Desde o primeiro dia da volta de Donald Trump ao Governo dos Estados Unidos, as autoridades brasileiras estão de sobreaviso quanto à eventuais investidas do Governo americano contra o Brasil. O destempero, para dizer o mínimo, de Trump é por demais conhecido. Já sobretaxou nosso aço. Mas ultimamente está surpreendendo os mais avisados. Na semana em curso estarreceu o mundo civilizado com um vídeo confeccionado com inteligência artificial sobre o futuro Resort Trump Gaza, nesta faixa onde se trava uma tragédia que já ceifou quase 50 mil almas, principalmente mulheres e crianças. Alheio a este sofrimento e de olho em eventuais negócios imobiliários de sua família, cuja fortuna cresceu em 30 dias US 400 milhões, dizendo que irá tomar (roubar!) esta região, Trump compartilhou esta produção de mau gosto em suas redes. Um verdadeiro horror ético, político e comercial. Já avisou que vai tomar a Groenlândia, que faz parte de Dinamarca, país da União Europeia, e quer retomar o Canal do Panamá. Não é impossível que, mais dia, menos dia, diga que irá tomar para os Estados Unidos a Amazônia, alegando que ela é vital para a humanidade e que o Brasil não está cuidando devidamente dela. Assim sendo, espera-se, em Brasília, dardos e flexas envenenadas, colocando em risco uma relação histórica do Brasil com Estados Unidos.
Desde a Proclamação da República, em 1889, sob o condão do Barão do Rio Branco, o Brasil, para espanto dos velhos aristocratas do Império, como Paulo Prado, autor de “A Ilusão Americana”, guiou-se pelo modelo constitucional e até mesmo cultural do Grande Irmão do Norte, acarretando isso, aliás, contestações de setores da vida pública do país, os quais asseveram sermos uma experiência social distinta. Um grande brasilianista, Richard Morse (1922/2001(, até escreveu um livro – “O espelho de Próspero” – , evidenciando as diferenças da matriz cultural do Brasil, latina, e dos Estados Unidos, anglo-saxônica, chegando a afirmando a impossibilidade do diálogo entre eles. Apesar disso, os Estados Unidos não só se ofereceram como um modelo a ser seguido pelos republicanos brasileiros, alinhando-se, inclusive, com as Forças Aliados na luta contra o nazismo na II Guerra Mundial, como mantendo sólidos laços com o governo americano. Houve, no passado, momentos de tensão, sob o clima da Guerra Fria, nos Governos Vargas e João Goulart e que levaram os americanos a intervirem no curso da nosso vida política, como o fizeram em várias partes do mundo. Mas, no geral, subsistiu um clima de cordialidade em nossas relações diplomáticas.
Nesta semana, porém, sobreveio o petardo, lançado pelo Departamento de Estado. Absorvendo um contencioso entre as Big Techs, principalmente a “X”, de Musk e uma tal Rumble, ligada, também a Trump e o Supremo Tribunal Federal, o Governo Americano admoestou severamente o Brasil por práticas anti-democráticas. Ora, logo “este” governo de Trump, notoriamente autoritário, pontilhado em sua Administração com bilionários dispostos a impor sua própria visão aos destinos do mundo, a pondo de ser visto como o maior risco à democracia ocidental. Na nota denuncia o Brasil por “bloquear acesso à informação” ou impor multas a empresas dos EUA, prática “incompatível com liberdade de expressão”.
O Itamaraty, órgão correspondente ao Departamento de Estado nos EUA, respondeu com firmeza, numa linguagem até excepcional para a Casa de Rio Branco.
Leia a íntegra da nota do Itamaraty
“O governo brasileiro recebe, com surpresa, a manifestação veiculada hoje pelo Departamento de Estado norte-americano a respeito de ação judicial movida por empresas privadas daquele país para eximirem-se do cumprimento de decisões da Suprema Corte brasileira.
O governo brasileiro rejeita, com firmeza, qualquer tentativa de politizar decisões judiciais e ressalta a importância do respeito ao princípio republicano da independência dos poderes, contemplado na Constituição Federal brasileira de 1988.
A manifestação do Departamento de Estado distorce o sentido das decisões do Supremo Tribunal Federal, cujos efeitos destinam-se a assegurar a aplicação, no território nacional, da legislação brasileira pertinente, inclusive a exigência da constituição de representantes legais a todas as empresas que atuam no Brasil.
A liberdade de expressão, direito fundamental consagrado no sistema jurídico brasileiro, deve ser exercida, no Brasil, em consonância com os demais preceitos legais vigentes, sobretudo os de natureza criminal. O Estado brasileiro e suas instituições republicanas foram alvo de uma orquestração antidemocrática baseada na desinformação em massa, divulgada em mídias sociais. Os fatos envolvendo a tentativa de golpe contra a soberania popular, após as eleições presidenciais de 2022, são objeto de ação em curso no Poder Judiciário brasileiro.”