Diferenças entre turismo e veranismo

Lembro-me de que, antigamente, não se falava muito em turista; o que existia era a figura do veranista. Como, aqui na aldeia, muita gente confunde veranista com turista, achei interessante e didático esclarecer essa dúvida.

8 de março de 2025

Lembro-me de que, antigamente, não se falava muito em turista; o que existia era a figura do veranista. Como, aqui na aldeia, muita gente confunde veranista com turista, achei interessante e didático esclarecer essa dúvida. Embora eu tenha claro o significado de um e de outro, considero mais prudente recorrer a um autor que trabalhou muito bem essa diferença. Por isso, faço minhas as palavras de Javier Caletrío:

“Ao tentar decifrar o significado desta previsibilidade e familiaridade por meio de teorias sociais do turismo, somos levados a descartar o veraneio como uma forma de turismo ou a não conseguir compreender seu potencial emancipatório. Ao tomar como pressuposto a dicotomia entre casa e alhures (em outro lugar, outra parte, home and away), na qual a casa é associada ao familiar e o alhures à novidade e ao exótico, o familiar tende a ser compreendido como tudo aquilo que o turista deixa para trás. Em um de seus escritos mais antigos sobre o assunto, Urry (1990: 2-3) argumenta que o turismo envolve o movimento de pessoas a ‘um novo lugar ou a novos lugares’, que logradouros turísticos são locais ‘fora do comum’ e que há uma ‘clara intenção de voltar para casa’.”

Auxiliado por Caletrío, podemos dizer que veranista é a pessoa que passa o verão em um local específico (fora do lugar onde reside); no nosso caso, no litoral, mais precisamente em Torres. Essa figura já habita nosso litoral há muitos anos — ou melhor, há muitos verões e temporadas. Famílias inteiras passaram várias temporadas em Torres nas décadas passadas, e novas gerações dessas e de outras famílias perpetuam essa modalidade iniciada antes de Picoral.

Antigamente, essa prática acontecia por meio da hospedagem em quartos de hotéis (o que pode ter contribuído para a confusão entre os conceitos), do aluguel de chalés, da permanência em chalés próprios ou, ainda, em acampamentos. Hoje, a situação permanece semelhante, com a diferença de que os chalés foram substituídos por casas e/ou apartamentos próprios ou alugados, e os campings praticamente desapareceram. Ah, outra mudança substancial foi o tempo de permanência do veranista em Torres: antes, esse período era de aproximadamente dois meses; hoje, varia de algumas semanas a, no máximo, um mês. Além disso, o veranista tem vindo também fora da temporada de verão, tornando-se um “outonista”, “primaverista” e até “invernista” — se esses termos existissem!

Caletrío continua:

“Tenho, sim, a real intenção de separar o pragmatismo do TURISMO da informalidade e da degradação do VERANISMO. Na minha análise, VERANISMO seria o deslocamento para estadias em casas de VERANEIO, e VERANISTAS, as pessoas que alugam ou são proprietárias dessas casas. Concordo que não deixa de ser TURISMO, mas esse público-alvo não se renova. Contudo, os veranistas exibem uma incrível fidelidade ao lugar, mesmo após a perda de status decorrente da expansão das construções. Isso sugere que uma dinâmica mais complexa está por trás da vivência do lugar.”

 

Parafraseando Caletrío: uma pessoa que faz compras no mercado local e vai à praia não se dilui na massa impessoal que se tornou a imagem paradigmática das praias do litoral gaúcho. Pelo contrário, o passeio à beira-mar será um reencontro com amigos e conhecidos de longa data. Essa pessoa não é um turista, pelo menos não no sentido acadêmico, que pressupõe o afastamento dos ambientes conhecidos do dia a dia em busca do novo ou do exótico. Tampouco é um turista “de massa”, no sentido mais cotidiano e pejorativo, que o associa a um membro passivo de um coletivo dócil, atraído pelo famoso trio sol-praia-mar. No entanto, se esses veranistas abandonassem as praias do litoral gaúcho, muitas ficariam desertas, e a imagem tradicionalmente associada ao turismo de massa aos poucos se apagaria.

Então, salve os veranistas torrenses — pessoas que escolheram Torres como o lugar onde passarão a maioria dos verões (e outras estações) de suas vidas!

Em tempo:

Turista: qualquer pessoa que, sem distinção de etnia, sexo ou religião, ingressa em um território diferente de seu local de residência, permanecendo por um período superior a 24 horas e inferior a 12 meses, com objetivos de lazer, esporte, saúde, motivos familiares, estudos, peregrinação religiosa ou negócios.

Veranista: indivíduo que habitualmente passa o verão fora do local onde reside.

 

Fonte: Caletrío, Javier. “De veraneo en la playa”: pertencimento e o familiar no turismo de massa no Mediterrâneo. Est. Hist., Rio de Janeiro, vol. 24, nº 47, p. 119-140, jan.-jun. 2011.

 




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