RELEMBRANDO CARNAVAIS “DAS ANTIGAS” EM TORRES

As atuais festas de Carnaval são basicamente nas ruas da cidade... Na minha época de folião aqui na cidade, os carnavais eram basicamente de salão (sei que existia carnaval antes disso, mas o meu foco é o carnaval do final da década de 70 e a década de 80).

1 de março de 2025

Quem vai pular o Carnaval este ano?

Achou estranho o termo “pular o carnaval”? Se achou é porque tem menos de 50 anos. E se tem menos de 50, nem imagina como eram os carnavais de pelo menos 40 anos atrás.

Na minha época de folião aqui na cidade, os carnavais eram basicamente de salão (sei que existia carnaval antes disso, mas o meu foco é o carnaval do final da década de 70 e a década de 80). Para os mais jovens fica até difícil explicar como eram esses chamados “Bailes de Carnaval”, porque a maioria nem era nascida quando este tipo de festa existiu. Para não dizer que acabou, ainda se faz uma ou outra festa em salões, porém totalmente diferente das antigas.

As atuais festas de Carnaval são basicamente nas ruas da cidade. Em blocos ou avulsos, os foliões se divertem ao som de qualquer música, desde que seja alta e saia de alguma coisa parecida com um “trio elétrico”. Usam mais “abadás” do que fantasias. Mas uma coisa não mudou, o folião bebe como antigamente, ou seja, muito (às vezes até cair).

Voltando ao carnaval de salão, lembro que aqui em Torres havia três lugares para se “pular” o carnaval: a SAPT, o CAPESCA e a SAPC (Sociedade Amigos da Praia da Cal). Embora existisse uma rivalidade entre os clubes, o carnaval da SAPT sempre foi reconhecido como o mais concorrido e o da Praia da Cal carregava o lema de “melhor carnaval”.

Aqui cabe uma explicação sobre o “pular carnaval”. Não se dançava carnaval, simplesmente se pulava carnaval. E isso era feito ao redor do salão, sempre de forma circular, e dependendo do ritmo da marchinha (a música da época), a velocidade diminuía ou aumentava de forma enlouquecida. Quando um casal queria entrar nessa “engrenagem”, tinha que parar na beira do salão, aguardar por uma brecha, e entrar correndo. Para sair era um pouco mais fácil, mas tinha que achar um espaço desocupado, dessa vez na beira do salão e se jogar para fora da “engrenagem”.

Era o tempo do confete e serpentina, ainda existia o lança perfume (comum nos carnavais ainda mais antigos), mas era bem menor sua incidência. Os confetes eram jogados aos montes dentro e fora do salão lotado, grudando nas peles suadas dos foliões que enfrentavam o calor sem a ajuda de um ar condicionado. E as serpentinas também eram arremessadas contra os foliões e se enroscavam nos pés e nos pescoços, volta e meia derrubava alguém.

O suor, causado pela “meia maratona” em volta do salão, era amenizado com uma ou muitas cervejas geladas. Na SAPT ainda havia um bônus para quem ficava até o final do último dia de carnaval: o proibido (mas aceito, na marra) banho de piscina. Lá pelo final da festa sempre tinha um “boi de piranha” para iniciar o ritual, era só ele se atirar na piscina que a “manada” ia atrás. Não tinha segurança que impedisse o mergulho e logo a piscina estava lotada. Bons tempos!

Sei que essa descrição dos Bailes de Carnaval parece mais um caos do que uma festa, e era, só que a gente gostava e aparentemente todos se divertiam muito. Sim, também aconteciam brigas e confusões, mas o que prevalecia era sempre a festa.

Para tentar explicar as contradições destas festas “insalubres” lembrei de uma música em que o David Menezes Jr. (um cantor e compositor nativista aqui do RS) as descreve com bom humor, malícia, ironia e “requintes de crueldade”.

Essa era a música:

De tanto ouvir pelo rádio propaganda da cidade que a grande festa do povo é um baile da sociedade. Fui conhecer o carnaval, baile bom barbaridade. Vesti uma bombacha nova e uma bota de pelica, pensando num vaneirão com alguma prenda bonita. Eu estava mais por fora do que arco de barrica. O baile era tão gozado que tinha até fantasia, e o povo encarreirado suava à reviria, troteando em volta da sala como burro de olaria. É uma baita beberagem este baile diferente, tem uns sentados no chão, outros pulando na frente, e as moças trepam na mesa tapando a visão da gente. Mulher se veste de homem, veja só que confusão! Tem homem que é muié se fresqueando no salão, bonito de acolherar para uma tunda de facão! Dizem que este tal de baile separa muito casal, que até cria mãe solteira, bota gente no hospital. Deus me livre de outra feita pisar no tal carnaval!  (Fonte: Música “Um taura no Carnaval” de Ivo B. de Brum e Francisco Sherer.)

 

Dicionário

Taura: indivíduo valente, destemido, forte, perito em algum assunto, sempre disposto a tudo. Vanerão: dança tradicional gaúcha.

 Arco de Barrica: aros que prendem as madeiras do barril, pelo lado de fora.

Burro de Olaria: animal que impulsionava as alavancas das olarias, locais onde se fabricavam tijolos.

Acolherar: juntar, pegar. Beberagem: bebedeira.




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