TORRE DO MEIO: Entre os encantos e histórias das furnas

21 de fevereiro de 2015

 

Entre as praias da Cal e a da Guarita encontra-se o maior dos morros de Torres, a Torre do Meio. Local repleto de  história, lendas e belezas naturais, a Torre do Meio é, porém, mais conhecida por Morro das Furnas, em decorrência de uma caracterí­stica que a faz singular entre os morros da cidade. Em sua borda oriental encontram-se várias grutas grandes, pequenas – e algumas até submersas.

 

Por Guile Rocha*

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A Torre do Meio (ou Morro das Furnas) é a maior em extensão e altura  de Torres- a parte mais elevada do morro chega atingir 65 metros. E lá, se encontram furnas de rara beleza. Segundo o geólogo Geraldo Medeiros Lima, "toda sua feição oriental compíµe-se de falésias perpendiculares, batidas nos sopés pelas ondas do mar. O paredão da Torre do Meio é um corte abrupto, com 40 metros de altura sobre o mar, marcado por diversas furnas".  Acredita-se que, há milhíµes de anos, antes da separação dos continentes, a área era unida í  região onde hoje fica a cidade de Etendeka, na Namí­bia, ífrica.

 

Conforme explicou o professor Léo Gedeon, na região sul evidencia-se um complexo de furnas que se estende do Morro dos Conventos (em Araranguá), í s margens da BR-101 (em Sombrio/SC) no Morro das Furnas (em Torres) e em Três Cachoeiras/RS. "Estas furnas revelam que há muito tempo, o contorno do continente foi alterado pelas transgressíµes e regressíµes marinhas ( o avanço e recuo do mar). As lagoas costeiras são as ‘grandes poças d™água’ que sobraram, quando o oceano atingiu o ní­vel atual. O formato e profundidade das furnas traduzem o dito popular ‘água mole em pedra dura, tanto bate até que fura’, num lento processo de milhares de anos de abrasão marinha".

E na manhã do dia 14 de fevereiro, acompanhei Alexis Sanson (Projeto Praia Limpa Torres), Léo Gedeon (professor, pesquisador e historiador) Geraldo Medeiros Lima (professor e Geólogo) e Iuri Sanson (vocalista da banda Hibria) para uma incursão a duas das furnas encravadas na Torre do Meio: a Furninha e a do Diamante. Uma aventura de valor e experiência para a vida dentro de dois "templos esculpidos pela mãe natureza" (nas palavras de Alexis Sanson)

 

Um tesouro tão belo quanto perigoso

 

Marcamos para sair cedinho pela manhã, as 8h. Eu cheguei alguns minutos atrasado, ainda meio que ressacado do primeiro dia do carnaval. Mas cheguei, e logo vi o pessoal já subindo a Torre do Meio. Nos cumprimentamos e fomos a subir. Notamos as novas placas indicativas de perigo, recentemente instaladas no topo do morro: uma medida muito positiva para aumentar a segurança no local turí­stico, evitando acidentes . Fomos caminhando e ficamos por alguns instantes contemplando a vista das falésias, os paredíµes que formam penhascos de dar calafrios, mas também belas paisagens com o contexto do morro e do mar.

Então marchamos rumo a encosta do morro, e descemos as escadarias construí­das entre os anos 40 e 50, época em que Torres passava a ter uma vocação mais focada no turismo (conforme nos explicava o professor Leo Gedeon, durante a caminhada). Logo chegamos a uma das lajes naturais esculpidas junto a Torre do Meio. De lá avistamos a Furninha e a Furna do Diamante, em sua harmonia sempre mutável, com o vai e vêm das ondas que com elas se chocam. E avistamos também a Pedra do Diamante, um local que remeteu a um assunto quase inevitável: o trágico acidente que ocorreu em dezembro do ano passado.

Num dia de mar agitado, quatro turistas de Caxias que estavam próximos a Furna do Diamante foram atingidos por uma forte onda, sendo   levados para dentro do mar. Numa situação que seria muito complicada até para um nadador experiente, entre as fortes ondas que se chocavam com as pedras, apenas um destes turistas sobreviveu (apesar do socorro, tão rápido quanto possí­vel, dos salva-vidas). Antes de descer a escadaria até a Pedra do Diamante, há pontos sinalizados com placas informando dos perigos. E por não ser indicado nadar, sequer há guarita de salva-vidas – até para não incentivar os banhistas a entrar na água. Ainda assim, o local já foi palco natural para vários acidentes nas últimas décadas (alguns deles fatais)

Contudo, no dia de nossa incursão o mar estava pequeno e a maré ainda baixa, uma boa hora para entrar no mar e conhecer dois dos tesouros incrustados no Morro das Furnas. Além do mais, tanto Alexis e Léo como eu (os que entraram nas furnas) temos experiência dentro do mar pela prática do surf/ bodyboard   – e carregamos a noção de que é sempre necessário ter um respeito cauteloso na hora de encarar o oceano. Portanto, nos preparamos e encaramos a remada até a Furninha, nosso primeiro ‘ponto exploratório’.

 

Leo e Alexis,pouco antes de se aventurar nas furnas

 

Furninha e o Marégrafo

 

Descemos um de cada vez, esperando a calmaria, e fomos nadando ao sabor das ondas e direção a Furninha. Lá, usamos nossos braços e pernas para ir reconhecendo o terreno e descobrindo o possí­vel das pedras submersas. O caminhar é sempre cauteloso, as pedras escorregadias em meio as ondas que ainda se chocam. Mas após algum esforço alcançamos nosso objetivo, e estamos ‘entocados’ na Furninha. Aproveitamos nosso momento de glória por algum tempo, a bela imagem de dentro da caverna esculpida pelo mar. Após, Léo Gedeon nos mostrou algumas das inscriçíµes feitas nas pedras da Furninha, e explicou que os nomes entalhados e datados mais antigos são de 1917 e 1918, sendo possivelmente relacionados ao Marégrafo de Torres (que no passado teria sido instalado no local).

Mas infelizmente percebemos também que o lixo – trazido pela maré ou deixado por pescadores – também se acumula neste paraí­so escondido. Garrafas pet, latinhas, pedaços de isopor, sapatos: Dezenas de quilos de lixo espalhados. Mas a sujeira não nos intimidou, e recolhemos o que podí­amos com as duas sacolas que trouxemos. O resto do lixo será recolhido na já tradicional ação de Limpeza das Furnas, que posteriormente será realizada pelos voluntários do projeto Praia Limpa Torres.Saí­mos da Furninha a nado e, cuidadosamente, fizemos a subida por entre os mariscos até a Pedra do Diamante.

 

A mí­stica furna do Diamante

 

Iuri e Alexis tinham outro compromisso e se despediriam de nós, enquanto eu e Léo nos preparávamos para entrar numa das mais famosas fendas entalhadas na Torre do Meio: A furna do Diamante. Segundo Leo Gedeon, " lendas, contos e mitos fornecem a áurea mí­stica í  Furna do Diamante, destacando-se a lenda da Sereia e o pote de tesouros no seu interior. Sua estrutura geológica é peculiar, apresentando conglomerados de basalto e arenito e uma microfauna bem adaptada ao ambiente úmido".

 E fomos remando até lá para ver in loco essa maravilha da natureza. Chegamos sem grandes dificuldades, pois a caverna nos espera com uma praia de areia (salpicada por algumas rochas). Porém, a sensação lá dentro foi algo assustadora pois apesar do mar calmo, a maré ia enchendo. E a furna – que torna-se bem afunilada no seu final – ficou boa parte submersa pelo mar e ondas, que entram fortemente até o ponto mais profundo da furna. Uma sensação de claustrofobia bateu em mim, mas o que mais reinava era a sensação de aventura e euforia. Nadamos para fora sem sereia ou tesouro escondido, mas saí­mos com a certeza de termos visitado um dos mais belos segredos de Torres.

 

*colaborou Léo Gedeon  

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Contra o lixo nas Furnas!

 

Lixo encontrado no interior da Furninha

 

Por Alexis Sanson

Projeto Praia Limpa Torres

Associação dos Surfistas de Torres (AST)

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"A primeira vez que estive no interior das Furnas, fiquei completamente impressionado com í  beleza de um "templo esculpido pela mãe natureza" – berço de aves, anfí­bios, caranguejos e outras espécies marinhas. Infelizmente a segunda impressão foi negativa, pois testemunhei em meio a um cenário único de beleza natural, muito lixo!

O impacto dos resí­duos naquele ambiente é absurdo, e nossas furnas acabam virando um "depósito de lixo". – cabe a nós tentarmos entender o porque e qual o percurso que tais resí­duos fazem até ficarem depositados nas furnas. Sabe-se que muito lixo é jogado por pessoas do alto dos paredíµes da Torre do Meio (garrafas e embalagens)- outros resí­duos são descartados em alto mar, por pesqueiros (cordas e redes de pesca) – muitos resí­duos de pesca também são encontrados provavelmente deixados por pescadores artesanais (bóias de plástico e isopor)- e por fim, há o lixo que é "esquecidos" na beira mar e até mesmo jogado no Rio Mampituba, que dali viaja ao sabor das correntes marinhas por centenas de metros até aquele ambiente.  

O Projeto Praia Limpa Torres (Associação dos Surfistas de Torres) – resgatando uma tradição de preservação das Furnas Marinhas, fixou no seu cronograma de trabalho a limpeza anual das Furnas Marinhas, que ocorre com equipe experiente e treinada, condição marí­tima monitorada e acompanhada de equipe de segurança (Corpo de Bombeiros de Torres / RS Resgate), sendo que na limpeza realizada em Janeiro de 2014, aproximadamente 1 tonelada de lixo foi retirada das furnas. Por fim, acredito que deveria ocorrer uma campanha da comunidade, associaçíµes e entidades para que aquele seja protegido e preservado, com por exemplo o seu tombamento como patrimí´nio natural e histórico da cidade de Torres.  RECOLHA SEU LIXO – MANTENHA NOSSAS FURNAS & PRAIAS LIMPAS."

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O Marégrafo de Torres  

 

Por Leonardo Gedeon

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No local conhecido como Furninha (ao lado da Furna do Diamante), na porção oriental da Torre do Meio (Morro das Furnas) encontra-se um sí­tio histórico, o Marégrafo de Torres. O Marégrafo conhecido como Datum de Torres foi o primeiro Datum Altimétrico do Brasil e tinha registros entre os anos 1919 e 1920. A Comissão da Carta Geral do Brasil estava estabelecendo uma rede altimétrica, medindo as distâncias da costa atlântica e as altitudes em território brasileiro. Em 1958, o Datum de Torres foi substituí­do pelo Datum de Imbituba, que contava com nove anos de observaçíµes (1949-1957). Com a suspensão dos serviços do marégrafo, a estrutura de madeira foi apodrecendo. A evidência material que ainda resistiu ao tempo, foram os engates que apoiavam a base da casinha do marégrafo em ambos os lados da Furninha.

 

O que desperta fascí­nio neste sí­tio encontra-se no interior desta furna onde se localizava o marégrafo. No lado direito de quem entra na furna, existe um painel com inscriçíµes históricas. Na parede de basalto, foram encontrados muitos nomes inscritos. Em constatação pessoal, pude perceber nomes que acompanhavam a data da inscrição. No registro desta prática do eu estive aqui, identifica-se no painel, os nomes legí­veis mais antigos pertencentes í  Deoclécio Godinho Porto (1-   4- 1917) e Walter Robenhond (16- 2 – 1918) “ registros entalhados com técnicas de picoteamento, inclusive com refinada letra cursiva no caso do último nome citado – , datas   que coincidem com as primeiras décadas do século XX. Neste mesmo painel, existem outros nomes e datas de décadas posteriores. Em alguns lugares especí­ficos das falésias localizam-se registros que datam do iní­cio do século XX, perí­odo de introdução do turismo em Torres. Inscriçíµes antigas foram evidenciadas na escadaria da Furninha, na base rochosa entre as furnas (Furna do Diamante e Furninha) e na Guarita comprovando o usufruto do território e a circulação de pessoas nos exóticos recantos das falésias.

 


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