DUAS VELHAS SENHORAS TORRENSES: Igreja São Domingos e Casa n°1

No próximo dia 24, a igreja completará 200 anos e, para celebrar essa data especial, compartilho um pouco de sua história através de uma entrevista imaginária entre essas antigas moradoras de Torres: a Casa N° 1 e a Igreja Matriz São Domingos.

21 de outubro de 2024

Duas velhas senhoras permanecem lado a lado há muitos anos. Uma revela sua idade sem reservas, enquanto a outra, mais discreta, prefere guardar seu segredo. Estamos falando da Igreja Matriz São Domingos e da Casa N° 1.

No próximo dia 24, a igreja completará 200 anos e, para celebrar essa data especial, compartilho um pouco de sua história através de uma entrevista imaginária entre essas antigas moradoras de Torres: a Casa N° 1 e a Igreja Matriz São Domingos.

Dessa entrevista, feita às vésperas do aniversário de 200 anos da Igreja, foram retiradas as respostas às principais perguntas a elas direcionadas. Vamos a elas.

 

Vocês sabem quem escolheu o local para a construção da igreja?

Casa N° 1: Eu já estava aqui há alguns anos quando meu primeiro morador, o alferes Manoel Ferreira Porto, comandante da guarnição local, obteve, em 1815, a licença do bispo Dom José Caetano da Silva Coutinho para construir a capela. Lembro-me bem de quando o alferes e os colonos discutiam onde erguê-la. A maioria preferia o Morro da Itapeva, mas o alferes decidiu que ela seria construída perto do Posto da Guarda, onde hoje é o Morro do Farol.

Igreja São Domingos: Eu adorei a escolha do local. Fico no flanco oeste Da torre norte (Morro do Farol), de frente para a lagoa, com uma vista magnífica da serra. Realmente, uma posição privilegiada!

 

E como foi o processo de construção da igreja?

Casa N° 1: Como já tenho uma certa idade e esqueço as coisas, recorro às lembranças de um viajante francês que passou por aqui em 1820. Ele descreveu que a construção da igreja estava apenas no início, com a estrutura de madeira erguida. Na mesma época, um forte também estava sendo finalizado na Torre Norte. A capela, única entre Laguna e Osório, foi construída com a ajuda de presidiários e moradores locais. Quando foi inaugurada, Torres tinha cerca de 400 habitantes, e a construção impulsionou o desenvolvimento urbano.

Igreja São Domingos: Nasci oficialmente em 24 de outubro de 1824. Fui elevada a capela curada em 1826 e, em 1837, me tornei freguesia. Foi nesse período que vi as casas se multiplicarem ao meu redor, especialmente na praça e nas ruas próximas à lagoa. O início da urbanização foi algo que observei bem de perto.

 

A igreja é muito bonita. Qual é o estilo arquitetônico dela?

Casa N° 1: A igreja, além de ser mais jovem que eu, sempre foi mais bonita. A despeito disso, temos até um certo “parentesco”, pois também carrego em minha edificação características da arquitetura tradicional luso-brasileira. Mas, como eu falava, o estilo da igreja é barroco tardio simplificado, muito gracioso. E o seu charme sempre foi a única torre, adicionada em 1898 pelo padre Lomônaco.

Igreja São Domingos: De fato, sou um belo exemplar da arquitetura colonial luso-brasileira. Fui construída com pedras e tijolos, e minha nave única é acompanhada por uma fachada elegante, com frontão curvo, pináculos e um óculo central. Acima da entrada principal, há três janelas alinhadas no mezanino, o que dá uma simetria encantadora ao meu design.

Casa N° 1: E, por dentro, ela é ainda mais vibrante! As grandes janelas ogivais permitem que a luz ilumine o piso de ladrilhos geométricos, enquanto os bancos rústicos dão um toque acolhedor. Próximo à capela-mor, há dois altares laterais com imagens do Sagrado Coração de Jesus e da Virgem Maria. Na capela-mor, há estátuas de São Pedro, São Francisco de Assis e Santo Antônio. O altar-mor é simples, mas muito expressivo, com um crucifixo emoldurado por um frontão minimalista.

Igreja São Domingos: Ah, não esqueça da imagem de São Domingos, doada pelo imperador Dom Pedro I durante sua passagem por Torres. É uma peça histórica de grande valor.

 

Quem foi o pároco mais marcante nesses 200 anos?

Casa N° 1: Vi muitos párocos passarem por aqui desde que a paróquia foi criada, em 1837. O primeiro foi o padre Antônio José Borges de Santana, que assumiu em 1842. Mas o mais marcante, sem dúvida, foi o padre italiano Giuseppe Lomônaco, que chegou a Torres em 1894.

Igreja São Domingos: Ele é uma figura essencial na minha história. Construiu minha torre e serviu como vigário por mais de 25 anos. Além disso, foi vereador entre 1922 e 1925. Quando faleceu, aos 90 anos, foi enterrado no cemitério do Morro do Farol. Após o desativamento do cemitério, seus restos mortais foram trazidos para descansar na torre que ele mesmo construiu.

 

Me contem sobre as reformas e restaurações pelas quais a igreja passou.

Casa N° 1: Ao longo dos anos, vi minha vizinha passar por várias reformas. Em 1857/58, trocaram o madeiramento das telhas e do altar-mor. Também ampliaram a igreja, escavando o morro para expandir a parte traseira.

Igreja São Domingos: Lembro-me bem dessa época. O capelão era o padre Manoel Carlos Ayres Carvalho. E, claro, muitas outras reformas vieram depois.

Casa N° 1: Em 1906, instalaram o sino, que veio da Alemanha. Seis anos depois, o padre Pedro Wagner substituiu a primeira imagem de São Domingos por uma nova, utilizando a antiga apenas em procissões.

Igreja São Domingos: Em 1928, meu forro foi rebaixado, e reforçaram minhas paredes laterais com vigas. A restauração mais completa aconteceu em 2017, quando fui totalmente revitalizada. Minhas estruturas de pedra e barro foram estabilizadas, os forros e pisos foram trocados por madeira de alta densidade, e o adro foi restaurado com blocos de arenito. Também modernizaram minhas instalações hidráulicas, elétricas e de segurança, além de adaptar minha estrutura para acessibilidade. Desde então, estou pronta para celebrar meus 200 anos.

Casa N° 1: Sim, você ficou novinha e pronta para comemorar seus 200 anos.

 

E o futuro?

Igreja São Domingos: Depois da minha restauração, estou preparada para enfrentar os próximos duzentos anos, ou mais, quem sabe!

Casa N° 1: Já eu, infelizmente, não tive a mesma sorte. Diferente da igreja, meu tombamento ainda não ocorreu, e estou abandonada, definhando. Mesmo assim, vou comemorar com ela e, quem sabe, durante as suas celebrações, alguém olhe para mim e me dê o valor que mereço. Espero que isso não demore, e que eu possa, junto com ela, enfrentar os próximos duzentos anos.

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Essa conversa entre as duas velhas senhoras de Torres revela a rica história que ambas compartilham com a cidade. Esperamos que a Igreja Matriz São Domingos continue a testemunhar a passagem dos séculos com seu esplendor restaurado, e que a Casa N° 1, sua velha companheira, encontre um destino de valorização. Quem sabe, juntas, as duas senhoras possam continuar a contar suas histórias para muitas gerações, lembrando a todos do valor da memória e da preservação histórica.

 

Cronologia:

  • Inauguração: 24/10/1824.
  • Capela oficialmente provida: 13/03/1826.
  • Elevada de capela filial à capela matriz: 20/12/1837.
  • Primeiro capelão: Frei Serrano (espanhol).
  • Biênio 1857/58: Primeira reforma considerável.
  • 1898: Edificação da torre.
  • 1906: Instalação do sino vindo da Alemanha.
  • 1912: Substituição da imagem de São Domingos pelo padre Pedro Wagner.
  • 1925: Doação das estátuas dos corações de Jesus e Maria.
  • 1928: Rebaixamento do forro e reforço das paredes laterais.
  • 1936: Recolocação da bola no topo da torre.
  • 1983: Tombamento estadual.
  • 2004: Projeto arquitetônico de restauro elaborado.
  • 2017: Conclusão da restauração.

 

Casa N° 1: Bicentenária residência, ao lado da Igreja São Domingos (FOTO de Arquivo)

 

Fontes: Torres tem história, de Ruy Ruben Ruschel; Viagem ao Rio Grande do Sul (1820-1821), de Auguste de Saint-Hilaire; Formação administrativa e alterações toponímicas da cidade de Torres – IBGE Cidades; Arquivos IPHAE.




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