Sobre estar sozinho
Ficar sozinho. Uma das principais situações em que me encontrei nos últimos anos. As vezes acampado no meio do mato, as vezes caminhando por estradas desertas, esperando caronas, passeando, seja como for. Mas o mais real “ficar sozinho” que pode existir para mim é quando estamos literalmente isolados e sem nenhum tipo de distração. Nem uma música, filme, celular, ou até mesmo um livro. Apenas nós com nós mesmos. Desconectados de qualquer invenção humana que venha do externo. Conectados apenas com nosso interior e, se for possível e melhor ainda, com a natureza também. Essa é uma parte externa que no meu processo de isolamento admito existir. Porque ela é natural. E isso para mim facilita mais o processo, seja ele qual for. A natureza nos ajuda a nos conectarmos com nós mesmos. Talvez por isso que, em minha jornada, me acostumei a ter esses momentos. Na maioria dos casos porque eu estava sozinho mesmo, não tinha muita opção. Mas em outros casos, nas poucas vezes em que eu estava cercado de pessoas, precisava todo dia dar uma fugida para ter esse meu momento. Momento de paz e meditação.
E dependendo de como está nosso estado de espírito, essa solidão pode apontar para dois caminhos. Um deles, e o mais comum, o de nos ouvirmos. De deixarmos nossas verdades surgirem, assimilarmos elas e organizarmos nossos ciclos. Entendermos o que realmente está nos dando sentido para a vida. Ou seja, uma solidão necessária para pensarmos. A outra é quando estamos com nosso estado de espírito melhor possível. Está tudo devidamente encaixado no universo. Nesse caso, simplesmente aproveitamos nossa própria companhia e existimos. Estamos puramente presentes. Sem precisar pensar em nada. Demorei muito pra chegar a essa conclusão.
E por isso que sou um pregador ferrenho de que, todos os dias, nem que seja por 30 minutos, todos fiquemos sozinhos. Isolados, sem distrações e, se possível, próximo a natureza. Se mora numa grande cidade, procure um parque ou qualquer coisa parecida. A natureza sempre está perto de nós.
Baleia (parte 2)
Praia da Baleia. Local onde eu mais tive luxo e conforto em todos os quase 3 anos de estrada (até o momento que relato). Uma suíte privativa gigante com frente para o mar e refeições abundantes e simplesmente deliciosas. Meu anfitrião, o suíço Andreas, usava boa parte do seu dia para praticar Kitesurf. Ele e outros amigos europeus que ele recebia. Eu só observava e aproveitava aqueles momentos de paz. Observar tanto me fez despertar um certo interesse por esse esporte tão comum no litoral cearense. Para quem pratica, é como uma religião. Como vários outros esportes que têm por aí. Deixei isso arquivado para quem sabe um dia, tentar fazer algumas aulas e levar adiante o esporte. Além de descansar e comer muito bem, na Praia da Baleia criei uma rotina: todo final de tarde, ir até grandes dunas que existem por lá para ver o por do sol. Sozinho. Um pouco sobre o que falei nessa minha primeira parte da edição. Era o meu momento de conexão com a natureza e comigo mesmo que cada vez mais eu vejo que necessito todos os dias. Lindas e altas dunas muito bem moldadas pela ação do vento e com pequenos lagos encravados em seus meios. Lembra um pouco os famosos Lençóis Maranhenses. Tanto, que ganhou o apelido de Lençóis Baleienses. Um verdadeiro paraíso que eu visitava todos os dias sozinho. O tipo de situação em que eu amo estar desacompanhado. No meio da natureza.
Acho que o ser humano moderno perdeu isso ao longo de sua caminhada. A conexão com o meio natural. Falo por mim mesmo e pelos aproximadamente 30 anos de vida em que ignorei isso. A natureza nos traz paz. Ela nos ajuda a elucidar nossas ideias. Acho que simplesmente porque ela é a nossa verdadeira casa. Todo esse emaranhado de concreto e aço que vemos em cidades foram inventados por nós ontem. São artificiais. Se nos abrirmos verdadeiramente para a natureza e conseguirmos entender que fazemos parte daquilo tudo, a paz vem em nosso espírito. E as ideias ficam mais fáceis de ser ajustadas. Coisa que eu, naquele momento, estava precisando bastante. As confusões em minha mente, que já vinham de alguns meses, pareciam estar cada vez mais intensas. Mas ao mesmo tempo, eu sentia que elas estavam cada vez mais próximas do fim. E foi na Baleia que eu tomei uma decisão que, mal sabia eu, mudaria absolutamente todo o rumo de meu futuro.
Eu x Turismo
Nos últimos dois anos, principalmente, fugi de locais muito turísticos. Nas vezes que passava por eles, era coisa rápida. Dormindo pelas ruas, ou as vezes sendo acolhido por nativos. Ou seja, sempre passando de uma forma alternativa. Vivendo o local de uma forma não convencional. Eu buscava isso. Porque na verdade não concordava (e contínuo não concordando) com o mecanismo de locais extremamente turísticos. Principalmente os da costa brasileira, que possuem uma dinâmica muito baseada no “sexo, drogas e rock and roll (ou sertanejo?)”. Um estilo de vida que não bate em nada com o meu. E também porque em locais turísticos eu não posso viver a verdadeira cultura do lugar. Tudo foi altamente modificado pela máquina do consumismo. A pureza e a naturalidade do ambiente deixam de existir. A analogia que costumo fazer é com uma mulher. Em um local sem turismo, ela é absolutamente natural. Sendo quem ela realmente é, natural e com roupas simples. Já em um local turístico, ela está com uma roupa de gala, forrada de maquiagem, sapato alto e sorrindo para todos porque precisa ser simpática. E conhecer uma pessoa dessa forma para mim não é conhecer a sua essência. Apenas uma faceta que é mais conveniente de ser mostrada.
Porém, já fazia algum tempo que eu sentia que precisava viver um lugar desses novamente. Lutei muito tempo comigo mesmo para vencer isso. Primeiro pelos motivos que listei acima. Segundo, porque um lado do meu ego não queria “se vender” de novo ao sistema. Mas faltavam poucas semanas para eu retornar ao sul. E depois disso, como sempre, eu não tinha ideia de meu futuro. Talvez essa experiência poderia me dizer muita coisa. Era o que minha intuição vinha me dizendo. E se não desse certo, era só ir embora. Liberdade para isso eu tinha. Então decidi viver essa experiência. E procurei fazer isso da forma mais neutra possível. Ignorar os aspectos que me incomodavam e viver da forma mais leve possível. Após sair da praia da Baleia, passei mais alguns poucos dias por pequenas praias da região, até rumar para a famosa Jericoacoara. Um dos mais turísticos destinos do Brasil.
Voluntariando
Além de estar decidindo viver por um tempo um local turístico, decidi fazer algo que desde o início de minha jornada eu não fazia: um voluntariado. Essa prática é muito comum para viajantes de longa data que procuram economizar com estadia. Comumente encontrada em hostels (albergues). Trata-se de trocar seu trabalho por um espaço no lugar. Limpeza, manutenção, recepção, ou qualquer outra coisa que esteja ligada a operação do local. Como eu já tinha a muito tempo o princípio de não gastar com estadia, essa opção caia como uma luva. Além de não ter esse custo, voluntariar em um hostel me permitiria conhecer pessoas de outros locais do mundo e ocupar meu tempo. Trabalhar. Algo que eu não fazia de uma forma mais oficial há anos. E eu sentia que precisava disso. Então, fiz alguns contatos pela internet e consegui achar um hostel para voluntariar em Jericoacoara. Um dia antes de chegar lá. E coloquei em minha mente que gastaria pelo menos 15 dias nessa experiência. Tempo suficiente para entender o que isso poderia significar para meus próximos passos. E casaria bem com o final do mês de outubro, quando eu rumaria em direção ao sul para ficar um tempo com minha família.
Na próxima semana conto como foi minha chegada e meus primeiros momentos e sentimentos em Jericoacoara, local que mudou o rumo de minha jornada. Até lá!