A origem e o mito da BADERNA

10 de agosto de 2013

 

Gravura do século XIX, retratando a bailarina Marietta Baderna

 

No meio da festa, toca o telefone. í‰ o vizinho rabugento do 302, reclamando, pela milésima vez, da baderna. í‰ bem provável que o baladeiro não dê a menor importância para a interrupção, mas você já parou pra pensar de onde veio a palavra baderna?

Baderna é uma palavra exclusiva do português brasileiro que significa confusão, desordem, bagunça. Mas sua origem é bem peculiar: servia para classificar, de maneira pejorativa, os seguidores barulhentos de uma dançarina italiana que causou furor no Paí­s. Seu nome? Maria Baderna.

Pois está lá, no Dicionário Aurélio. Baderna era o sobrenome de uma dançarina italiana que esteve no Brasil em meados do século 19. Mas que fique bem claro: não era a artista, mas sim seus fanáticos admiradores que gostavam de confusíµes e brigas de rua. Daí­ a dizer-se que os tumultos tinham sido provocados pelo pessoal da Baderna ou pelos baderneiros de sempre foi um passo.

A história dessa personagem que entrou para o dicionário está no livro Maria Baderna, de Silvério Corvisieri. O autor, italiano, foi deputado do Partido Comunista italiano. Para escrevê-lo, veio ao Brasil, e por meio de pesquisas em arquivos e jornais de época, resgatou a trajetória da jovem bailarina que empolgou a sociedade carioca dos primeiros anos do Segundo Reinado.

 

Marieta Baderna: antes do Brasil

 

Marietta (que no Brasil também era chamada de Maria) Baderna nasceu na cidade italiana de Castel San Giovanni, em 1828. Desde cedo mostrou inclinação para a dança, estudando com um reconhecido mestre da época, Carlo Blasis. Bonita e talentosa, já aos 15 anos era saudada como uma das revelaçíµes mais promissoras em Milão, sede do Scala, um dos teatros lí­ricos mais importantes do mundo.

Depois de uma temporada de grande sucesso na Inglaterra, em 1847, Baderna voltou í  Itália, mas por pouco tempo. Seu pai, Antonio, era republicano, e tinha sido derrotado no movimento democrático de 1848. Nesse perí­odo, a Itália passou por conflitos internos e ficou dividida, com parte de seu território sob dominação da íustria. Para fugir í  repressão, Antonio Baderna levou a filha a aceitar um convite para se apresentar no Brasil, onde desembarcaram no ano seguinte.

 

Liberalismo   X  moralismo

 

Como primeira-bailarina do Scala, Marietta despertou desde o iní­cio a atenção dos brasileiros, que nunca tinham visto uma artista dessa categoria. No principal teatro carioca, o São Pedro d™Alcântara, conheceu uma formidável sequência de êxitos. Mas não sem obstáculos: um destes foi a epidemia de febre amarela que assolou o Rio em 1850, matando milhares de pessoas e, entre elas, 45 dos 55 artistas que tinham chegado com Baderna.

O autor do livro diz que Marietta tinha uma personalidade rebelde, vivia de maneira excessivamente liberal para o Brasil de D. Pedro II, Além de manter uma convivência livre com um amante francês, ela í s vezes dançava em bailes, praças e praias. Nessas ocasiíµes, longe da rigidez dos palcos, preferia os ritmos calientes como o sensual lundum, dança afrobrasileira praticada por escravos.

Inovadora, Baderna foi alvo de crí­ticas ao introduzir elementos do lundum entre os passos da dança clássica – em meio a uma sociedade conservadora e escravista. Num ambiente de grande moralismo e preconceito (ao menos para efeito público), pode-se imaginar o escândalo quando, no Recife, em 1851, Baderna resolveu apresentar sua dança afro-brasileira. Apesar dos protestos racistas, a temporada foi mais um sucesso. E marcou o iní­cio do abrasileiramento da artista, cujo primeiro contato com as danças dos negros e mulatos tinha sido pela leitura das Cartas Chilenas, do poeta e inconfidente Tomás Antí´nio Gonzaga.

 

Preconceito e Sorriso ambí­guo

 

Logo, porém, Baderna começou a sofrer a perseguição dos conservadores e moralistas. Para eles, a bailarina italiana representava um perigo ao futuro das novas geraçíµes, um mau exemplo. Começou a ser rejeitada pelos empresários e suas apresentaçíµes ficavam reduzidas em tempo e em segundo plano. Os seus fãs, já conhecidos como baderneiros, protestavam batendo os pés no chão e interrompendo os espetáculos. Ao término das apresentaçíµes, saí­am pelas ruas da cidade batendo os pés e gritando o nome da artista.

Mas prevaleceu a vontade dos conservadores e os bons costumes foram salvaguardados. Marginalizada, e para muitos tida como prostituta, não coube a Marietta Baderna outro destino: com o pai ela voltou para a Itália e sua carreira entrou em decadência

Nos anos seguintes, o panorama artí­stico do Rio de Janeiro alterou-se. O público interessava-se cada vez mais pela ópera e pelas cantoras, o que levou í  marginalização da dança. As referências í  Baderna na imprensa escasseiam, sabendo-se porém que ainda estava no Rio, em 1856, mas inativa. Reapareceria na França, onde fez sua despedida dos palcos em 1865.

Depois, veio o silêncio, ajudando a alimentar o mito. O mito da bailarina que foi amiga do grande ator João Caetano, contemporânea de cantoras famosas como Candiani e elogiada por escritores e jornalistas como José de Alencar ou o Visconde do Rio Branco. Mito de uma mulher que ousou desafiar as normas de uma sociedade conservadora e escravista e cujo fantasma, segundo Corvisieri, ainda ronda no céu do Rio, com um sorriso ambí­guo (…), como se quisesse conservar uma margem de vaga e etérea elegância continuando sua dança, estrela entre as estrelas.

 


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