Tempo ruim no Planalto

"Há dias que contam por anos e anos que parecem dias. Uns se arrastam, outros voam. E há as sacações, como a de Juscelino, que prometeu realizar 50 anos em 5 de seu mandato. Nestes dias, o tempo ruge na conjuntura, feito uma tempestade de verão." (por Paulo Timm)

5 de julho de 2021

Há dias que contam por anos e anos que parecem dias. Uns se arrastam, outros voam. E há as sacações, como a de Juscelino, que prometeu realizar 50 anos em 5 de seu mandato. Nestes dias, o tempo ruge na conjuntura, feito uma tempestade de verão. Até semana passada,, apesar da assimetria entre um Presidente fortalecido em seu amplexo, com tentáculos além do Poder Executivo, e uma opinião pública que dele se afastava, tudo apontava para sua estabilidade. Sempre instável pelo próprio caráter belicoso de Bolsonaro. A ressurgência de “Lula Livre” como  concorrente em 2022 agitou as águas mas não  ameaçou a estabilidade. Ele, experiente, se move com muito cuidado. Também vinham se ouvindo tambores da CPI/COVID, tocada por um vívido Relator e um impetuoso Vice. Eles ajudaram na retomada das ruas pela Oposição em maio e junho, à qual somaram-se muitos indignados com a gestão governamental do COVID.  De repente, porém,  não mais do que de repente, na noite do dia 29 de junho a fogueira ganhou corpo e ameaça alastrar-se gerando uma grave crise presidencial. O combustível, mais uma vez, é a suspeita de corrupção em altos escalões governamentais capazes de contaminar o Presidente.

Tudo começou quando a CPI descobriu o depoimento  de um servidor do Ministério da Saúde, Luiz Miranda,  em processo que corre na Procuradoria da República sobre suspeitas de malfeitos naquela pasta e engrossou  no início da noite do dia 29 (jun) quando outro personagem, Luiz Dominguetti, entra em cena e denuncia uma tentativa de pixuleco na compra governamental  de outra vacina, a   ASTRAZENCA, à razão de US$ 1 dólar por unidade sobre um lote de  400 milhões da imunizantes, tudo com nomes e  adereços. Fedeu. Este, porém, convocado à CPI demonstrou fragilidade no depoimento e levantou a hipótese de que, passada a navalha de Okham no caso, que recomenda afastar excessos de argumentos, não passou de tentativa de golpe. Ou “plantação”, provavelmente bolsonariana…No primeiro caso já há, a pedido da PGR, inquérito aberto na Polícia Federal.  Breve deverá, esta,  abrir sobre o outro. Irá, certamente, descobrir que, sim, havia algum conluio de lobistas “orgânicos” e “avulsos” com servidores corruptos do M. Saúde. Tudo muito intrincado e rocambolesco.

O fato demarca, curiosamente, algo tão curioso como paradoxal: Suspeita de corrupção é sempre o melhor prato servido à opinião pública. Os brasileiros parecem se sensibilizar mais sobre um pilha de dinheiro roubado do que uma montanha de cadáveres. Por razões que se desconhece, tal como a paixão pelos tabloides sanguinolentos e programas vespertinos de TV voltados à exploração da miséria humana, o povo se antena quando o noticiário aponta para as “roubalheiras”, como que comprovando  convicções popularmente arraigadas.

No  dia 30, por coincidência ou não, 46 entidades e personalidades, de variadas tendências ideológicas,  entraram com o 123º. Super Pedido de Impeachment a Bolsonaro incriminando-o em 23 graves crimes de responsabilidade. Note-se que nenhum deputado subiu à tribuna para lhes contestar. Apenas o  Presidente da Câmara, Artur Lira, lhes respondeu, evasivamente: – “Falta materialidade”. Ora, impeachment é um processo político, vide o de Collor e de Dilma. Ele cresce quando o Governo perde, simultaneamente, apoio popular e sua base de apoio congressual. Bolsonaro  está, realmente,  acuado pela opinião pública, mas resta-lhe, entretanto,   o apoio incerto do Centrão, que só é leal a interesses, jamais à ideologias ou autoridades. Estes, devem, agora,  começar a apresentar faturas impagáveis para forçar a retirada de apoio. Sinuca de bico para quem diz que só sairá da cadeira pela mãe de Deus. Talvez saia pelo voto de seus apoiadores de anteontem.

Mas a pressão não fica na CPI.Ontem, o Presidente do Supremo marcou data para depoimento do Presidente da República no processo que lá se arrasta há mais de um ano, quando da saída de Moro do seu Ministério, sobre sua  interferência na Polícia Federal. Outra CPI, a das fake news, articulada a processo do mesmo Supremo sobre ataques à democracia, determinou a abertura de contas telefônicas do filho 02, Vereador Eduardo e altos assessores do Planalto, todos envolvidos no denominado Gabinete do Ódio. Mau tempo, mais turbulência para o Presidente. E, para culminar, nova manifestação de rua em todo o país no sábado, 03.

Dias gelados no sul, ferventes nos gabinetes da Capital.

 

 

 




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