Por Regina Di Neve
Quase toda pessoa, em algum momento da vida, já pensou em adotar uma criança. Onde encontrá-la e como fazer para adotar muitas das vezes parecem ser os grandes entraves para o sucesso dessa empreitada. Segundo dados da AMB (Associação dos Magistrados do Brasil), a maioria das pessoas recorreriam a hospitais e a maternidades para encontrar seu novo filho. Em segunda instância se dirigiriam aos abrigos. O que não sabem, é que as maternidades e hospitais, não têm poder legal de doar uma criança para quem quer que seja. Assim, esse tipo de adoção í brasileira, como é conhecida, é totalmente ilegal e passível de até seis anos de cadeia. Por isso, o candidato a pai deverá se dirigir primeiramente ao Conselho Tutelar de seu município, preencher uma papelada, passar por uma bateria de perguntas, até ser habilitado adotante e entrar na fila. O processo todo pode durar até um ano. Mas os juizados têm a incumbência de agilizar as adoçíµes, pois como se diz em direito, trata-se de privação de liberdade, o que significa que nenhuma criança deve ser mantida em abrigos ou casas de passagem por mais de dois anos. Salvo as que não conseguirem uma família. E, também, porque, segundo o novo código de adoção brasileiro, a adoção é um direito inalienável da criança e do adolescente.
Adotar é um ato de amor, não uma obrigação. Adoção é para sempre, por isso o candidato deve ter em mente que esse seu gesto não tem valor nenhum se não for de coração e não ter volta. Deve se lembrar que o órfão já teve uma história, mesmo que breve e mesmo que desfavorável. Por isso deve se preparar para conflitos de toda natureza e que podem passar pela adolescência e avançar até a vida adulta.
Preferência nacional e realidade de Torres
Regra geral, quando se pensa em adotar uma criança, mesmo que vivendo num país de afro-descendentes, com contrastes sociais e econí´micos tão gritantes, é comum a preferência por um bebê recém-nascido, bonito, branco, de olhos azuis e de saúde perfeita. Os candidatos a pais esquecem que no universo dos relegados a própria sorte ainda existe o estigma dos gerados de pais doentes mentais, portadores de deficiência física e consumidores de drogas. Esses são os reais bebês, crianças e adolescentes que estão í espera de uma família.
Atualmente existe um cadastro nacional de crianças para adoção. Toda informação dos Conselhos Tutelares de todo País vão para esse banco de dados. Ali, é feita a captação dos candidatos a adotantes e a aproximação com os menores. No Brasil, existem cerca de 80 mil crianças que vivem em instituiçíµes de apoio ou abrigos. Dessas crianças, cerca de 8 mil estão em condiçíµes de serem adotadas e 72 mil aguardam por alguma definição para suas vidas. O dados, divulgados por uma pesquisa feita pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) mostra, ainda, que dentro desse contingente de crianças aptas í espera de uma família, muitas já passaram da idade ideal para serem adotadas. Por isso a importância de que esses jovens sejam envolvidos pela sociedade na forma de apadrinhamento. Atualmente, aqui em Torres, não existem crianças nas casas de passagem da região para serem adotadas. Mas existem aquelas que perambulam silenciosamente pela cidade, ou se encontram nos rincíµes da comarca. Em termos legais pertencem a cifra oculta. São meninos e meninas que sofrem de toda sorte de abusos e negligência, dentro dos arremedos de lares e, que, por conivência da própria família são mantidos em segredo, sem que o conselho tutelar tome conhecimento de suas existências. í‰ a cultura do segredo. Para amenizar essa situação, o promotor da justiça de Torres, Dr. Vinicius de Melo Lima, sugere que os municípios criem uma rede de proteção e apoio a essas crianças facilitando o encontro delas com famílias que as envolveriam sem necessariamente passarem pela adoção. Segundo ele, o município deveria reinserir esses jovens que passaram da idade ideal de adoção ou que não foram entregues para tal nas famílias dos padrinhos. O apadrinhamento afetivo, com ajuda do ministério público na fiscalização, beneficiaria em muito as crianças de 12 a 18 anos e as tiraria das situaçíµes de risco, explica. O promotor ainda apela para que as pessoas não se omitam e denunciem esses menores que estão sendo abusados ou perambulando pedindo dinheiro avisando ao Conselho Tutelar, os canais de comunicação, como rádio e jornal, ou acionando o disque-denúncia 181.
Contar a verdade é sempre o melhor caminho
Em todas as relaçíµes familiares biológicas existem situaçíµes de conflito. E cada família procura resolvê-los da melhor forma possível. Nas relaçíµes adotivas, não pode ser diferente. í€ medida que as situaçíµes forem surgindo os integrantes vão encontrando soluçíµes para os conflitos que podem atravessar a adolescência e avançar pela idade adulta. Por isso a transparência ou honestidade deve pautar essas relaçíµes. Segundo a psicoterapeuta Paula Borowsky, da clínica Ceaps, de Torres, a experiência aconselha contar ao jovem que ele foi adotado. Isso permite a ele uma busca genuína de suas origens para a construção de sua identidade. Mentir, ocultar, ou manter segredo leva a desagregação do laço familiar. Descobrir por terceiros é ainda pior, pois desperta um sentimento de traição. Por isso a terapeuta recomenda que seja apresentado ao jovem o mais cedo possível sua condição de adotado. Ela indica que os pais devam através de historinhas contar a verdade aos poucos e sempre enfatizar que o jovem foi escolhido, nunca o contrário.
Por outro lado, pais adotivos por imaginarem que o filho sabendo possa preferir estar com pais biológicos, em seu inconsciente tendem a desenvolver uma espécie de culpa por roubarem o filho alheio sentimento que os fazem manter segredo. Daí a necessidade de serem bem esclarecidos nas entrevistas com os psicólogos que participam do processo de adoção.
Em vista do enorme contingente de crianças que não tem uma família definitiva, a terapeuta concorda com a criação de apadrinha mento desses jovens. Acredito que seja uma boa saída para reinserção desses jovens . Desde que não iludam as crianças ou adolescente, pois o apadrinhamento não é uma adoção definitiva, nem pré adoção e nem um contrato de adoção, mas sim uma oportunidade de criação de novos e saudáveis vínculos, ensina Burowsky.
Apesar de todo amor que a adoção encerra não se deve ignorar que para o jovem sempre vai ficar a ferida narcísica da rejeição, que poderá ser tratada ou trabalhada. Mas nunca será fechada.
Adoção passo-a-passo
– Procure o Juizado da Infância e da Juventude mais próximo de sua casa para entrar no Cadastro Nacional de Adoção (se preferir, você pode contratar um advogado de Família de sua confiança, especializado em processos de adoção). Ligue antes para saber quais documentos levar: eles variam entre os juizados. Pessoas solteiras, divorciadas e judicialmente separadas também podem adotar, desde que sejam maiores de 18 anos (artigo 1618 do Código Civil) e pelo menos 16 anos mais velho que o adotado (art. 1.619) .
– No cadastro, indique o perfil da criança que deseja. Você pode escolher o sexo, a idade (no caso de crianças maiores de 3 anos, é chamada de adoção tardia), o tipo físico e as condiçíµes de saúde.
– Até dois meses, uma psicóloga do juizado agendará uma entrevista para conhecer seu estilo de vida, renda financeira e estado emocional. Ela também pode achar necessário que uma assistente social visite sua casa para avaliar se a moradia está em condiçíµes de receber uma criança. Teoricamente, o poder aquisitivo influencia, mas não é decisório.
– A partir das informaçíµes no seu cadastro e do laudo final da psicóloga, o juiz dará seu parecer. Isso pode demorar mais um mês, dependendo do juizado. Com sua ficha aprovada, você ganhará o Certificado de Habilitação para Adotar, válido por dois anos em território nacional.
– Sua ficha pode não ser aprovada. O motivo pode ser desde a renda financeira até um estilo de vida incompatível com a criação de uma criança. Se isso acontecer, procure saber as razíµes. Você poderá fazer as mudanças necessárias ou até mesmo recorrer í Justiça e começar o processo novamente.
– Com o certificado, você entrará automaticamente na fila de adoção nacional e aguardará até aparecer uma criança com o perfil desejado. Ou poderá usar o certificado para adotar alguém que conhece. Nesse caso, o processo é diferente: você vai precisar de um advogado para entrar com o pedido no juizado.
– A espera pela criança varia conforme o perfil escolhido. Meninas recém-nascidas, loiras, com olhos azuis e saúde perfeita ( a maioria dos pedidos) podem demorar até cinco anos. A lei não proíbe, mas alguns juízes são contra a separação de irmãos e podem lhe dar a opção de adotar a família toda. E não esqueça: a adoção depende do consentimento dos pais ou dos representantes legais de quem se deseja adotar, além da concordância deste – se tiver mais de 12 anos. A exceção fica para o caso de criança ou adolescentes cujos pais sejam desconhecidos, falecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar (o antigo pátrio poder).
– Você é chamado para conhecer uma criança. Se quiser, já pode levá-la para casa. Quando o relacionamento corre bem, o responsável recebe a guarda provisória, que pode se estender por um ano. No caso dos menores de 2 anos, você terá a guarda definitiva. Crianças maiores passam antes por um estágio de convivência, uma espécie de adaptação, por tempo determinado pelo juiz e avaliado pela assistente social.
– Depois de dar a guarda definitiva, o juizado emitirá uma nova certidão de nascimento para a criança, já com o sobrenome da nova família. Você poderá trocar também o primeiro nome dela. As relaçíµes de parentesco se estabelecem não só entre o adotante e o adotado, como também entre aquele e os descendentes deste e entre o adotado e todos os parentes do adotante.
Telefones úteis para comunicar maus tratos ou abuso de menores em Torres
· Conselho Tutelar de Torres 36643311 das 9:00 í s 12:00 e das 14:00 í s 18 de segunda a sexta
· Disque-denúncia 181 24 horas
· Ministério Público de Torres 36641788 ou 36261799
Dr. Vinicius de Melo Lima, promotor de justiça de Torres,
apela para que a sociedade e governantes não fechem
os olhos para a dura realidade dos jovens
negligenciados da cidade.