Situação dos cavalos usados em carroças expõe vulnerabilidade social em Torres

Defensores do bem-estar animal pensam que somente uma lei federal, a ser colocada em prática em no máximo dois anos, poderia desatar um problema que se arrasta 'encilhado' há décadas no Brasil.

10 de julho de 2021

Chovia muito em Torres naquela noite em abril quando Sebastião foi resgatado de um descampado próximo ao Parque do Balonismo. Extremamente magro, idoso e sem conseguir levantar uma das patas, tentava se proteger do mau tempo sob uma bananeira. Para a voluntária da Associação Torrense de Proteção aos Animais (ATPA), os vizinhos relataram que havia meses o cavalo tinha sido deixado no local. Sem abrigo ou fonte de água pura, sobreviveu comendo o pasto disponível, que não era apropriado, recorda Maria do Carmo Fontan.

Um mês depois, outro cavalo, em circunstâncias igualmente dramáticas, foi resgatado pela protetora Fabiane Correa. Com um corte profundo numa das patas, causado possivelmente por uma louça de vaso sanitário quebrada, Rocky estava há mais de 24 horas sangrando. Ele perdeu todos os tendões e ligamentos, teve a pata amputada e chegou a receber uma prótese, mas não sobreviveu.

Tião teve melhor sorte. Abrigado pela ONG Pé de Chulé, de Porto Alegre, já engordou 100 quilos. “Está sendo tratado com dignidade”, ressalta a voluntária Maria do Carmo, lembrando que os tratamentos e a alimentação são caros.

Conforme a advogada Renata Fortes na live “Os danos físicos e psíquicos em cavalos usados nas carroças”, com o veterinário Renato Pulz, essa é a realidade, em que pessoas em situação de vulnerabilidade social acabam interiorizando a visão de que esses animais são descartáveis. “Vai ter um tempo de duração. Vão abandonar num local e comprar outro”.

Para a especialista em Direito Animal, por mais que o cavalo tenha um perfil dócil de obediência, chega uma hora em que é fisicamente impossível trabalhar, porque ele já está esgotado. Alguns trabalham para mais de uma família, outros são adquiridos por alguém que tem um pouco mais de dinheiro e são alugados para fretes.

“É um animal que passa o dia encilhado, trafegando, caminhando e trabalhando em pisos de asfalto. Geralmente quando acaba o dia de serviço ele vai ficar num outro ambiente que não é o adequado”, lamentou Renato Pulz. O veterinário chamou a atenção para as consequências das más condições dos equipamentos: “um animal que passa o dia inteiro com todo aquele equipamento de contenção, inclusive na boca, então são bastante comuns lesões na região, na língua, inclusive com amputações”.

 

Fiscalização

 

Pulz chama a atenção para a inviabilidade da fiscalização, uma vez que há problemas mesmo em eventos hípicos que têm fiscalização veterinária em todas as etapas das provas. “Como é possível, no contexto que a gente vive, fazer minimamente uma fiscalização para saber se aquele animal parou a cada seis horas de trabalho para uma hora de descanso?”

Os defensores do bem-estar animal pensam que somente uma lei federal, a ser colocada em prática em no máximo dois anos, poderia desatar esse problema que se arrasta há décadas no Brasil.

Renata avalia que “precisa haver investimento de várias áreas para tirar tanto os animais quanto os seres humanos daquela situação”. A advogada também classifica o argumento de que proibir carroças é discriminatório contra as pessoas. “ É um grande equívoco, porque o que está se defendendo são condições dignas de trabalho para as pessoas”. Pulz lembra que há várias atividades com uma infinidade de regramentos de segurança que podem levar qualquer empresa a sofrer ações na justiça caso não sejam cumpridas. “Enquanto isso se fica tolerando uma outra atividade que é um alto risco”.

O Departamento de Trânsito, até a finalização desta matéria, não respondeu às perguntas enviadas por e-mail, sobre o número de carroças na cidade e medidas de fiscalização.

Cavalo ‘carroceiro’ com ferida no pescoço

 


Publicado em: Meio Ambiente






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