DIÁRIO DE MOCHILA – Desbravando o Jalapão ‘de carona’

Buenas! Na semana passada, falei das minhas primeiras semanas no Tocantins, pela região das Serras Gerais. Nessa edição, falo do período em que fiquei em um dos locais mais cobiçados pelo turismo brasileiro moderno. Boa leitura!

Banho noturno no fervedouro Bela Vista, Jalapão (TO)
10 de setembro de 2022

Tocantins, eu te amo

 

Minhas primeiras semanas no Tocantins já haviam sido mágicas. Visuais que nunca pensei que fosse ver, povo acolhedor e muitas novas experiências. Meu estilo de vida de não gastar com estadia estava ainda começando, e isso me dava uma empolgação nova. Um mundo novo que eu estava vivendo e no melhor cenário possível. Essa região central do Brasil possui um período de seca muito bem estabelecido. São cerca de 6 meses sem absolutamente nenhuma gota de água caindo do céu. E eu estava no meio desse período. Isso deixava tudo ainda mais prático para mim. Eu poderia colocar minha barraca em qualquer lugar à noite, pois sabia que chuva não teria.

Meu próximo destino no Tocantins seria um dos lugares, ultimamente, mais desejado por turistas brasileiros: o Jalapão. Esse muito isolado Parque Estadual ganhou fama nacional e internacional, principalmente após uma novela da Globo, em 2018, onde tiveram diversas cenas gravadas por lá. Abrindo um parênteses para esse assunto, vou falar um pouco da minha visão e opinião sobre o turismo moderno.

 

FOTO – Num dos Fervedouro do Jalapão

Um breve parênteses

 

Estamos na geração da internet, já faz alguns anos. E junto com ela, a geração de fotos em redes sociais. Principalmente Instagram. E locais que possuem fotos “instagramáveis” (aquelas que ficam lindas em uma postagem na rede social) estão cada vez mais despontando como os principais focos de turismo no Brasil e no mundo. Pessoas que, ao ver uma postagem de foto de algum amigo ou algum qualquer que se siga na rede, tem o desejo gerado de conhecer o local mas, principalmente, ter aquela mesma foto em sua página. Como se fosse um troféu a ser ostentado. Situação que já acontece no dia a dia de uma rede social, mesmo quando a pessoa está em sua rotina em sua cidade – mas que, no turismo, se potencializa muito mais. Esse vem sendo cada vez mais o objetivo de redes como o Instagram, pela minha visão e opinião. E muitas vezes, no turismo, isso se inicia com algum famoso que vai até o local e posta uma foto. Seus seguidores, olhando aquele local, desejam estar lá onde seu ídolo também esteve. E assim começa uma invasão daquele até então pacato local, originando uma enorme bola de neve, onde quanto mais as pessoas vão, mais postam, criando o desejo em outras, que também vão, também postam e assim sucessivamente. E infelizmente, em muitos casos, os turistas vão apenas com a intenção de ter aquela foto. Curtir o momento e sentir o local passa a ser secundário. Não estou generalizando, apenas relatando o que vejo em meu dia a dia de locais com turismo nacional. E o Jalapão é um dos melhores exemplos desse assunto que encontrei até agora. Prova disso é que, os fervedouros (mais pra frente explico o que são), principais atrações do parque, possuem um tempo de 15 a 20 minutos para um grupo ficar. Tempo, basicamente para se tirar fotos, dar um rápido mergulho e ir embora. Mas parece que a grande maioria sai extremamente satisfeito, pois volta para casa com sua tão desejada foto. Relato isso apenas para que fique uma reflexão. Eu tenho Instagram e posto diversas fotos. É o álbum de minha vida e minha viagem. Mas antes de tudo, procuro sempre viver muito o lugar que estou. Tento nunca me esquecer de que vivemos em um mundo real, e não virtual. E que a vida é curta e passa rápido demais. Se um local, por mais que tenha fotos altamente instagramáveis, não for de seu REAL agrado, pense duas vezes antes de ir. Talvez seja melhor viver o momento em um local não instagramável, que seja do seu REAL interesse, do que se enganar que está vivendo em um mundo virtual. Fecha parênteses.

 

Chegando no Jalapão

FOTO – Pipe na caminhada, com a Serra do Espírito Santo ao fundo

A primeira cidade que passei pelo Jalapão foi Ponte Alta do Tocantins. Essa cidade ainda não fica no centro do parque, mas tecnicamente faz parte dele. Por lá, saltei de uma alta ponte (que origina o nome da cidade), no embalo dos moleques que faziam isso diariamente. Cerca de 14 metros. O mais alto que já pulei até hoje. Saindo dessa cidade, eu iria em direção à Mateiros, muito pequena e isolada cidade, mas que concentra a maior parte dos atrativos do parque. As estradas de chão do Jalapão são apontadas por muitas pessoas entre as piores do Brasil. Extremamente arenosas e tomadas por grandes buracos e pedras. E quando falava ao povo que iria fazer o Jalapão de carona e caminhando, todos riam. Diziam ser impossível. Isso porque a grande maioria das caminhonetes que passam por lá são de agências levando turistas. E nesses casos, não dão carona (por não poderem dar e por estar com o carro cheio). Mas consegui caronas com carros particulares, de turistas que não estavam indo com agências. Fiz todo o Jalapão “no dedo”. Em absolutamente todos os casos, na carroceria. Tive casos de ficar durante algumas horas embaixo do sol escaldante daquele sertão, junto a malas, me segurando de todas formas possíveis para não sair voando da carroceria, enquanto o carro tremia passando pelas “costelas de vaca”. A sensação que eu tinha as vezes, era de que meus músculos estavam descolando dos meus ossos. E junto com isso, eu era tomado pela poeira que domina as estradas nesse período de seca. Enfim, um péssimo cenário. Foi quando aprendi a ter força mental em caronas. Mas deu tudo certo. Consegui conhecer todos os atrativos que queria.

 

Os famosos fervedouros

FOTO – Pipe com seu Ivanilton

Em Mateiros, fiquei na casa de um nativo e guia, Seu Ivanilton, que me acolheu por uma semana. Um doce de pessoa e um poço de educação. Extremamente simples, mas com um enorme coração. Por lá, vendi por alguns dias meus doces, minhas palhas italianas pelas ruas. E conheci os famosos fervedouros. Vários deles. Assim descobri que sua fama vale o que diz. São simplesmente surreais. Os fervedouros são nascentes que brotam do chão, as vezes formando um tipo de poço, que chega a mais de 100m de profundidade. Dele, saem águas cristalinas e quentes, junto com uma areia de calcário, absolutamente fina e branca. Pegando na mão, parece açúcar. O efeito visual que esse conjunto todo da é algo simplesmente único. Uma piscina natural perfeita. Na verdade, muito acima de uma piscina, é tudo muito perfeito mesmo. E pra melhorar, o fervedouro possui um tipo de olho de onde a água nasce – sendo que nesse exato ponto, a força da água que vem de baixo não permite que ninguém afunde. Se fica boiando de uma forma mágica. É meio difícil de explicar com palavras, por isso, se ainda não foi, um dia vá para lá para sentir isso. É uma sensação absolutamente inexplicável. E eu tive a sorte de, em alguns fervedouros menos famosos, poder ficar durante horas sozinho aproveitando essa sensação. Os mais famosos, normalmente os maiores e os que haviam tido gravações da novela, sempre tinham filas gigantescas e o tempo era limitado, como eu disse anteriormente.

E o detalhe interessante é que consegui ir em todos atrativos do parque, que são áreas particulares que cobram entrada, sem pagar nada. Os funcionários e proprietários dos fervedouros, ao me ver chegando na carroceria, não me cobravam e ainda queriam me conhecer. Acho que fui o primeiro ou um dos primeiros a fazer o Jalapão de carona.

 

Busca pela onça e banho noturno

Além dos fervedouros, por uma noite dormi em cima da Serra do Espírito Santo, cartão postal de lá. Local que os nativos diziam ser tomado por onças, que naquela época estavam paridas (com filhotes). Quando eu dizia que ia dormir lá em cima, me chamavam de louco. Até os guias mais antigos. Diziam que as onças iam me comer. Mas eu não tinha mais medo delas e seguia com o enorme desejo de um dia ver uma cara a cara. Mas não foi dessa vez. Até achei algumas pegadas, mas nada da bichana. Sigo na busca. O que tive por lá foi um belo por e nascer do sol, alem do nascimento da lua cheia daquele mês. Uma noite memorável.

Após sair de Mateiros, peguei carona em direção a São Félix do Tocantins, ainda no Jalapão. Por lá, estava o mais famoso dos fervedouros. O maior de todos e que possuía possibilidade de banho noturno. Esse ficou tão famoso, que já possuía uma área de hospedagem e restaurante. Consegui falar com a proprietária, que me deixou passar a noite por lá e me dar comida, com a condição de limpar os banheiros. Limpei bem feliz e à noite me banhei por mais de uma hora, sozinho, no famoso fervedouro. Uma despedida perfeita do Jalapão. De lá, parti em direção à capital do Tocantins, Palmas, onde fiquei por alguns dias, conhecendo a cidade e as cachoeiras da região.

Na semana que vem, falo do lugar que fiquei afastado por um ano e meio. O Rio Grande do Sul. Minha terra. Período que voltei para rever a família e amigos. E de surpresa. Até lá!


Publicado em: Turismo






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