BENTO: Contador de histórias de Torres

Faço, aqui neste espaço, minha homenagem ao amigo Bento Barcelos (in memoriam) recontando o causo das ossadas encontradas em frente ao Farol Hotel nos anos 70....com a própria versão do Bento “contador de histórias”. (Por Roni Dalpiaz)

30 de abril de 2021

Nem me lembro quando foi a primeira vez que conversei com o Bento Barcelos, mas sempre que precisei de um resgate histórico me vali de seus conhecimentos. Nossa última conversa foi via whatsapp e o assunto foi o Riacho ou Valão, em meados de março. O que ele lembrou, me passou, e o que não sabia indicou quem soubesse. Como sempre, me ajudou muito.

Contei uma história, em uma de minhas colunas, sobre as ossadas encontradas em frente ao Farol Hotel. Esta história me foi contada pelo João Barcelos, irmão do Bento e este contou, do seu jeito, no livro Vale do Mampituba.

Faço, aqui neste espaço, minha homenagem ao amigo Bento recontando essa história com sua própria versão de “contador de histórias”.

 

“No dia 17/05/1973 a rotina dos Torrenses foi quebrada no momento em que as pás dos operários, Pedro Manoel da Rosa e Edu dos Santos Cardoso, tocaram ossadas humanas em um terreno no centro da cidade. Quando o delegado de polícia Rubem de Abreu foi comunicado do assunto, tomou a sábia decisão de convocar, pela rádio local, os velhos da cidade para elucidar o mistério e teve bons resultados.

Os operários cavavam os alicerces de um futuro centro comercial, em um terreno na rua José A. Picoral ao lado do prédio da SAPT e quase defronte ao Farol Hotel.

Entre os ossos foram encontrados dois crânios, de tamanho desiguais, e os restos de um caixão adornado com rendas e linho. Algumas hipóteses levantadas, pelos velhos na época, pareciam absurdas. Hoje não seriam tão absurdas assim em função das novas informações colhidas pela história local. Uma delas dizia que os mortos seriam prisioneiros das forças ditas legais da Revolução Federalista, ocorrida no nosso estado quando por volta de dois mil homens estiveram acampados na “vila”’. Dizia-se que, na ocasião, vários prisioneiros, desertores, soldados indisciplinados e, talvez, alguns inocentes foram degolados e enterrados na região. Vejamos o que disseram os velhos:

Manoel Alexandre Gonçalves (seu Nequinho), 73 anos e morador do centro da cidade disse que quando guri novo havia ali uma cruz que não sabia porque a chamavam de Santa Cruz. O exator aposentado Edílio Ferreira Porto, 82 anos, também morador do centro, acrescentou: A cruz foi transferida para o lado norte da igreja São Domingos das Torres, talvez, há mais de quarenta anos. Porém nunca ouviu falar que ali houvesse um cemitério. O advogado e ex-prefeito Moisés Camilo de Farias, 73, outro morador do centro, subitamente, viu-se envolvido em lembranças do passado, Era uma cruz de madeira com aproximadamente um metro e meio. Estava encravada em um degrau feito de estuque e coberta de cal, Nós crianças brincávamos em redor dela e os adultos faziam festas religiosas aos pés da Santa Cruz. Maria Batista da Silva, 82 anos, garante que os ossos são do velho Neco Rodrigues da Silva e sua esposa Cândida Ferreira Porto. “Eu conheci a cruz que ficava no pátio da casa. Quando eu era menina minha mãe dizia que ali estavam enterrados o velho Neco e a dona Cândida”. Dona Maria sempre foi amiga dos descendentes deste casal. É avó do professor, historiador e pesquisador Jaime Batista Dalloli.

A versão aceita foi a de que os cadáveres seriam dos doadores de uma sesmaria de terras para uma igreja. Neco teria doado uma quadre de légua para São Domingos das Torres que corresponde ao atual centro da cidade, aproximadamente um quilômetro quadrado. Mário Krás Borges, jornalista e pesquisador da história do município, comenta que o historiador Dante Laytano encontrou documentos da doação que teria sido feita pelo império às famílias Rodrigues da Silva e Martins. Seguindo a tradição da época, quem ganhava a sesmaria costumava doar uma parte, das terras, a algum santo. A igreja de São Domingos das Torres teria se originado assim. Na colônia de pescadores do lado esquerdo do rio Mampituba moram muitos descendentes do velho Neco Rodrigues da Silva e dona Cândida. Manoel Rodrigues da Silva, bisneto do velho Neco e que tem o mesmo nome, garante que se os crânios encontrados forem realmente de um casal, serão os ossos de sus bisa avós. Disse ele: “Quando eles doaram o terreno para o santo, pediram para serem enterrados ali. Não lembramos bem o local, porque tudo era campo aberto, mas ficava naquele morro onde é o centro da cidade”. Segundo o padre e pesquisador Raulino Reitz, no seu livro Paróquia de Sombrio de 1948, foi Manoel Rodrigues da Silva quem construiu a igreja São Domingos das Torres e o mesmo está, juntamente com sua esposa, enterrado nela. É possível que quisesse dizer: Nas terras da igreja e no lugar mais nobre delas, na mais bela das praias de São Pedro do Rio Grande.”

 

Foi assim que Bento contou uma das intrigantes histórias da nossa cidade. Vai deixar saudades.

 

Fonte: Bento Barcelos da Silva, Vale do Mampituba – história: realidade e imaginação. Arte Jorge Herrmann.




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