GEMARS inaugura escritório em Torres buscando intensificar pesquisas sobre mamíferos aquáticos

Jornal A FOLHA conversou com pesquisadores da ONG, que há 25 anos vem realizando estudos sobre baleias francas, pinípedes, golfinhos e a fauna aquática em geral

Pesquisadores Paulo Ott(e), Daniel Dalilewicz e Federico Sucunza(d) no novo escritório do Gemars em Torres
20 de maio de 2017

 

 

O Grupo de Estudos de Mamíferos Aquáticos do Rio Grande do Sul – Gemars –  completou 25 anos de existência em 2016. Nesse período, a Organização Não Governamental (ONG) pautou seu trabalho na preservação do ambiente marinho e sua diversidade, desenvolvendo pesquisas científicas e programas de educação ambiental. E tendo o Litoral Norte gaúcho como principal base para suas pesquisas com mamíferos aquáticos, nada mais natural para o grupo – hoje já bem consolidado pelo trabalho dos seus integrantes –  do que instalar um escritório aqui em Torres. Afinal, aquele acanhado afloramento rochoso a 1,6km da costa torrense, a Ilha dos Lobos (e os pinípedes que lá se estabelecem) foram inspiração para o próprio início do Gemars, em 1991.

No último dia 12 de maio (sexta-feira) o jornal A FOLHA esteve visitando o novo espaço do GEMARS em Torres, onde fomos recebido pelos biólogos Paulo Ott, Daniel Dalilewicz e Federico Sucunza, 3 dos 8 pesquisadores da ONG. O escritório, situado no 10° andar do prédio Pinho Executive, tem, convenientemente, uma vista exatamente para a Ilha dos Lobos. “Torres é um município que tem tudo a ver com nossas pesquisas: suas águas marinhas são residência das toninhas e rota da baleia-franca, além de um dos únicos locais onde avistam-se lobos e leões marinhos no Brasil. Recentemente recebemos um aporte financeiro do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), o que permitiu que nos instalássemos por aqui, com o objetivo principal de efetivar pesquisas para a conservação da ameaçada Toninha”, destaca Daniel Dalilewicz.

Já o biólogo Paulo Ott ressalta que Torres reúne um conjunto de ambientes que é único no RS: “Poucos lugares do Brasil reúnem tantos biomas diferentes concentrados numa área pequena. Há uma variada biodiversidade em ambientes como dunas, morros, rio, lagoa, ilha, vegetação de restinga, mata atlântica, manguezais. De certa forma, este aspecto natural de Torres é pouco explorado, sendo pouco entendida a força e potencial que essa variedade de ecossistemas tem para o ecoturismo. Seria importante o município (seus gestores e empreendedores) entenderem isso para ajudar a definir os caminhos que Torres trilhará no futuro: será quer a cidade quer ser conhecida como um local de paisagens bonitas e variadas? Um dos nossos desafios é ajudar a divulgar esse potencial”.

 

Baleias francas

Baleia Franca (foto por Rodrigo Baleia)

Entre o trabalhos mais marcantes do GEMARS junto a cidade de Torres, Daniel Dalilewicz recordou do Projeto Farol das Baleias, que foi realizado por aqui nos anos de 2002 e 2003. ” Nos anos 70 e 80, as baleias francas encontravam-se em risco de extinção (em decorrência da pesca predatória destes animais), uma época em que a população desta espécie estava muito reduzida. Por isso, Santa Catarina era um local chave para avistar as baleias francas, e havia uma ideia antiga de que Torres era apenas uma rota de passagem para esses animais. Entretanto, depois das pesquisas locais junto ao projeto ‘Farol das Baleias’ constatamos que as baleias francas não estavam apenas de passagem por Torres: mostravam um comportamento reprodutivo já por aqui, ficavam um tempo maior estabelecidas nas águas da região”, analisa Dalilewicz.

É verdade que o maior berçário (e ponto de acasalamento) das baleias-franca no Brasil é a região de Garopaba (SC). Por lá, o turismo de observação de baleias já é um atrativo do ecoturismo – sendo que, entre os meses de julho a novembro é possível observar a intensa presença desses enormes mamífero marinho. Mas as descobertas capitaneadas pelo GEMARS no começo dos anos 2000 ajudaram a colocar Torres na Rota das Baleias Francas. “Torres é uma cidade onde há facilidade de observar as baleias francas – utilizando-se dos morros como um mirante natural. E o comportamento natural dos animais acaba, também,  se tornando num atrativo turístico”.

 

Lobos e leões marinhos

Os lobos e leões marinhos que habitam a Ilha dos Lobos são – desde o princípio –  outro foco de pesquisa do GEMARS. Como ressalta o biologo Federico Sucunza, estes tipos de animais só são encontrados em dois pontos da costa brasileira: aqui em Torres, na Ilha dos Lobos, e nos molhes do município de Rio Grande. “Estes pinípedes  sempre ocorreram por aqui (na Ilha dos Lobos), sendo que nos meses mais frios chegam as dezena na Ilha, indo a procura de águas mais geladas (ao sul) durante o verão.  Vale destacar que os lobos e leões marinhos  preferem ter locais rochosos, próximos a orla, para se estabelecer”, indica Federico.

O GEMARS realiza, ainda, o projeto de Marcação e Acompanhamento dos Lobos-Marinhos no Litoral Norte do RS, que ocorre desde 2003, em parceria com o Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (CECLIMAR/UFRGS). O Projeto visa complementar o trabalho de reabilitação da fauna marinha, que desde 1984  vem sendo realizado em Imbé, no CECLIMAR/UFRGS. Além auxiliar nas estatísticas de reabilitação do Centro, a marcação dos animais durante a sua reintrodução ao ambiente natural é uma forma de investigar diferentes aspectos da história natural dessas espécies. Como, por exemplo, da onde vêm e para onde vão os lobos-marinhos que chegam às nossas praias e quanto tempo eles demoram para se deslocar de um local para outro.

 

Proteção das Toninhas e pesca de arrasto

FOTO: Estudos para diagnosticar situação das Toninhas (foto) é um dos focos do GEMARS

A conservação da toninha – espécie de golfinho com nariz longo e afilado (parecendo um bico) que habita a costa gaúcha (e brasileira) sempre foi um dos principais focos das ações e pesquisas do GEMARS desde a sua fundação. E em 2016 a ONG conseguiu, em parceria com o Funbio, aporte para realizar estudos e estimar o tamanho da população e a área de distribuição da toninha –  espécie de golfinho mais ameaçada do litoral nacional. ” É uma preocupação mundial entender porque a população das Toninhas está diminuindo. Trata-se de um animal que vive apenas em parte da costa brasileira e argentina. É diferente do golfinho que entra na Barra dos Molhes, por exemplo, espécie que ocorre em vários locais do mundo”, explica o biólogo Paulo Ott.

Com o desenvolvimento desse projeto Toninha, espera-se não apenas conhecer melhor o tamanho das populações ainda existentes nessa região, mas também identificar as áreas prioritárias para a conservação da espécie. A pesca é uma das causas desta espécie estar criticamente em perigo – mas apenas pela questão da captura acidental. “Conversamos com os pescadores, que em geral dizem não ter interesse comercial na captura das toninhas. Se houver forma de evitar que os animais fiquem presos nas redes de pesca, eles são favoráveis. Em nossos projetos feitos sobre a Toninha, vemos os pescadores como parceiros”, indica Ott.

Relacionado a preservação da toninha – mas também a sustentabilidade de todo ambiente marinho – uma discussão relevante se faz sobre os impactos da pesca de arrasto. De acordo com Paulo Ott, trata-se de uma prática realizada pela indústria pesqueira na qual uma grande e pesada rede é esticada entre duas embarcações, sendo arrastada ao longo do fundo do oceano para recolher tudo o que estiver em seu caminho. “No mundo todo se discute até que ponto esta pesca é sustentável. Pesquisas anteriores associaram a pesca de arrasto a impactos ambientais relevantes, como a captura acidental de grandes quantidades de espécies não visadas. Entendemos que a pesca é sim o trabalho e a fonte de sustento para muitas famílias. Mas pensamos que deve ser feita de forma mais seletiva possível: pegar só aquilo que, de fato, é alvo da pescaria”.

Concluindo, os pesquisadores informam que o GEMARS vai estar realizando, aqui em Torres, um curso sobre Biologia e Conservação de Baleias, Botos e Gofinhos. O evento ocorre durante os dias 9,10 e 11 de junho – sendo que biólogos, pesquisadores e interessados de outros estados do Brasil já confirmaram presença. “Queremos que as pessoas conheçam Torres e os mamíferos aquáticos que daqui, senão elas não vão nem entender porque esse lugar é importante. Não temos objetivo de proibir nada, mas sim possibilitar que as coisas sejam feitas de forma sustentável, ser humano e ambiente natural coexistindo com a maior harmonia possível. Esse é o desafio”, conclui o biólogo Paulo Ott. Mais informações através do email gemars.cursos@gmail.com


Publicado em: Meio Ambiente






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