Polêmica audiência pública sobre porto no litoral fez lotar auditório em Torres

Muita gente ficou de fora, e há cidadãos que vão pedir no Ministério Público a anulação da audiência. Cidade de Arroio do Sal se mobilizou para levar o terminal para o município

Audiência pública incluí a discussão de interesse estadual e coloca população local em sintonia
8 de maio de 2019

 

Na noite de segunda-feira, dia 6 de maio, mais de 250 pessoas lotaram o auditório da Ulbra, em Torres, para participar de uma audiência pública sobre o projeto de possível construção de um porto marítimo no Litoral Norte. O evento foi uma proposição da Comissão de Economia, Desenvolvimento Sustentável e Turismo da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, através do gabinete do deputado estadual Gabriel Souza (MDB).

 

Faltou espaço, sobraram protestos.

 

Talvez o dobro de participantes pudesse estar presentes na audiência, mas acabaram ficando de fora. As portas do auditório da Ulbra em Torres tiveram que ser fechadas para garantir a segurança das pessoas presentes no ambiente, já que não havia mais lugares para ninguém se instalar. E esta falta de possibilidade de entrada no evento gerou certa confusão e rebeldia. Houve chutes na porta executados por uma das pessoas que não conseguiram participar, o que fez com que funcionários da Ulbra tivessem de chamar a Brigada Militar para dar apoio à organização.

Um grupo – liderado pelo conselheiro estadual da OAB e ex-presidente da entidade em Torres, Ivan Brocca –  organizou um abaixo assinado entre as pessoas que ficaram de fora do evento, documento que será entregue ao Ministério Público com o objetivo de anular a validade da Audiência Pública. É que os rebelados alegam que o evento – para tratar com a sociedade sobre o processo de instalação do porto marítimo na região – passou a ser “privado” ao não ser possível a entrada de um número grande de pessoas como aconteceu. O grupo acha que o evento foi mal programado e que deveria ser realizado em um espaço onde coubessem mais pessoas.

A Ulbra, por sua vez, tratou de fornecer imagens da Audiência Pública em uma tela colocada de forma improvisada no corredor que dá acesso ao auditório, imagem estas que podiam ser acessadas por qualquer um através do Facebook. Nesta terça-feira, dia 7, várias postagens no Facebook feitas por pessoas que não conseguiram entrar no evento foram compartilhadas, a maioria criticando a organização do evento com palavras de ordem depreciativas.

 

Debate em nível estadual e regional

 

O encontro realizado pela Assembleia Legislativa do RS (ALERGS) serviu para debater de forma mais aberta o assunto. Foram levantadas questões tanto pelo ponto estadual quanto regional, abordando sobre efeitos e possibilidades  relacionadas a implementação do terminal portuário no Litoral Norte, mais especificamente em Torres ou em Arroio do Sal.  E isto deu motivação para que uma  comitiva de Arroio do Sal viesse à Ulbra para participar do evento, já que os dois municípios têm boas chances de receber o terminal portuário (Torres e Arroio do Sal).

O conteúdo planejado para ser levado em conta no debate foi baseado em dados existentes e os dados dos estudos que estão sendo encaminhados sobre o terminal. Proponente da audiência pública, o deputado Estadual Gabriel Souza abriu o evento afirmando que o projeto poderá servir para o desenvolvimento econômico social e ambiental da região. “Sonho em um dia ver cruzeiros marítimos com turistas desembarcando na nossa orla, cargas saindo daqui pra qualquer lugar do mundo. Sonho em ver o Litoral se desenvolver muito mais do que se desenvolve hoje em virtude da falta, muitas vezes, de investimento privado que nós tanto buscamos”, opinou Gabriel.

Muita gente ficou de fora da audiência e até queixa no Ministério Público aconteceu

 

Defesas a favor do novo porto (seguido por contraponto)

 

Idealizador do projeto, o engenheiro e ex-deputado federal Fernando Carrion ocupou grande espaço na audiência ao destacar que é preciso elevar os investimentos em infraestrutura – como portos – no Brasil. De acordo com o ex-parlamentar, é necessário construir mais dez portos no país. “O Terminal de Uso Privativo (TUP) de Torres será moderno, sustentável e eficiente – a exemplo do Porto de Itapoá (SC)”, reforçou Carrion. Para ele, um Litoral de 620 km como o do Rio Grande do Sul não pode ter apenas um porto (no caso o Porto de Rio Grande). Carrion explicou ainda que o novo terminal terá capacidade de escoar a produção do polo metalmecânico de Caxias do Sul, do polo moveleiro de Bento Gonçalves, e da produção de soja do RS.O discurso de Carrion foi praticamente o mesmo partilhado por ele em outro encontro aberto sobre a possibilidade da vinda do porto para Torres, promovido pela prefeitura municipal da cidade, no final do ano passado (2018).

Ruben Bisi, representante do Movimento Mobilização por Caxias (Mobi), foi um dos gaúchos que passaram a participar de eventos públicos sobre o porto. Ele explicou que, de acordo com o projeto, o Porto de Torres terá investimento privado (nenhum dinheiro público) e tem valor mensurado em cerca de R$1,2 bilhão para sua construção – sendo que deste valor o poder público poderá pedir contrapartidas em infraestrutura e meio ambiente. Conforme o mesmo empresário, a proposta prevê 10 anos para execução e implementação do embarcadouro. Para ele, é necessário pensar o futuro. “Não estamos falando da demanda de carga atual, mas precisamos pensar em quando o porto estiver pronto.  Por isso, estamos buscando um terminal de águas profundas que seja capaz de atender os grandes navios que estão chegando à costa brasileira e que hoje não atracam nem em Rio Grande, nem em Santa Catarina”, defendeu Bisi.

Em contrapartida, o superintendente dos Portos do Rio Grande do Sul, Fernando Estima, afirmou que não há carência de estrutura portuária no Estado – que atualmente conta com 12 terminais. “Tecnicamente o Rio Grande do Sul não precisaria fazer um investimento na costa porque, na prática, não temos demanda para tanto”, apontou. Para ele, as críticas existentes são por conta de fatores externos ao porto, como as rodovias, hidrovias e pedágios.

 

Ambientalista teme impacto ambiental e desvio nas rotas das Baleias Franca

 

Uma ambientalista representante do Greenpeace (ONG mundial que milita pela preservação ambiental) foi contra o porto por conta dos reflexos ambientais. Ela sugeriu que a estrutura portuária de Rio Grande já está servindo à demanda estadual. O impacto ambiental na fauna da região também foi pontuado pela militante ambiental, quea em xeque a continuidade da rota das Baleias Franca – um evento ambiental que se transformou em atrativo turístico no litoral sul brasileiro. Para a ambientalista, estas baleias podem abandonar a rota em decorrência do porto, e podem até ser prejudicados o ciclo de reprodução e a recuperação populacional da baleia-franca em águas brasileiras

 

O “ambientalmente correto” estaria na pauta dos que defendem o porto

 

O presidente da Comissão de Economia, Desenvolvimento Sustentável e Turismo, deputado Tiago Simon, também utilizou do espaço para reforçar que todos têm consciência da questão da preservação ambiental, porém são perceptíveis as dificuldades dos empreendedores do Rio Grande do Sul. “Santa Catarina tem 400 km de litoral e possui cinco portos. Ou seja, não tem sentido não termos um novo porto aqui, com investimento privado, respeitando todas as regras”, ressaltou Simon. Ele lembrou que impostos e empregos são gerados pelos portos, além da melhoria da logística.

O prefeito de Torres, Carlos Souza, afirmou que, além de emprego e renda para a população, é necessário preservar o maior patrimônio de Torres: o ambiental.  “Os órgãos ambientais serão fundamentais no projeto. No entanto, enquanto gestor municipal, cabe a mim buscar soluções para a crise de emprego e renda”, disse.

Entusiasta do projeto, o senador Luis Carlos Heinze encerrou a audiência pública e afirmou que empresários gaúchos estão deixando o estado por falta de infraestrutura e que é preciso construir soluções e saídas para o desenvolvimento do RS. “O que me move é a oportunidade de fazer algo pelo Rio Grande do Sul. Fui eleito com o desafio de oferecer esperança para a população e a construção do porto marítimo em Torres é fundamental para o nosso futuro”, disse o senador.

Heinze agradeceu a Marinha brasileira que recentemente esteve no litoral para fazer um estudo da costa e que deverá apresentar o resultado das pesquisas para ajudar no andamento do projeto. “Desde 1955 a Marinha não aportava nenhuma equipe no Sul. Com o trabalho deles teremos dados técnicos sobre a viabilidade do terminal. Este projeto só será viável com a concordância do Ibama, Fepam e Ministério Público”, frisou o senador.

Deputado Gabriel Souza (d) foi proponente da audiência em Torres

 

Participação popular foi destaque

 

Manifestaram-se na Audiência Pública também pessoas sem cargo político ou de liderança empresarial maiores. Um morador e líder do bairro Guarita foi peremptoriamente a favor do Porto ao mostrar sua visita ao terminal portuário moderno de Itapoá, em Santa Catarina, e verificar que não existe – para ele – nenhum impacto negativo na implementação de um porto na cidade de Torres.  Ele disse que, ao contrário, o investimento trará emprego e renda.

Um professor e geólogo posicionou-se contra o porto. Para ele, o Brasil é uma federação – portanto, não haveria necessidade de um porto aqui no Litoral Norte do RS se já existem vários em Santa Catarina. O geólogo se disse contra o terminal por conta do porto mexer no conceito de cidade ambiental e turística consolidado em Torres.

Um pequeno empresário local também falou. Para ele o estado do RS mostra dificuldades financeiras faz tempo, as empresas estão indo para outros estados e, por isso, a cidade deveria receber mais este empreendimento, em nome da cidade e do estado do RS. Para ele o Rio Grande do Sul tem somente um porto marítimo (que está a mais de 600 km de algumas regiões produtivas do estado), enquanto Santa Catarina tem cinco portos (e vai a sete). Por isto, faria sentido a implementação do terminal no Litoral Norte gaúcho. Ele lembrou que o empreendimento vai trazer melhorias em energia, urbanidade e outros fatores que vêm junto, além dos empregos e dos impostos.

Um tradicional ambientalista torrense mais uma vez defendeu a proteção ambiental local como faz – em frases e desenhos na areia das praias. Com seus poemas e trocadilhos, se colocou com força contra a construção de porto no nosso litoral, em nome da preservação ambiental e turística de Torres.

 

Arroio do Sal foi protagonista e participantes mostram querer o porto no município

 

Moradores e autoridades públicas e privadas da cidade de Arroio do Sal acabaram recebendo certo protagonismo na Audiência Pública. O prefeito da Cidade, um vereador da oposição ao prefeito e moradores também falaram na reunião sobre o porto, além de se posicionarem com “torcida organizada” a favor da construção do empreendimento.

O prefeito Affonso Flávio Angst, o Bolão, tratou de apresentar Arroio do Sal como pronta para receber o terminal. Mostrou os diferenciais da cidade, como o tamanho do litoral e a disponibilidade da população receber bem o empreendimento, colocando-se mais uma vez como interessado em ter o terminal no município onde é prefeito.

Um vereador da Câmara de Arroio do Sal parece ter representado a posição dos edis locais em geral. Ele fez uso da palavra simplesmente para dizer que “a cidade é de longe a melhor opção para a construção do porto” quando recebeu aplausos entusiásticos da plateia. A cidade vizinha à Torres foi mobilizada com antecedência e foi responsável por ocupar significativo espaço na audiência.

 

Muita coisa pela frente

 

Atualmente está sendo feita uma sondagem no Litoral Norte gaúcho para dar com mais precisão as características da costa: profundidade, distância da profundidade ideal (25m) da costa, dentre outras. A seguir deverá ser feito o estudo de custos para a construção do terminal, envolvendo obras no mar e de acesso de caminhões ao porto por terra, além das licenças necessárias.  Mais a seguir, se a ideia realmente avançar – ainda, devem iniciar as questões de negociação com as prefeituras locais, além do encaminhamento das licenças federais e estaduais para o processo de instalação de um terminal portuário.

Outras audiências públicas devem ser realizadas para debater a questão –  em níveis federal, estadual e municipal, o que sugere que a comunidade vai poder ficar mais a par das verdades sobre o assunto para se posicionar se é contra ou a favor da construção de um porto.

Atualmente, dois locais estão previamente escolhidos para o possível terminal portuário: Em Torres (na Praia Itapeva Sul) e em Arroio do Sal (na Praia Jardim Oliva).  Mas as medições específicas em andamento – e questões relativas a receptividade do projeto –  podem modificar o cenário.

 

 

 


Publicado em: Geral






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