaco, etc.

Então isso é uma preocupação constante, porque, como foi dito anteriormente, não é somente disponibilidade, mas qualidade da água é muito importante para quem está nesse setor. A gente sabe também que a nossa região acaba sendo uma região privilegiada: há alguns meses teve um encontro científico do Geoparque, lá em Praia Grande, SC, e o Comitê de Gestão da Bacia Hidrográfica do Rio Mampituba (Comitê Mampituba) apresentou um trabalho mostrando a relevância social e ambiental da nossa região. Além da disponibilidade hídrica, nós temos um grande número de unidades de conservação, paisagens belíssimas, unidades de conservação protegendo nossos ambientes naturais, tudo isso acaba criando uma região única no mundo.

Imagem do Rio Mampituba em 2018, área usada para pasto: sem matas ciliares, margens desmoronam e assoreamento do rio aumenta

 

Gestão dos Recursos Hídricos

O nosso Comitê Mampituba, dos 25 comitês do estado, foi o último a ser criado, completando 11 anos agora. Mesmo assim, nós estamos entre os únicos cinco comitês que têm o plano de recursos hídricos, ou seja, o plano de bacia completo, com a fase A, B e C (a parte do diagnóstico, do enquadramento e das metas a serem seguidas). Nesse sentido, nós temos muito claro o que a gente quer para a nossa região: a gente precisa desenvolver bem, trabalhar. Até hoje a gente está trabalhando e lutando pela criação de uma legislação federal para a gestão compartilhada entre os comitês, já que temos um grande parceiro nosso do lado de Santa Catarina, que é o comitê Araranguá e afluente do Rio Mampituba. Juntos, buscamos a gestão do Rio Mampituba que tem perfil federal.

Outro ponto importantíssimo: antes mesmo de ser criada a própria lei das águas no país, foram criados os comitês de Gravataí e o do Sinos, nos anos 90. O nosso aqui, lembrando o saudoso Senhor Nabor Guazzelli, tentou-se criar nessa mesma época – e ele também teria sido criado se não fosse essa questão de ser interestadual. Mas o que aconteceu a partir daí? Se você viu o noticiário das últimas semanas, percebeu que está sendo posta em prática uma legislação prevista na lei das águas, que diz que a cobrança pelo uso das água é um dos mecanismos previstos para gestão e manutenção de um comitê. Com esta arrecadação, após os preços ajustados a cada usuário (prevendo até mesmo isenção para a agricultura familiar, como já vemos em outros Estados), podemos arrecadar um montante que será aplicado democraticamente através de discussões nas Plenárias do Comitê, em ações como, por exemplo, a construção de uma usina de tratamento de esgoto de pequeno porte para um município que não tem tantos recursos. Outro uso, por exemplo, poderia ser a recuperação das margens de rios, com milhares de mudas de árvores sendo plantadas, em parceria com os agricultores.

 

Desafios da Região e as Escolas

Sobre essa conscientização na nossa região, na população e escolas, o comitê Mampituba tem um trabalho muito bonito que é o “Óleos para o Futuro”, uma conscientização sobre a questão do óleo de cozinha: ao invés de despejá-lo no ralo, na pia ou no vaso sanitário, ele pode ser separado numa garrafa pet, porque em Torres nós temos a coleta e reciclagem do óleo doméstico que pode ser transformado em combustível e até utilizado para componentes de calçado, por exemplo (para deixar a palmilha mais macia). Então isso é uma coisa muito boa e tem um potencial imenso, às vezes um litro de óleo tem o potencial de poluir entre 10 mil e 20 mil litros de água, então é impressionante o dano ambiental.

Para a conscientização da população, nós trabalhamos muito com essa questão, também para que se diminua o uso do agrotóxico, que é muito danoso para o próprio agricultor e a sociedade, pois estes agrotóxicos podem  estar na água. Quando a gente vê uma análise da CORSAN ou CASAN, sempre se fala em coliformes fecais, mas praticamente ninguém fala na questão do grau de agrotóxico que tem na água, que é muito prejudicial. Por exemplo, uma mãe que amamenta, ela tem agrotóxico em seu corpo, então imagina que ruim para uma criança estar sendo amamentada com agrotóxico. Então, por todos esses motivos, a gente tem que conscientizar a população para diminuir o uso de agrotóxico. Temos exemplos aqui no Litoral Norte, do Centro Ecológico que faz um trabalho excepcional da agricultura ecológica com a agricultura familiar.

Outro tema importante que a gente trabalha muito é a recuperação e preservação da mata ciliar, ou seja, aquela vegetação que fica junto aos arroios e rios. É ela que segura, faz com que a água da chuva seja absorvida no solo, faz com que o rio não fique assoreado, que a calha fique profunda e, quando chove muito, não tem inundações. Isso acaba aumentando a biodiversidade e fazendo com que a fertilidade da terra seja preservada. Aumenta também o equilíbrio térmico, então a preservação dessa vegetação de mata ciliar é muito importante, sendo um dos nossos nortes trabalhar nessa recuperação.

 

Sobre a escassez hídrica

Escassez hídrica provoca empobrecimento do solo

 

Quanto ao tema de disponibilidade hídrica, como foi dito, a gente vê que hoje é um problema no país. Essas secas que tiveram no Sudeste, as secas constantes no Nordeste, esse ano teve aquela seca histórica na região Norte do Brasil. Quem diria que no Amazonas não poderia se navegar? É uma coisa surreal. Aqui no Rio Grande do Sul a gente vê que é muito forte isso, já é crônico na Região Sul e em direção ao oeste do estado. Lá tem regiões que há décadas sofrem com esse problema de estresse hídrico e de escassez hídrica. A gente vê que existe alguma relação direta a isso em regiões onde se deveria ter uma gestão melhor. Por exemplo, numa região onde constantemente falta água, não se deveria trabalhar com pecuária: para se fazer um quilo de carne bovina, considerando todo ciclo, se precisa de milhares de litros de água.

A própria questão do agronegócio. Uma coisa é a agricultura familiar, aquela que traz comida para o prato das pessoas, ao contrário do agronegócio, que é trabalhar em cima de commodities e muitas vezes serve apenas para exportação, para se ganhar dinheiro. Então, se tem uma região que falta água, não adianta plantar eucaliptos, que é uma planta que consome uma grande quantidade de água… e plantar em uma região que talvez não tenha muita água, não faz sentido, né? Dessa forma vou prejudicar a população, vou prejudicar a sociedade, só para poder ganhar dinheiro no agronegócio. Então, isso é uma questão importante que penso que tem que ser revisada.

A escassez aqui na região de Torres, até hoje, praticamente não se teve, então a gente tem muita sorte por ter bastante disponibilidade hídrica. Devido a nossa formação com as serras, as montanhas, os rios canalizando nessa direção… as próprias chuvas, que costumam chegar aqui e acabam batendo nas montanhas, retornam depois formando os rios e as lagoas, e assim a gente é abençoado na nossa região. Mas isso não quer dizer que a região de Torres não passe por um período de seca, e por isso sempre é bom e importante você ter uma conscientização e utilizar mecanismos que se reserve e preserve à água. A utilização de caixas d’água, aproveitamento de água da chuva, os sanitários ecológicos que a gente vê que tem hoje em dia (uma descarga pra urina e outra pra fezes), são ações que podem preservar o uso da água.

A questão quanto ao uso, quando se faz a gestão da água, a gente tem que revisar: quanto que vai para a população, quanto que vai para uma indústria, quanto que faz vai para a agricultura? Então essa é a gestão, isso é revisado dentro de um comitê (como o Comitê Mampituba). Enquanto tem bastante água não se discute muito isso, mas eu não posso chegar ao cúmulo de ter numa região como as vezes a gente vê lá na metade sul, Bagé: a gente está seguindo vendo nos noticiários que a população fica sem água por falta de racionamento. Imagina qual é o sofrimento de uma família chegar em casa, trabalhar o dia inteiro e não ter água na sua torneira, na pia ou para tomar banho… isso é um passivo social, um passivo ambiental. Como é que se quantifica isso, o grau de sofrimento e constrangimento de uma família?

Vimos que o governo do Estado aprovou uma lei absurda, que já foi contestada e está na justiça para ser revisada, a lei que vai alterar e vai permitir que se use a APPs – Áreas de Preservação Permanentes, remova a vegetação, altere o solo para se fazer reservação de água. Então, isso é um absurdo, pois  vão alterar nascentes, Então fica o nosso protesto dizendo que a gente é contra essa nova lei, que vai alterar as APPs com o motivo para se fazer preservação de águas, movimentação de solo, é um absurdo e não pode ser aprovado.

Finalizamos, deixando uma saudação em nome da nossa presidente do Comitê Mampituba, a Maria Elisabete da Rocha, o nosso vice-presidente, o Alexandre de Almeida, e eu mesmo, Secretário, convidando toda a sociedade a se mobilizar, participar das ações e ir acompanhando as atividades do Comitê. Essa questão da água não é só no Dia Mundial, ela ocorre durante todo o ano, e quanto a maior conscientização, união e ação da sociedade para ter um ambiente mais justo, tanto social e ambientalmente, ela será melhor.

 

Prof. Dr. Christian Linck da Luz é Consultor Ambiental na Secretaria Executiva do Comitê Mampituba (Comitê em Torres de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Mampituba)


Publicado em: Meio Ambiente






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