Dando continuidade na ideia de unir turismo e história torrense, vou falar de um local que faz parte da história daqui desde muito antes do povoamento e que não pode ficar de fora: a Lagoa do Violão.
A Lagoa do Violão, segundo Ruy Ruben Ruschel em seu livro Torres tem história, pode ter se formado a partir do represamento das águas interiores durante a formação das restingas litorâneas. É possível que seja um fragmento do próprio rio Mampituba, que, em tempos passados, desaguava no mar pela Praia da Cal ou talvez pela Torre Sul.
Já em 1820, nos primeiros registros escritos sobre Torres, fazia-se referência à pequena Lagoa da Vila ou Lagoa das Torres. Auguste de Saint-Hilaire, em Viagem ao Rio Grande do Sul, descreveu-a assim:
“Quase ao pé do monte estende-se, paralelamente ao mar, um lago de águas tranquilas e cercadas de altas ciperáceas; do outro lado, crescem matas em terreno plano. À direita veem-se ainda areais puros e, por fim, o horizonte, limitado pela grande cordilheira, cujo cimo forma um imenso planalto.”
Essa descrição data de sua passagem por Torres, em 4 de junho de 1820, e revela a importância da lagoa como parte ativa da chamada “Torres Antiga”.
Jean-Baptiste Debret também a retratou durante sua estadia no Brasil, entre 1816 e 1831. Em uma de suas obras, apresenta uma cena bucólica com poucas casas, a Igreja de São Domingos (indicando que a pintura foi feita entre 1824 e 1831), a casa do alferes no alto do morro e, abaixo, em azul claro, a Lagoa da Vila — cercada por vegetação exuberante que contrasta com o azul-violeta dos morros da Serra Geral.
Até então chamada de Lagoa das Torres, esse nome perdurou por muito tempo. Há cerca de 50 anos, seu entorno era composto apenas por banhados, nuvens de mosquitos (ainda presentes), alguns jacarés-do-papo-amarelo e vegetação nativa. Era a década de 1970, e a cidade crescia em direção ao mar e ao rio Mampituba. Esse recanto permanecia quase intocado — a ação humana ainda não havia modificado sua paisagem bucólica.
Por volta de 1940, os banhados próximos à Guarita foram drenados pelo Serviço Nacional da Malária, alterando o aspecto original da lagoa. Posteriormente, o DNOS (Departamento Nacional de Obras de Saneamento), sob coordenação do engenheiro Maia Filho, realizou obras de saneamento ao redor da lagoa, que então recebeu o contorno que lembra um violão — forma que viria a batizar oficialmente a Lagoa do Violão.
Desde então, a lagoa passou por diversas intervenções tanto do poder público quanto dos moradores. Aproximou-se ainda mais da vida urbana com a construção da rua que a contorna: de um lado, calçamento em pedra; do outro, asfalto. Ganhou ponte de concreto, paisagismo, calçadas, ciclovia, iluminação para passeios noturnos, pedalinhos, caiaques e outras modalidades aquáticas. Hoje, está cercada por restaurantes, padarias e comércios diversos — um cenário inesperado para muitos dos antigos moradores, que há menos de 80 anos ainda pescavam ali seu almoço.

Atualmente, a Lagoa do Violão se transformou em um complemento de peso ao principal atrativo turístico da cidade. Embora já seja um destino por si só, ainda carece de melhorias. Parece que, apesar de sua beleza, ela não foi plenamente adotada por moradores e turistas. Existem poucos espaços confortáveis para apreciar seus reflexos ao pôr do sol ou simplesmente sentar-se em um dia ensolarado.
Resgatando a lenda de Ocarapoti
Para fortalecer esse vínculo entre a lagoa, a população e os visitantes, nada melhor do que resgatar uma antiga lenda sobre sua origem:
“Diz a lenda que um loiro marinheiro português naufragou na costa torrense e se salvou boiando com o auxílio de seu violão. Ocarapoti (Flor Campestre), índia filha do cacique, o resgatou e o levou para viver entre os carijós. Apaixonou-se pelo português violeiro, que passou a ser chamado de Puiara (Dono do Som), e passou a viver com ele. No entanto, os costumes da tribo previam o sacrifício e o consumo do violeiro em uma cerimônia ritualística, na crença de que assim absorveriam sua musicalidade. Após a cerimônia, Ocarapoti chorou tanto a perda de seu amado que suas lágrimas preencheram uma depressão no solo, formando a lagoa.”
Hoje, a figura de Ocarapoti é lembrada na estátua que repousa na margem sudeste da lagoa, na Praça dos Escoteiros — um tanto malcuidada, como tantas outras da cidade, mas ainda em pé. Ela poderia estar acompanhada de uma placa ilustrativa que contasse um pouco da história da Lagoa e da lenda.
Assim como a estátua de Ocarapoti desperta a curiosidade de quem passa, outros espaços poderiam receber monumentos inspirados no imaginário popular torrense, promovendo a cultura local e enriquecendo o turismo.
Fontes:
- RUSCHEL, Ruy Ruben. Torres tem história. Porto Alegre: EST, 2004.
- SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul. Coleção O Brasil visto por estrangeiros. Brasília: Editora do Senado, 2002.
- Obras de Jean-Baptiste Debret.