Cidade Maravilhosa, Favela e Alturas (Junho/Julho – 2020)
Após sair de Angra dos Reis, cheguei na capital Rio de Janeiro – Cidade que eu já conhecia e tinha como ideia passar uns 4 dias apenas, para visitar um dos meus grande amigos, Pierre, e sua esposa Lari, que lá residem. Mas esses 4 dias se tornaram 40. 40 dias onde fiz muitas trilhas e subi morros que eu não pensava que subiria um dia. Eu tinha um certo medo de altura, que foi totalmente vencido nesse período. Até hoje não sei o que causou essa mudança exatamente, mas ali eu já sentia que meu ser mudava. Dou destaque maior para a Pedra da Gávea, considerada a pedra mais alta à beira mar do mundo, com quase 1.000 metros de altura. Além de sua magnitude, ela possui um trecho final conhecido como “Carrasqueira”, onde a inclinação chega a algo próximo a 80 graus. É um tipo de escalada que tem que ser feito para se chegar ao cume. Não só consegui, como numa segunda vez que subi nessa montanha, dormi lá por uma noite. Era o meu presente de aniversário daquele ano (2 de julho). Dormir na Pedra da Gávea em noite de lua cheia. Minha ideia era ir sozinho, mas em minhas andanças pela cidade, fiz uma amiga que disse que sempre teve o sonho de subir na Pedra, mas tinha medo. Eu disse pra ela: “Vamos comigo. Tu não só vai subir como também vai dormir lá em cima”. Acho que a tranquilidade que passei pra ela fez ela topar o desafio. E assim fomos. Quando chegamos, um que outro trilheiro estava lá por cima, mas logo que o sol começou a baixar, ficamos apenas nós e aquele visual surreal. Pegamos um final de tarde mágico e o nascer da lua cheia. A noite não foi a mais confortável de todas, visto que dormimos com um saco de dormir em cima de uma pedra, com muito vento e frio. Mas valeu cada segundo. Ver o dia nascer lá de cima não tem descrição. E tudo apenas nós, sem guia ou qualquer outra pessoa. Foi a primeira vez que virei uma noite em cima de um morro, a primeira vez que senti um gosto verdadeiro de liberdade. Outras vezes viriam pela frente…
Sempre tive um certo medo de favela, por preconceitos causados pela mídia e nossa sociedade. Mas decidi enfrentar mais esse medo. Por 15 dias, morei no alto da favela do Vidigal. Subia e descia aquelas ladeiras diariamente, em todos os horários. A comunidade era “pacificada”, com uma base da polícia lá dentro. Mas com o tempo entendi que quem mandava mesmo por lá eram os traficantes. Era normal ver eles pelas ruas com seus fuzis e granadas pendurados. Mas nada faziam. Inclusive, em um dia eu e meu amigo jogamos sinuca (em uma vista deslumbrante), com todos eles. Como não sou bobo nem nada, paguei uma rodada de cerveja para ganhar o pessoal. Depois disso, quando passava na rua eles me reconheciam: “Olha ali o gaúcho parceria! Tamo junto irmão!” (com aquele chiado típico do sotaque carioca). Além disso, descobri um povo extremamente acolhedor e humilde. Me sentia mais segura lá do que em qualquer outro lugar da cidade. Os traficante não permitiam que nada acontecesse. Qualquer assalto, briga, ou outro problema, era resolvido por eles. A sua maneira, assim a paz era estabelecida.
Fiz um grupo de amigos que me faziam companhia nas noites no Leblon, no período em que os bares da cidade estavam reabrindo em meio a pandemia. Um brasileiro, o Rafa, que veio a se tornar um irmão meu, um peruano e um italiano. A sensação de ver as coisas “normais” de novo me deu um alivio gigantesco. Curtia a cidade maravilha como se não houvesse amanhã!
Todos a bordo do Wayan!
Já passados mais de 30 dias no Rio de Janeiro, fazendo uma trilha conheci dois gringos. Um suíço e outro chileno. O suíço, Niko, fazia mais de um ano que havia saído da Europa em seu veleiro. Passou pela costa africana, atravessou o Atlântico e chegou no Brasil. Aqui conhecera o chileno Dani, que há 4 meses morava no barco com ele. Eles estavam subindo o litoral em direção ao Caribe. Quando me falaram isso, perguntei impulsivamente: “Posso ir junto com vocês?”. Mas não é uma coisa tão simples, colocar uma pessoa que se acaba de conhecer pra morar no seu próprio barco. Fora que eu nunca havia nem velejado, muito menos ido para alto mar em minha vida. Mas eu queria muito viver essa experiência. Depois de uns dias pensando, quando ficamos mais próximos, o capitão Niko me disse que eles toparam e que sairiam em direção a Búzios em 2 dias. Minha empolgação não tinha tamanho! Eu iria viajar de veleiro! E tudo isso porque em um dia decidi sair para fazer uma trilha. Lembro muito bem que nesse dia eu estava pensando se saía ou ficava em casa. Mas já havia aprendido que, se nada for feito, nada acontece. Sair de casa e ir para o mundo representa se abrir para o novo. E o destino me proporcionou viver essa nova e sensacional experiência.
Wayan. Este é o nome do veleiro que passaria a ser minha casa. Eu nunca havia entrada em um veleiro em minha vida e, quando topei embarcar nessa aventura, confesso que fiz na minha cabeça a imagem de um barco grande, super luxuoso, afinal, são esses os barcos que leigos como eu veem na televisão. Mas o Wayan não era bem isso…
Ao chegar ao Porto de Guanabara, ainda no Rio de Janeiro, onde o barco estava ancorado, vi pela primeira vez o Wayan. Pequeno (24 pés, cerca de 8 metros), baixo, com apenas um ponto elétrico para carregar o que fosse, sem banheiro, sem cozinha. Um catamarã, que possui dois cascos. Cada um dos cascos era o “quarto” de cada um dos meus companheiros. Eu ficaria alojado num espaço na parte superior, onde foi colocado um colchão inflável que eles tinham a bordo. Um espaço muito limitado, com cerca de 2 metros quadrados e 70cm de altura. Junto comigo e minha mochila ainda ficavam o fogareiro, usado para fazer refeições e o estoque de comida. Comida que obrigatoriamente não podia depender de geladeira, já que não tínhamos nenhuma. Banho era no mar. Pulávamos para nos molhar, voltávamos para cima do barco e então nós ensaboávamos (com shampoo apenas, porque sabonete não funciona no contato com a água salgada. Faça o teste algum dia…). Após, pulávamos de novo e estávamos limpos. Salgados, mas limpos. Para fazer nossas necessidades? O mar. Tínhamos um balde que poderia ser usado, mas eu sempre preferi pular na água e resolver tudo por lá. O bom é que, para o número 2, não precisava se limpar, veja que maravilha! As vezes se sentia um cutuco na perna por baixo d’água, mas fazia parte do show…
E assim, no dia seguinte, saímos cedo em direção a Búzios. A ideia seria eu me testar nessa travessia que duraria cerca de 24h e também ser testado por eles. Caso as coisas descem certo, eu continuaria a viagem no Wayan. Na semana que vem te conto como isso acabou. Até lá!