Após um ano de dificuldades econí´micas visíveis, a fábrica í‰rica Calçados fechou suas portas na última segunda-feira (11). A empresa já havia pedido mais subsídios í prefeitura há algumas semanas e agora parece que a questão é irremediável. São 40 funcionários que ficaram sem emprego e sem, inclusive, o salário do mês de maio que deveria ser pago nesta semana, no máximo. Os operários da fábrica já estavam reclamando da falta de depósito do FGTS em suas contas por parte da pequena indústria localizada em Três Cachoeiras. Eles reclamaram na prefeitura que pediu para o empresário regularizar a situação sob pena de não ter seu contrato de subsídio renovado.
Vereadores clamam por auxílio í s famílias
O tema foi motivo de polêmica em sessíµes da Câmara Municipal. í‰ que vereadores da base do PP na cidade resolveram direcionar sobras de caixa do orçamento da casa legislativa para auxiliar financeiramente a empresa em dificuldade. Os vereadores pecaram, inclusive, em gerar expectativas perante os funcionários. í‰ que não existe meio legal de a Câmara, de qualquer cidade, encaminhar recursos financeiros diretos, mesmo que eles sobrem. Somente a prefeitura pode receber as sobras das casas legislativas e a lei de responsabilidade fiscal não permite, inclusive, que a verba tenha endereço certo: ela deve ficar dentro das prioridades orçamentárias da municipalidade.
E o assunto foi mais uma vez tema de discursos na última sessão da Câmara Municipal da cidade, realizada na segunda-feira (11). Vereadores da oposição novamente lamentaram o fechamento da fábrica. Eles pediram, principalmente, que a prefeitura local cadastrasse os funcionários demitidos para incluí-los em programas de ajuda social, pois são famílias, muitas delas sustentada somente por mulheres, que sobreviviam do salário de seus empregos e agora estão sem o salário de maio e sem pagamentos de direitos por conta da demissão. A vereadora Carla Macan (PT) defendeu o governo afirmado que providências neste sentido já estavam sendo tomadas pela municipalidade.
Funcionários eram amigos do empresário falido
A FOLHA foi até a empresa fechada na manha de terça-feira (12). Lá conversamos com um operário da fábrica para sabermos bem qual seria a visão dos empregados demitidos pelo virtual fechamento da indústria. Conversamos com Marcal Kurtz. Ele trabalha na indústria há 12 anos. Foi contratado para trabalhar no complexo quando o mesmo era de outro dono e possuía instalaçíµes ainda maiores. Ele explicou que a fábrica foi vítima de problemas econí´micos nacionais que assolam principalmente a indústria calçadista. O dono da fábrica já havia vendido seu carro e seu pequeno sítio estava í venda. Tudo para tentar, até onde podia, salvar seu negócio. Kutz disse que ele (o empresário) já teve carros do ano, mas nunca ostentou isto. Ao contrário, era amigo dos operários e estava sempre junto com o pessoal de chão de fábrica, como se colega deles fosse.
Uma facção de fábricas catarinenses
A í‰rica Calçados trabalhava nos últimos anos como uma espécie de departamento de fábricas catarinenses, chamados vulgarmente de facção. Duas indústrias do Estado vizinho enviavam calçadas pré – fabricados para receberem acabamentos ou processos intermediários aqui em Três Cachoeiras, na í‰rica. Em contrapartida a fábrica não necessitava de capital de giro para compra de matéria prima. Realizava somente a prestação de serviços para outra empresa, que por sua vez economizava em leis sociais e procedimentos lá em SC.
Mas a lei trabalhista brasileira entende este procedimento como uma contratação vertical em muitos dos casos. E o sindicato da categoria, aqui no sul, já está em contato com as indústrias catarinenses para cobrar delas que paguem os direitos trabalhistas dos operários demitidos.
Benefício fiscal pagava aluguel e luz
A FOLHA também conversou com o secretário de finanças da prefeitura de Três Cachoeiras Marcos Machado, o Marcolino. Ele afirmou que a empresa recebeu, desde sua instalação, o benefício fiscal de ter pela municipalidade o aluguel do prédio pago. A seguir, por conta de mais problemas apresentados pelo empresário, a municipalidade passou também a pagar a conta de energia elétrica da í‰rica Calçados. Mas para isto, contratualmente, a empresa teria que cumprir sua parte. Dentre as cláusulas de obrigaçíµes, a de pagar em dia os direitos trabalhistas dos funcionários, o que não estava acontecendo. A fábrica estava prestes a perder a validade de seu convênio de benefícios fiscais com o município de Três Cachoeiras. Com isto, teria que adequar ainda mais í s exigências da nova lei de incentivos fiscais aprovada no ano passado pela Câmara Municipal.
Máquina retirada e BO na Polícia
Um dos momentos mais agudos, que gerou a desconfiança dos funcionários da fábrica fechada na última segunda-feira (11), foi a retirada de uma máquina importada de dentro da empresa. Alguns funcionários desconfiavam que se tratasse de manobra de descapitalização da firma antes do pagamento dos débitos trabalhistas. Mas o funcionário Kurtz, que conversou com A FOLHA, afirmou que se tratava de um equipamento emprestado. O dono da máquina em questão retirou, sim, da fábrica o equipamento, com medo, sim, de perdê-lo por um mal entendido, como houve. Mas segundo a mesma fonte interna, a máquina não estava contabilizada nem pertencia ao empresário que faliu.
O mesmo empresário, conforme a mesma fonte de A FOLHA, estaria recebendo ameaças dentro da cidade de Três Cachoeiras. í‰ que a fábrica também terceirizava (quarteirizava na verdade) alguns serviços dentro da cidade. E possíveis credores estariam ameaçando o empresário falido caso não quitasse suas dívidas para com eles. Alguns boletins de ocorrência estariam registrados na Delegacia e Polícia local.
Problema estrutural do Brasil
Tudo indica que a í‰rica Calçados foi mais uma das várias pequenas, médias e até grandes empresas do setor calçadista que estão fechando por conta da concorrência predatória dos chineses. A mídia nacional, principalmente a gaúcha, tem publicado vários outros casos de empresas que fecham suas portas por falta e fí´lego financeiro. O mercado e os preços ficam em geral abaixo dos preços de custo de produção, principalmente para as pequenas fábricas e facíµes.
Mas foram 40 empregos com salários certos que foram subtraídos do mercado de trabalho de Três Cachoeiras. Felizmente a cidade anuncia a chegada de uma grande indústria de vidros. Esta com ampla participação no mercado mundial, com produto, preço e distribuição competitivos.