No final de semana passado, mais um movimento de pessoas que lutam pelo bem estar e proteção dos animais de Torres entrou em ação e promoveu uma espécie de campanha, para recolher donativos para atenuar problemas do Canil Municipal. É que as chuvas constantes das últimas semanas estamparam as mazelas antigas do local que abriga animais domésticos abandonados: Baias sem piso e com telhados danificados se transformaram em poças d’água e barro cercadas, sem alternativa de defesa dos cachorros presos nas unidades… isso porque não há plano b para casos de alagamento no espaço, que (infelizmente) mais parece um presídio de animais.
O problema é antigo e a luta é fruto da legítima e progressista atuação de grupos torrenses que conquistaram, com o tempo, o direito previsto em lei de defesa de animais domésticos abandonados. Há também outra questão envolvida nessa luta, decorrente dos problemas causados pelos animais soltos na rua sem donos – que conforme as leis sanitárias podem transmitir doenças e riscos para pessoas. No meio disto entrou o MP de Torre, que, atualmente, assume papel de cão de guarda dos direitos dos moradores da cidade. E atualmente este “cão de guarda” tem tido direito de “latir alto” e “mostrar os dentes”, tudo dentro das leis estabelecidas no Brasil, no RS e em Torres.
O Canil municipal está desde o final do ano passado sendo gerenciado por um interventor nomeado pela justiça. Ele tem a única missão de fazer com que a prefeitura municipal execute vários tópicos de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) e mantenha o local sem a entrada de animais novos acima do limite estabelecido anteriormente também pela justiça. A informação foi dada para A FOLHA pelo 2º Promotor de Justiça da comarca sediada em Torres, Marcio Carvalho, titular da ação. Marcio narrou na última terça-feira (13) todo o processo que causou a situação atual do Canil de Torres.
O promotor trabalha sempre com a negociação para não levar o caso às sentenças judiciais – o que pode prejudicar mais ainda o processo por conta da morosidade da justiça e da possibilidade de várias formas de recorrer por ambas as partes. Isto que dizer que, atualmente, a prefeitura de Torres e muitas pessoas que lá passaram nos últimos anos já poderiam estar condenadas na justiça por não cumprimento do TAC. Isto pode parecer omissão, mas no caso de Torres é um estilo do promotor de lidar com problemas que envolvem tantos direitos (e deveres) oriundo das leis, como é o caso da relação entre a sociedade e os animais domésticos na atual legislação.
Ritos Judicias e burocráticos por quase quatro anos
Tudo começou em 2012, ainda no final do governo João Alberto (2005/2012), mas também ano de campanha eleitoral. Denúncias feitas no MP de Torres sobre a situação deficitária das condições do canil municipal fizeram com que houvesse a abertura de uma Investigação pela promotoria da comarca da região sediada em Torres. Em meados do ano de 2013, já no governo Nílvia (2013/2016), o promotor Marcio Carvalho chamou a prefeitura para propor que a mesma assinasse um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta). Conforme informou o promotor Marcio, estavam presentes na reunião a própria prefeita de Torres, além de representações da Secretaria do Meio Ambiente local e da procuradoria do município à época. “Construímos o TAC durante quase um dia inteiro de reunião com todos envolvidos presentes, sempre negociando os prazos com os representantes da prefeitura para não propor um acordo não factível”, afirmou o promotor para A FOLHA.
Mas em 2014, após vencerem os prazos do TAC e a prefeitura não ter conseguido executar as metas do acordo, o MP fez denunciou na justiça, e esta foi aceita pela juíza da comarca titular do caso, Rosane Ben da Costa.A prefeitura recorreu da execução alegando falta de assinatura do TAC pela prefeita. E a mesma juíza aceitou. O MP então recorreu ao Tribunal de Justiça, alegando que tinha provas que a prefeita estava presente nas reuniões que elaboraram o TAC, mesmo ela (prefeita) não tendo assinado.
Foi quando o juiz no TJ RS, afinal, aceitou e denúncia do TAC e pediu a nomeação de um interventor para o Canil de Torres, o que aconteceu. Mas isto foi no final de 2015, ou seja: demorou quase todo o governo passado (três anos). Consequentemente, o canil se manteve praticamente sem melhorias, assim como a sociedade de Torres e os protetores dos animais sofrendo duplamente: sem ter melhoria no canil e sem poder encaminhar cães para o local fruto de proibição judicial.
Tentativas frustradas
O governo de Torres no período liderado pela prefeita Nílvia Pereira, tentou iniciar a construção de um novo canil, que seria feito no bairro São Braz, na periferia da cidade, numa área de propriedade da prefeitura (onde já funcionou um matadouro). Mas um movimento de moradores do entorno do local no bairro se rebelou e a questão teve de ser mais uma vez avaliada pelo Ministério Público antes de receber o aval de ser uma obra que definiria – em uma vez só – todos os acordos previstos no TAC. Um departamento especial do MP gaúcho (Gabinete de Assessoramento Técnico – o GAT) foi acionado para avaliar se, juridicamente, a prefeitura poderia construir o canil no local demandado ou se os moradores teriam razão do reclame. E o laudo foi positivo para construção.
Mas a prefeitura resolveu não construir o canil programado, não se sabe se por falta de recursos ou por não querer confrontar com a vontade do bairro – além da vontade de associações locais, que também não queriam que o canil mudasse de lugar.
Novo governo diz que vai reformar atual local do Canil
O promotor Marcio Carvalho já começou tratativas com o governo que dirige a prefeitura de Torres desde Janeiro deste ano. Conforme informou para A FOLHA, no início do ano representantes do Governo Carlos Souza sinalizaram para a promotoria que o governo “iria construir um canil dentro das normas exigidas pelo TAC”. Mas em março (dois meses depois), a mesma prefeitura foi transparente na atitude, mas recuou do compromisso, afirmando para o promotor que não poderia assumir esta obra neste governo, ainda, por conta da situação financeira dos cofres públicos de Torres e as projeções de caixa para o futuro não serem positivas em se tratando de disponibilidades.
Conforme informou a promotoria para A FOLHA, “não há mais espaço para negociações”. Embora a procuradoria da prefeitura de Torres possa se valer de todos os meios judiciais para evitar, o interventor do canil pode pedir para a justiça que sejam bloqueados recursos da conta corrente da prefeitura de Torres para que sejam pagas despesas que visam o cumprimento do TAC (termo de Ajustamento de Condita) que está sentenciado a ser executado pelo Tribunal de Justiça do RS. Isto já aconteceu (e teve aceitação da juíza) para que o salário do interventor fosse pago pela prefeitura (esta despesa também é paga pela prefeitura, conforma reza a lei).
Ou vai ou “late”
Há duas semanas, a secretária da Fazenda do município, Clarisse Brovedan, sinalizou em evento público sobre as metas fiscais do orçamento público de Torres, que “já estaria separado para logo o valor de R$ 280 mil para ser usado nas reformas do Canil”, provavelmente sob a tutela do interventor da justiça. No orçamento são mais de R$ 500 mil emendados para a demanda. O que muda, atualmente, é o fato de agora a promotoria estar com poderes para “latir” (no sentido de defender) em nome da sociedade, inclusive com um interventor no Canil que cobra as metas com apoio da justiça.
O promotor de justiça Marcio Carvalho também compartilha uma atitude pessoal dele no processo. É que ele que recuou da proposta inicial do trabalho de intervenção judicial, onde o interventor sugeriu a implantação total das reformas elencadas no TAC. “Os valores quase chegaram a R$ 600 mil, por isso pedimos para que as exigências sejam orçadas e cobradas aos poucos, para não inviabilizar financeiramente o processo”, afirma o promotor em mais uma prova de bom senso, de que prefere negociar. Isto quer dizer que o processo pode demorar mais um pouco, mas deve ser implantado com certa adaptabilidade aos problemas financeiros da prefeitura.
O Ministério Público de Torres também foi denunciado por pessoas da sociedade (associações de Torres). Conforme Marcio Carvalho, as denúncias estariam questionando a competência do trabalho local do MP por ele (MP de Torres) não estar exigindo com mais rigor o cumprimento do acordo judicial pela prefeitura. Mas o mesmo Marcio pede que haja paciência, porque agora a justiça está sendo feita com poderes, mas dentro de critérios coerentes com a situação financeira do município.
A promotoria estadual – que cobra o TAC executado na justiça – estima que o problema seja resolvido com celeridade porque a prefeitura possui agora despesas adicionais (como, por exemplo, o pagamento do salário mensal do interventor).
*Editado por Guile Rocha