OPINIÃO – Risco Trump: terraplanismo em marcha a serviço do autoritarismo

Penso que já não vivemos na era da informação, como se dizia há algum tempo. Agora, as narrativas se impõem sobre a informação, a opinião pessoal sobre a verdade científica, as Redes Sociais sobre os tradicionais Meios de Comunicação de Massa.

19 de janeiro de 2024

Estudiosos estão propondo que teríamos entrado nos últimos anos na Era do Antropoceno. O antropoceno se caracteriza principalmente por três fatores: o progresso tecnológico, que se acelerou após a Primeira Revolução Industrial, o crescimento explosivo da população graças às melhores condições de alimentação, saúde, higiene e à multiplicação da produção e do consumo. A aceitar esta proposição, sugiro que se inclua entre estas características a disseminação da Mentira. Penso que já não vivemos na era da informação, como se dizia há algum tempo. Agora, as narrativas se impõem sobre a informação, a opinião pessoal sobre a verdade científica, as Redes Sociais sobre os tradicionais Meios de Comunicação de Massa.

A Grande Mentira, de tanto ser repetida, ad nauseam, acaba se transformando em cartilha da verdade. Enquanto, porém, esta “novilíngua”, assim denominada por G.Orwel, estava confinada aos milhões de seguidores de jovens “influencers”, totalmente desprovidos de qualquer qualificação para comentarem questões complexas da vida cotidiana, que vão de práticas de higiene pessoal até o déficit público, o fenômeno não ameaçava o funcionamento da vida pública. Houve um momento, porém, quando a possibilidade de construir narrativas a serviço de interesses políticos instaurou-se em várias partes do mundo, tudo começou a mudar. Das narrativas às seitas ideológicas foi um pequeno passo. A Política deixou de ser um âmbito de avaliação de políticos tradicionais e seus assessores no desenho de possíveis históricos e passou a ser o resultado do cálculo de matemáticos e engenheiros a serviço de novos agentes, que pousam como cavaleiros húngaros do salvacionismo. Odoricos Paraguaçus reciclados. A consequência tem sido um enfraquecimento da democracia no mundo inteiro. Vários autores têm se dedicado a este assunto, com livros como “Os engenheiros do caos”, “O descontentamento da Democracia”, “O Declínio do Homem Público”, “Biografia do Abismo” e tantos outros, cujas premissas foram precocemente percebidas pelo psicanalista Eduardo Mascarenhas (1942-97) no seu “Psicanálise do Pensamento Neoconservador”, publicado, paradoxalmente, pela Biblioteca do Exército, em 1995. Isso porque a virada da informação à opinião acabou fortalecendo uma visão ultraconservadora do mundo, voltada à tentativa de reconstruir um passado mítico romantizado, onde se encontrou com a emergência de correntes religiosas conservadoras, igualmente críticas às expressões da modernidade. Daí o terraplanismo… Partem sempre do princípio de que “tudo está errado”, “O Brasil não deu certo”, e outras proféticas condenações ao establishment, sempre na tentativa de afirmar o “novo”, capaz de dialogar diretamente com “o povo” em nome da Liberdade, sem mediação nem de instituições públicas, nem da Ciência, nem do Estado. Não por acaso surgem figuras como Donald Trump, Bolsonaro e Milei, este, inclusive, prometendo reconduzir a Argentina ao século XIX…(!). Em todos eles, a percepção de uma suposta  crise civilizatória não se reflete em aspectos objetivos como alternância de poder com novas propostas, mas no clamor messiânico da “salvação”.

De todos os neoconservadores emergentes, porém, o que mais assusta é Donald Trump, sobretudo pela possibilidade real de voltar à Casa Branca, não mais como neófito, agarrado ao Poder, mas como um experiente meliante manipulador de opiniões. Um consagrado autor, Felipe Rampante, chega a afirmar que Trump é o maior risco deste ano que entra. Risco assustador que se desdobrará, certamente, sobre o Brasil, em função de sua afinidade com a extrema direita do país. Risco à democracia, que o Governo da Lei, não dos Homens, expressão, aliás, muito difundida pelos maragatos no velho tempo das guerras intestinas do Rio Grande.




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