No início da Praia Grande, onde a Avenida Beira-Mar encontra o oceano Atlântico e o vento sopra com a autoridade de quem conhece há séculos essa terra, ergue-se uma sentinela silenciosa: o posto de salvamento construído em 1953. Popularmente conhecido como “Monumento Salva-vidas”, a estrutura de concreto armado foi inaugurada pela Prefeitura Municipal de Torres como resposta direta à necessidade crescente de garantir a segurança dos banhistas. À época, a cidade começava a se projetar como destino turístico relevante no cenário gaúcho e nacional.
Pouco tempo depois, em 1954, os primeiros salva-vidas passaram a atuar oficialmente em Torres. O posto foi, então, muito funcional. Ele representava um marco na relação da cidade com o mar, uma tentativa concreta de cuidar da vida em meio à beleza e ao perigo. Sua implantação revelou uma preocupação moderna: criar um sistema público de proteção que estivesse à altura do crescimento do turismo e da valorização do nosso litoral.
Essa preocupação está registrada com sensibilidade e clareza em um documento histórico, salvaguardado no Museu Três Torres – SAPT, assinado por Ítalo João Balen em 1967. Em um relatório detalhado e apaixonado, escrito após uma visita ao Corpo Marítimo de Salvamento do Rio de Janeiro, Balen defende, com argumentos técnicos e cívicos, a vinda de uma equipe especializada a Torres. Ele sabia que salvar vidas não era apenas um gesto heroico, mas uma tarefa que exigia preparo, estrutura e visão de futuro.
“Não basta trazer o acidentado até a praia e aí ficar à mercê da sorte”, escreve ele, reforçando a necessidade de integrar o salvamento à medicina, ao treinamento contínuo e à modernização dos métodos. Em suas palavras, “uma falha técnica no serviço de salvamento poderá resultar num acidente, sem solução e sem remédio. Para sempre.” Essas frases, mais de cinquenta anos depois, ainda soam como alerta.
Hoje, o posto de salvamento resiste, mas já não vigia com a mesma imponência. A estrutura está desgastada, seus acabamentos originais foram corroídos pela maresia e pelo descaso, e sua função se limita a um eco de um passado em que a cidade sonhava grande. O posto precisa, com urgência, de um restauro que vá além da estética: trata-se de um patrimônio funcional, histórico e afetivo da cidade.
Enquanto isso, a Praia Grande segue sendo cenário de veraneios intensos. A cada temporada, surgem as barracas montadas por famílias que ali buscam o refúgio do calor e o reencontro com as tradições. As estruturas dos postos de salva-vidas atuais, feitas de madeira e improvisos, têm o mesmo destino todos os anos: são destruídas pelos ventos fortes e pelas marés altas, como se a natureza quisesse lembrar, com força, que é ela quem determina os limites. E que, diante dela, precisamos estar preparados.
O contraste entre essas barracas temporárias e o velho posto de concreto, agora tão vulnerável quanto elas, nos faz pensar sobre permanência, sobre memória, e sobre a forma como cuidamos do que é nosso. A destruição sazonal das barracas não nos surpreende. Mas a deterioração de um equipamento público, histórico e essencial como o posto salva-vidas, deveria, sim, nos inquietar profundamente.
No relatório de 1967, Ítalo Balen sugere, com humildade e precisão, a vinda de uma equipe de treinamento composta por profissionais especializados, capazes de preparar os salva-vidas locais com o que havia de mais moderno em técnicas de resgate. Sugere também a articulação com o Hospital de Torres para garantir um atendimento médico de excelência. Ele entende que o desenvolvimento turístico da cidade, já àquela época reconhecida por suas “praias não menos belas”, precisava caminhar junto com investimentos em infraestrutura, segurança e profissionalização.
Hoje, vivemos um cenário semelhante. A cada verão, Torres recebe milhares de visitantes. A cada verão, as responsabilidades se acumulam. O posto de salvamento, símbolo dessa missão, precisa ser restaurado não apenas por sua beleza ou por seu valor histórico, mas porque continua tendo um papel fundamental: lembrar que o cuidado com a vida deve estar no centro das nossas decisões.
A edificação, que um dia foi exemplo e vanguarda, pode voltar a ser referência. Mas para isso, é preciso mais do que memória, é preciso ação. Como bem afirmou Balen, com espírito público e rara sensibilidade: “cumpre-nos sugerir as providências que a segurança impõe, para dar aos que chegam um veraneio feliz, isento de perigos”.
O posto salva-vidas da Praia Grande não é apenas um monumento: é uma metáfora viva da cidade de Torres. Está ali, enfrentando o tempo, o vento, o sal, e esperando que a comunidade, o poder público e os apaixonados por essa cidade reconheçam seu valor.
Artigo: A vigia do mar: memória e urgência do posto salva-vidas da Praia Grande
Histórias que a SAPT guarda


Publicado em:
Cultura