OPINIÃO – O OCIDENTE POR UM FIO

"Ultimamente se tem falado muito sobre a crise do Ocidente, quase sempre traduzido como uma área do globo terrestre influenciada pela cultura judaico-cristã. Mas poucos se detêm a perguntar o que é este tal de Ocidente e em que consiste essa tal cultura judaico-cristã."

10 de março de 2025

Ultimamente se tem falado muito sobre a crise do Ocidente, quase sempre traduzido como uma área do globo terrestre influenciada pela cultura judaico-cristã. Mas poucos se detêm a perguntar o que é este tal de Ocidente e em que consiste essa tal cultura judaico-cristã. A tarefa do filósofo é a de trazer estes assuntos à borda do tempo,  submetendo-os à crítica da razão. É de um brasileiro, aliás, Roberto Gomes,  autor de “A razão tupiniquim”, a melhor definição que já encontrei sobre a Filosofia: “ E´ uma razão que se expressa”. Pronto.  O que seriam, pois, estes conceitos: Ocidente e cultura judaico cristã?

Comecemos pelo fim: Existe realmente um cultura judaico-cristã? E será ela o fundamento da civilização ocidental?

A base desta ideia é o fato de que judeus e cristãos têm por base de suas crenças na Bíblia como livro sagrado que prega a existência de um só Deus, onipotente, misericordioso e criador de tudo o que há no mundo: O arquiteto do Universo.  Os cristão, entretanto, mesmo tendo suas origens no judaísmo, dele se separaram. Isto graças, sobretudo, à visão de São Paulo, que pregou a ideia de que a “Boa Nova” de Cristo, com o advento do Perdão (que do amor é feito constante no Novo Testamento),  não era exclusiva dos judeus, mas de toda a humanidade. A Era Cristã, portanto, tão celebrada no Ocidente, nada tem de judaica. Judeus, aliás, depois da destruição romana de seu Templo, foram caçados e perseguidos, acentuando-se este processo depois da cristianização do Império Romano, embora aqui e acolá fossem tolerados.

O Ocidente, por sua vez, é sempre indicado, como na obra de Bertrand Russel, na sua “História do Pensamento Ocidental”, como o mundo das ideias geradas na Antiga Grécia, as quais mesclaram-se com a fé cristã herdada de Roma  animando as civilizações subsequentes na Europa, tanto ocidental, como oriental. Das projeções coloniais destes Estados o “Ocidente” ganhou foro universal, pretendendo-se, por soberba e inclinação etnocêntrica, exclusivo foco civilizatório. Já os antigos gregos chamavam todos os povos que não comungavam do ideal helênico, bárbaros. Aos poucos estes bárbaros da Europa foram sendo incorporados à cultura ocidental e, inconscientemente, denominando a todos os povos do resto mundo como “incivilizados”, os quais deveriam ser convertidos ao credo colonizador.

Na verdade, há três blocos civilizatórios na história da humanidade: O mais antigo, não é nem ocidental, nem oriental. É o africano, onde emergiu o homo sapiens que povoará os quatro cantos do mundo, custando a expressar-se como Filosofia, mas nem por isso, desprezível. Os outros dois,  o Oriental, com epicentro na China, consubstanciando-se, no século VI AC  num conjunto de regras morais atribuídas principalmente a Confúcio; o Ocidental, como vimos, consubstancia-se na Grécia no século IV AC, tendo como origem o vago conceito de indo-europeu. Não por acaso, esta cultura impregna-se fortemente de preceitos religiosos, típicos de sua origem na Índia. O que denominamos, hoje, de Oriente Médio, com forte influência muçulmana é um fenômeno relativamente recente, resultado da expansão árabe no século VII DC.

Pois bem, este Ocidente greco-romano-europeu não ficou estático. Tem se desdobrado em vários devires, um dos quais a Europa Oriental , hegemonizada pela Rússia desde o século XIX. A Rússia, aliás, não é uma Nação muito antiga. Esteve ocupada até o século XIV pelos mongóis, que tinham em Kiev um entreposto fiscal, simultânea à ocupação viking pelo norte. Com a criação da URSS no século XX e sua forte projeção depois da II Guerra esta divisão tornou-se até crítica.  Os europeus  ocidentais passaram a olhar  os russos com desdém e até discriminação, chamando-os “negros do gelo’. Aliás, chamam, até hoje, os árabes de “negros da areia” e não pouparam os africanos do tráfico negreiro que alimentou seus negócios por mais de três séculos. Os americanos do norte herdaram essa cultura e sob a égide religiosa do “Destino Manifesto”,  se autoproclamaram no século XX , Senhores da Civilização. Tudo muito místico.

Hoje este Círculo Ocidental que girou em torno do Oceano Atlântico está por um triz. O processo civilizatório se expandiu por todos os continentes, com epicentro no reerguimento da China e colocou em cheque a hegemonia do eixo Europa Ocidental-Estados Unidos. Durante um tempo, os ocidentais acreditaram poder dominar o processo de globalização redefinindo sua escala de produção sobre países periféricos. Acreditavam poder manter hegemonia tecnológica, comercial e militar neste processo. Perderam-se e se encontram virtualmente num pequeno círculo de países, cada vez mais desarticulado. Já haviam se desencontrado com a América Latina.  Agora chegou a vez do desencontro com a Europa e já são visíveis as contrariedades com o Canadá. A África subsaariana já está fora do alcance americano há muito tempo. Tudo, enfim, está se desarticulando. Aos poucos vamos reconhecendo que não há um único polo civilizador. Mas diversos. A isso corresponde a luta pelo reconhecimento atual, aliás já percebido pelo Presidente Trump, da multipolaridade econômica e geopolítica. Oxalá, ocorra sem mais guerras….




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