Ligações clandestinas de esgoto em Torres: uma praga cultural

Em Torres, rede de esgoto está acima da média estadual e nacional. Mas mesmo assim existem casos quase que sem solução

Esgoto derramado in natura no arroio do bairro Guarita é um exemplo
22 de janeiro de 2018

Um adolescente, após manuseio com a água de um córrego, fica doente e vai para a rede de saúde. Um adulto adquire uma doença de pele quando se banha em água do mar em local que está improprio para banho. Uma criança fica doente após brincar em poças d’água na rua, em locais onde algumas residências despejam o esgoto de suas casas. Outra fica enferma após brincar com poças d’água que seriam excesso de esgoto pluvial, mas na realidade muita gente de sua vizinhança liga o esgoto de suas casas na rede de captação de água de chuva… Estes são casos de mazelas que, em países desenvolvidos – onde saneamento básico é estrutura obrigatória – não existem. Mas no Brasil isso é normal, quase que corriqueiro.
Não se sabe onde começa: se por desleixo de gestores públicos, ou pela falta de educação básica da sociedade. Mas o que se sabe é que existe muita gente – em Torres, inclusive – que tem um ou dois carros modernos em frente às suas residências, mas que não se submetem a construir um sistema de fossa suficiente para atender a demanda de esgoto gerada por sua família. Preferem ligar seus encanamentos (a via de saída dos excrementos de seus familiares) através de ligações clandestinas, feitas de forma criminosa e direta na rede de captação de água da chuva das ruas. Criminosa por dois motivos: Por ligar de forma errada e por quebrar sem aviso prévio os canos do sistema pluvial – que é propriedade dos seus pares de cidadania, que pagam para que a prefeitura construa a rede para captação de água, evitando alagamentos.

Em Torres, vários exemplos de contaminação por ligações clandestinas

A contaminação da água é o resultado desta irresponsabilidade dupla. Irresponsabilidade dos cidadãos e irresponsabilidade dos gestores municipais. Ao percorrer o chamado “Valão” que acompanha a Avenida do Riacho (que tem esse nome porque aquele córrego é um riacho), podem-se ver canos despejando água no manancial em dias de seca. Isso é prova cabal de ligação clandestina de esgoto na rede pluvial, pois se não fosse, nada estaria saindo dos canos. E o mau cheiro entrega definitivamente a mazela contaminadora do ambiente urbano.
No Rio Mampituba, notam-se também muitos casos de casas que possuem canos para despejo de detritos direto ao rio. A mesma observação em dias de tempo seco denuncia a clandestinidade dos encanamentos. É o caso também do valo que segue o oeste do bairro Igra Sul, valo que liga o Parque Itapeva ao Rio Mampituba. Lá se nota a mesma coisa, além de por ainda haver o depósito de lixo no manancial, que polui definitivamente (além de entupir o valo e alagar bairros inteiros com esgoto). Todo este esgoto acaba no Rio (que, em parte, está poluído há tempo) e depois acaba desembocando no mar. Mas o mal que esta poluição cloacal faz no seu entorno é muito sério: Trata-se de um problema de Saúde Pública que é gerador de muitas doenças de intestino e pele. Além do mau cheiro, que coloca a autoestima dos moradores lá embaixo, típicas de autoestimas de cidadãos terceiro-mundistas.

Casos difíceis (e de famílias vulneárveis)

Neste inicio de ano, o setor de Vigilância Sanitária da Prefeitura de Torres foi acionado para encontrar solução para o despejo de esgoto, que estaria acontecendo em uma importante rua do centro alto de cidade, em meio aos hotéis (e turistas). Após averiguação, foi constatado que – por engano – um técnico hidráulico fez a ligação dos canos de pias e chuveiros de um prédio direto no cano pluvial do prédio, que consequentemente foi ligado no sistema pluvial público. E como este sistema às vezes desemboca na rua, esta rua estava recebendo água de lavagem de louça e dos restos dos banhos, o que ocasionava mau cheiro. O sistema foi corrigido e o caso considerado um sucesso porque foi resolvido e não houve dolo, além de a água não ter vindo de vasos sanitários, o que seria pior.
Mas existem casos que geram processos. Quando é constatado o vazamento ou o mau cheiro na rua, a mesma vigilância Sanitária é convocada. Ao constatar o problema, o cidadão dono da casa ou o síndico do edifício recebe um prazo para resolver. Se não for resolvido, o mesmo cidadão recebe uma multa de R$ 2 mil. E acaba tendo que resolver, porque a multa vai dobrando, Mês a mês, caso não haja resolutividade.
Existem casos mais difíceis. Trata-se de problemas em bairros onde os donos das casas são pessoas que possuem baixa renda e não têm, por exemplo, R$ 600 para consertar a fossa de sua residência que está entupida. Neste caso, o certo é a prefeitura notificar. Mas a maioria dos casos torna-se uma demanda da secretaria de Ação Social, que trata de ajudar que o cidadão arrume sua fossa, com apoio financeiro de programas sociais. Mas há casos que ficam em aberto porque o cidadão não tem como pagar R$ 600 para desentupir sua fossa, muito menos tem R$ 2 mil para pagar a multa, mas a assistência social não encaixa a família em seus programas.

MPF está na justiça contra a prefeitura de Torres

Desde o ano de 2000, o Ministério Público Federal possui uma Ação Civil Pública contra o município de Torres, demandando que a municipalidade local tenha 100% de captação de esgoto e 100% de tratamento deste esgoto. Esta ação gerou uma interrupção da liberação de novas obras em Torres durante quase dois anos (2001/2003) e já está com sentença julgada. Foi quando a cidade, juntamente com a Corsan, conseguiu entregar a nova Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), sendo liberadas novamente a construção dos prédios. Mas não foi aliviada a demanda da Ação Civil Pública, ou seja: Torres ainda tem de chegar a 100% de rede de captação de esgoto, praticamente uma espada apontada para todos os prefeitos da cidade, ano após ano, gestão após gestão.
Entre os anos de 2005 e 2012, no governo João Alberto, a cidade chegou a ampliar sua rede de captação de esgoto, que chegou, em algumas avaliações, a ter em torno de 60% de captação de esgoto; em outras avaliações em 80% com o término das obras, quando da implantação de redes nos bairros Stam e em parte do bairro Igra (este que está incompleto). Só que o Ministério Público Federal entrou no detalhe do trabalho de adequação – exigido pela sentença que Torres possui contra si na justiça federal (100% de captação e tratamento) – e tem questionado a falta de ação da municipalidade para terminar com as ligações clandestinas, feitas diretamente na rede pluvial ou in natura nos mananciais (valão, rio, lagoa do Violão, etc).
Conforme informações obtidas por A FOLHA junto a Prefeitura de Torres, nos últimos anos os bairros Salinas, Getúlio Vargas, Praia da Cal, Curtume (Jardim Eldorado), Igra e Vila São João já receberam uma espécie de ‘blitz’. Nesta, os moradores têm de comprovar que possuem fosse asséptica funcionando e de escala coerente dom a demanda de esgoto gerada pela família. O bairro Guarita ainda é caso crítico, por suas deficiências estruturais e por ser formado por edificações de pessoas simples.
Segundo informou Lasier França, chefe do setor de vigilância Sanitária da Prefeitura, deste o ano de 2010 (ainda no governo João Alberto) até hoje, foram mais de cinco mil moradias notificadas nestes bairros, apresentando quase que 100% de resolutividade. É que, caso não haja este relatório – feito por engenheiros ou técnicos (com assinatura) – a prefeitura emite uma multa, e quando pega no bolso, a maioria acaba agindo, explicou Lasier para A FOLHA.

 

Em 2014, rede pluvial entupida fez esgoto brotar em rua do Igra Norte

 

Ligações clandestinas são difíceis de ser flagradas

De acordo com Lasier (embora esta questão seja ligada mais à fiscalização de Obras da prefeitura do que de sua área, a Vigilância Sanitária), as ligações clandestinas são difíceis de serem flagradas. Geralmente elas são fruto de falta de estrutura das fossas das casas, embora possam ainda existir casos de casas que colocam o esgoto ligado direto em um manancial ou no esgoto pluvial já na construção. Um crime “na base”, com alto dolo ou total desinformação do cidadão responsável.
Os moradores preferem fazer as ligações clandestinas na calada da noite, nos finais de semana, quando ligam canos irregularmente no esgoto pluvial. Vizinhos às vezes veem e não denunciam, por conta do medo de comprar briga na vizinhança. Mas seria esta a hora de denunciar, conforme os técnicos da municipalidade, que prometem manter sigilo das denúncias.
Mas o pior de tudo isto é a falta de consciência, por parte dos infratores, das leis ambientais e sanitárias da cidade. Eles às vezes possuem carros de luxo, são pessoas viajadas e etc., mas não ficam sequer envergonhadas de ligarem seu esgoto na rua ou na rede pluvial.
Para Lasier França, a única forma de resolver isto é a universalização (100%) de rede de esgoto em toda a urbe de Torres. Aí a Corsan e a prefeitura podem exigir que o cidadão ligue sua rede na rede geral.


Publicado em: Meio Ambiente






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