Vivi o ano de 1960 em brancas nuvens. Estávamos, todos, no Brasil, embalados pelos Anos Dourados do período JK: Brasília, Cinema Novo, Estradas, Automóveis, Bossa Nova, Juca Chaves, (O ano seguinte, pela “Legalidade”, me marcou mais). Tinha, então, 15 para 16 anos, terminara o ginásio no “Julinho”, havia entrado para a Escola de Cadetes de Porto Alegre – EPPA – , e me deliciava na vã ilusão de virar homem sob as vestes do uniforme do Glorioso Exército Brasileiro. O manejo de armas me acelerava a maturidade. Assistia de longe, sem compreender muito bem, a campanha presidencial que consagraria Jânio Quadros como Presidente da República, mas tudo transcorria num clima de liberdades democráticas sob o regime Constitucional de 1946.
Nunca me esquecerei de um candidato, defensor de Jânio, que corria Porto Alegre com um carrinho “Prefect” – importado (ainda não tínhamos consolidado a indústria nacional de automóveis) , todo enfeitado com vassouras. Era a reverberação da campanha da União Democrática Nacional – UDN -: “Varre, varre, vassourinha!”…Nunca havia me dado conta, porém, da importância daquele ano na escala internacional até ver, semana passada, o filme “Uma trilha sonora para um golpe”. Nem suspeitava que seria o umbral de uma revoltosa década, na qual eclodiriam o feminismo e a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, a contestação hippie que culminaria em Woodstock, a rebeldia estudantil de 1968, a crise dos mísseis em Cuba, recém assumida como socialista, projetando-se sobre toda a América Latina como promessa de redenção pelas armas.
Nem me recordava, a não ser pela vaga lembrança de ter visto imagens do Senhor Kruchev, manda chuva na União Soviética, batendo com punhos e sapatos na sua tribuna na Assembleia Geral das Nações Unidas. Fico até pensando, sem me lembrar, quem ganhou o Oscar naquele ano ou quem foram os vencedores do Nobel. E olha que já tinha lido os romances da Biblioteca Lar Feliz, da minha mãe, e visto um sem número de grandes filmes em Cinemascope.
Meti-me, então, no dito filme “Uma trilha sonora para um golpe”, dirigido pelo sueco Johan Grimonprez, candidato ao Oscar de 2025 ano como melhor documentário, mais pela curiosidade da trilha musical, que acreditava permeada pelo jazz e, talvez, rock, do que pelas conexões desta com a política da época. Que surpresa! Que rara emoção! Quanta curtição e aprendizado! Um documentário longo, exemplar e vibrante sobre tais conexões com um enlace no processo de independência dos países africanos- Congo e Lumunba em destaque – , em sua histórica luta contra o colonialismo, pouco assimilado por nós até hoje. O filme arrasa com o dito mundo ocidental, “judaico-cristão”, evidenciando-o em suas piores intenções, geralmente escondidas sob a retórica liberal-democrática. “O recorte escolhido pelo diretor, aqui, é emblemático: a ascensão e queda de Patrice Lumumba, primeiro-ministro congolês e símbolo da luta anticolonial, que se tornou alvo de uma conspiração internacional envolvendo a CIA (EUA), o MI6 (UK) e o governo belga- https://www.planocritico.com/critica-trilha-sonora-para-um-golpe-de-estado/ . Ridiculariza a Casa Real da Bélgica e demonstra, com competência o uso da Organização das Nações Unidos para propósitos coloniais sob o falso argumento da luta contra o “comunismo”. Recupera, enfim, algo perdido nos meandros da liquidação da União Soviética: Seu decisivo apoio à autodeterminação dos povos do terceiro mundo. Um filme, enfim, honesto.
A “Trilha Sonora Para Um Golpe de Estado” é um documentário que explora a interseção entre jazz e descolonização, focando em eventos históricos, como o protesto de Abbey Lincoln e Max Roach na ONU em 1961, em resposta ao assassinato de Patrice Lumumba. O filme, indicado ao Oscar 2025, oferece uma reflexão sobre as contradições de um mundo que prega liberdade enquanto sustenta a exploração brutal. É uma obra ambiciosa que combina música e geopolítica, proporcionando uma aula de história para os espectadores.
Vale a pena assistir… Não percam!