Recebi, esta semana, uma mensagem pelo WhatsApp de um leitor das minhas colunas chamado Jeferson. Ele me pediu para escrever sobre um tema que considera muito relevante no contexto que costumo abordar: a história de Torres. O tema é a “Canalização do Valão/Riacho”, uma obra grandiosa à época, fundamental para a drenagem de uma região frequentemente alagada da cidade. Jeferson mencionou que seu avô, Salvador Melo, lhe contava histórias sobre sua participação na construção dessa obra e de outra também importante: o edifício da antiga SAPT, no centro da cidade. Essas memórias compartilhadas, tanto por Jeferson quanto por seu avô, mantêm viva a história da cidade, mesmo diante da modificação de bens materiais que observamos continuamente em nossos tempos.
A recente canalização do último trecho do Riacho de Torres me levou a refletir sobre esse tipo de projeto. Fiz, inclusive, uma comparação entre duas cidades que enfrentaram problemas semelhantes e as soluções adotadas por cada uma. A primeira é Zaandam, nos Países Baixos; a segunda, Torres, nossa conhecida.
Ambas são pequenas cidades com um riacho de águas “ligeiramente” poluídas. Zaandam transformou seu riacho em uma parte ativa do espaço urbano, com passarelas, floreiras, passeios de barco e, principalmente, um longo calçadão que prioriza os pedestres. Em Torres, o projeto – tanto na concepção quanto na execução – prioriza os carros. As árvores que antes existiam foram quase todas removidas, sendo substituídas provavelmente por coqueiros ou outras espécies não nativas. Pelo que se vê, virá o asfalto, talvez algum canteiro de grama, e, com sorte, alguns bancos. Esta comparação foi feita apenas para mostrar a diferença das prioridades, não para as diferenças econômicas entre uma cidade da América do Sul e outra da Europa, mas pretendo falar mais sobre Zaandam e região em uma outra coluna.
Fiz essa longa introdução para dizer ao leitor Jeferson que, sim, já havia escrito sobre o Riacho e a primeira canalização. Aqui está, boa leitura!

UM RIACHO CHAMADO VALÃO
Antigamente, ao ouvir a palavra “Valão”, a única coisa que me vinha à mente era: fedor. Até hoje, confesso, é difícil pensar de outra forma.
Minha irmã mora às margens do “Valão”, próximo ao encontro deste com o rio Mampituba. Por esse motivo, ela tem um grande apreço por ambos. Não raro, envia-me fotos de famílias de capivaras em frente à sua casa.
Sempre achei que morar ali, perto do “Valão”, seria inconveniente: sujeira, odores, insetos e até animais peçonhentos completavam, em minha visão, o pacote desagradável. Mas, pensando bem, isso não deveria ser assim. Quando, afinal, este curso d’água foi esquecido pelas administrações municipais? Quando deixou de ser um riacho para se transformar em “Valão”?
Fui pesquisar. Consultei livros antigos, principalmente o de Ruschel, e falei com amigos como Bento Barcelos, que me indicou outras fontes. Conversei com minha colega Josi Farias, que recolheu informações no grupo Fotos Antigas de Torres, e com Sandra Perrenoud, que conhecia histórias do D.N.O.S., onde seu falecido marido trabalhou. Essas pesquisas resultaram no que compartilho a seguir.
Chamar um riacho de “Valão” soa pejorativo, ainda que sem intenção. O tempo transformou o curso d’água em algo associado ao descaso. Contudo, sua história é antiga e remonta a décadas. Segundo Ruschel, exceto pela parte alta da cidade e pelas praias, quase toda a área de Torres era um banhado, inclusive a lagoa do Violão. As margens dessa lagoa fundiam-se com os banhados, tornando difícil delimitar onde terminava um e começava o outro. Em meio a essa paisagem, existia um curso d’água que só ganhou contornos definidos por volta de 1943.
Na década de 1940, abriu-se, “na pá”, o canal que daria origem ao atual “Valão”. Nos anos 1960, durante a gestão do prefeito Antônio Almeida, a canalização foi concluída. A obra, que inicialmente visava regular a vazão da lagoa, acabou servindo também como destino para esgotos clandestinos.
Ao longo dos anos, o canal foi negligenciado: esgotos despejados, entulhos jogados e até árvores crescendo em seu leito. Ainda assim, o “Valão”, às vezes grita da forma que consegue. Transbordando ou desbarrancando, ele chama a atenção das autoridades e dos moradores: Olha eu estou aqui, não vão me ajudar?
Assim eu terminava o texto dando sugestões de providências que, enfim, foram tomadas. Infelizmente, novamente priorizaram os carros. Não seguiram o próprio exemplo executado na orla do Mampituba, onde o caminho menor é dos carros e o prioritário – e maior – é do pedestre. Por que não transformar o trecho do Riacho em uma nova atração turística, com áreas verdes, bancos, iluminação e espaços de convivência?
Que tal uma Orla do Riacho, conectando esta parte do Riacho com o Rio Mampituba? É uma visão que poderia trazer benefícios não apenas para o turismo, mas para os moradores e a preservação ambiental.