Às vésperas de completar 80 anos… eis que nasci no Rio de Janeiro, mais especificamente na Vila Militar, no Realengo, em 1944, sou duplamente contemporâneo da II Guerra Mundial: Vim ao mundo no auge do embate final entre as forças do Eixo – Alemanha, Itália e Japão – e as Forças Aliadas, concentradas nos exércitos da Inglaterra, Estados Unidos e União Soviética, engrossadas por batalhões de vários outros países, inclusive o Brasil. Viva a FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA – FEB – que honrou o pavilhão nacional na luta contra o nazifascismo; de outra parte, assisti isso tudo sob um teto militar, cujo pai estava, sempre, na iminência de ser convocado. Contava minha mãe, inclusive, que me levou nos braços para assistir o retorno dos pracinhas na grande festa popular que enfeitou a capital da República, celebrando a paz. Acho que gravei isso no meu inconsciente.
Mais tarde, jovem adolescente em Porto Alegre, assisti inúmeros filmes cujo enredo, romântico, musical ou de ação, referidos aos fatos da Guerra. Um deles, “Melodia Imortal”, que contava a história da banda de Henri Muller, morto em acidente de avião no teatro das operações, entretenimento que procurava aliviar os combatentes nos seus raros momentos de repouso, marcou meu ingresso no mundo adulto. Foi a primeira vez que me dei conta que os “bang-bangs” que tanto me entretiam nas matinês de domingo, se atualizavam no século XX como uma luta pela liberdade, não contra selvagens, mas contra extremistas de direita.
Por que lembro isso hoje?
Sempre digo que aos mais velhos competia a tarefa de transmitir a cultura nas sociedades sem escrita. Eram o repositório da memória coletiva. Depois da escrita, era comum os antigos se referirem às letras como língua dos mortos. Tento recuperar essa tradição, apesar da montanha de informações e imagens que hoje pontuam a nossa vida, sobretudo dos mais jovens. Mas não se trata apenas de contar “causos”, mas também de transmitir o sentido destes acontecimentos quando ocorreram. Hoje em dia, tempo de pós verdade, é comum disseminarem-se nas Redes opiniões variadas das mais distintas inspirações, nem sempre lastreadas pela formação que qualificava: na Idade Média, o púlpito, e na Modernidade, a Opinião Pública gestada nos Meios de Comunicação de Massa. Agora, substituímos o “vale-o-escrito”, da fé e dos filtros científicos, pelo vale-tudo das narrativas manipuladas sabe-se lá onde. Um bom roteiro para quem desejar conhecer estes nebulosos meandros é o livro “Os Engenheiros do Caos”, de dois jornalistas italianos. Outros, mais acadêmicos completam a lista. Em outra oportunidade os listo aqui.
O sentido geral da II Guerra Mundial (1939-1945) foi a luta pela conquista de mercados para a afirmação de potências emergentes, como Alemanha, Itália e Japão numa economia já global que estava sob controle de potências coloniais, às quais se associara os Estados Unidos sob nova roupagem no final do século XIX. Sem espaços para uma afirmação concorrencial adequada, mourejando, aqui e ali, nas frustrações destas tentativas e acumulando tensões internas, principalmente depois do colapso provocado pela crise de 1929, estes países acabaram voltando-se para fórmulas autoritárias para vencer a crise. Afirmaram-se internamente com modelos totalitários e atacaram as potências coloniais da forma mais brutal que se poderia imaginar, alimentando uma forte crítica às suas instituições liberais e acabando por atacar, por razões estratégicas também, a União Soviética. A Itália de Mussolini inspirou Hitler, a partir de 1922, levando-o a ocupar sucessivamente, a Áustria, os Sudetos e Dantzig, na Polônia, em 1939, data do início da II Guerra e a URSS em 1941 e, de certa forma, articularam-se com o Japão que iniciava sua ofensiva sobre a China na mesma década. Em pouco tempo, o mundo convulsionava. No rastro da guerra, mais de 50 milhões de mortos, mas uma esperança de haver derrotado o nazifascismo numa aliança civilizatória em defesa da paz por liberais e comunistas. Durou pouco esta ilusão. Em 1947, depois da derrota dos países do Eixo, inclusive Japão, recrudesceria a disputa, não mais entre democratas x nazifascistas, mas sob o invólucro da Guerra Fria: “Ocidente x Oriente”.
O “D”, em 6 de junho de 44 foi decisivo neste processo, resultado de uma exigência da URSS para o fechamento da PINÇA sobre os alemães. Abriu-se, com imensas perdas humanas numa mobilização de cerca de 2 milhões de militares que atravessaram o Oceano e desembarcaram na Normandia, na França. Era a ofensiva ocidental. Começava o fim da guerra na Europa, afinal conquistada 11 meses depois. O Japão resistiria mais tempo mas entregou-se aos americanos depois de sofrer dois ataques de bomba atômica no agosto de 1945.
A extrema direita estava derrotada. Mas seu espectro fantasmagórico continuaria assombrando a humanidade. O nazifascismo nunca morre. Aí está de novo, com novos protagonistas. Resta saber, agora, quem defenderá a democracia…