A Pontezinha e o Portão da Praia da Cal

As pessoas que visitam o Morro das Furnas e sobem sua trilha pela Praia da Cal passam, mesmo sem saber, pelos espaços onde funcionavam a olaria e os fornos de processamento e queima das conchas para a produção de cal, denominadas caieiras.

Cartão Postal de Ídio K. Feltes. Acervo: Museu Histórico de Torres
13 de novembro de 2022

As pessoas que visitam o Morro das Furnas e sobem sua trilha pela Praia da Cal passam, mesmo sem saber, pelos espaços onde funcionavam a olaria e os fornos de processamento e queima das conchas para a produção de cal, denominadas caieiras. Estes locais de trabalho situavam-se na encosta do morro, produzindo os materiais necessários para a consolidação do povoado e construção das edificações da Vila de Torres durante o século XIX. Tijolos, telhas e a argamassa (a mistura do cal com barro) eram utilizados nos casarios, igreja, sobrados e nas guarnições militares. Nestes espaços de trabalho eram recrutados prisioneiros indígenas e africanos, caboclos e seus descendentes como mão de obra escrava, assim como denunciam os relatos dos viajantes que passaram pela prematura Vila de São Domingos das Torres em meados do século XIX. Centenas de moradores e milhares de turistas desconhecem a relevância histórica dos “lugares de memórias” (expressão cunhada pelo historiador francês Pierre Nora) seja do centro urbano ou das falésias pela falta de informativo e sinalização. Os monumentos naturais são evidentes e realmente exuberantes, porém os monumentos históricos devem ser construídos no sentido de despertar a identidade e a memória social.

Vislumbrando o panorama do Morro das Furnas, as pessoas sentem-se convidadas pelo verdejante gramado e pelas escuras rochas a explorar suas nuances e sua abrupta imponência frente ao açoite do mar. No irregular e estreito caminho entre pedras e conchas trituradas, as ondas batem impiedosamente nas rochas e nos mariscos enquanto cresce aquele “friozinho na barriga” imaginando a fatídica cena de um acidente naquele turbilhão. O vigor do milenar templo basáltico, o recorte dos precipícios em contraste com a vegetação multicolorida fascina e hipnotiza os apreciadores da natureza. Antes de enfrentar a escadaria para o platô superior, o tortuoso caminho segue rumo ao encontro com o mar, entremeada por uma singela e resistente pontezinha de madeira e o “portão” escavado pelo tempo e pelo vento. Primeiramente, o protótipo da ponte era uma tábua espessa atravessada entre uma extremidade e outra. No lado do oceano, um pocinho se forma paralelo a pedra da “garoupa”. Chegando próximo da ponte há uma pequena furna em local mais alto, servindo de abrigo nos dias de chuva para os pescadores e por vezes como local de oratório e oferenda religiosa. Segundo os relatos de moradores mais antigos era um local relacionado ao trabalho nas caieiras. Mais alguns passos, o arco rochoso que desafia as leis da gravidade e resiste às intempéries climáticas, o Portão. Ao atravessar a pontezinha, as pessoas ficam a poucos metros de distância da magnífica e milenar chanfradura, que possivelmente teria sido uma imensa furna que foi atingida pela erosão da sua parte superior. No pesqueiro há um boleador de onde se avista no sopé da falésia, um recanto fascinante que tornou-se um concheiro natural pela ação das marés, conhecida como as Furnas Secas. Os moradores locais e pescadores mais experientes descem com cuidado nas Furnas Secas para recolherem algumas conchas e um punhado de mariscos da pedra com a naturalidade e segurança imposta pela tradição da cultura popular lapidando os costumes do “povo das pedras” que sabe reconhecer cada reentrância do Morro das Furnas. Em conversa com o amigo Bento Barcelos, surge a possibilidade de ter existido realmente um portão de madeira, nas proximidades da atual entrada do Parque da Guarita como referência para os viajantes e tropeiros do século XIX. Por isso, a menção ao Portão ou Portal Riograndense associado a Guarda e Registro de Torres.

Este ambiente natural foi apropriado pela cultura e pela história dos homens e mulheres que forjaram seu cotidiano e construíram suas vidas em contato direto com essas rochas, matas, areias e mar. São territórios impregnados de sentidos e valores de uma comunidade “guardiã das falésias” que tornaram-se, com o tempo da “vocação turística”, no cartão postal da cidade de Torres. No passeio dos casais apaixonados, na farta pescaria, na fotografia dos turistas ou no “pico do surf”, a ponte do Portão da Cal conecta o passado ao presente, intriga os curiosos e inspira os poetas, revelando um pouco das Torres e seus tesouros escondidos.

 




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