Uma Crônica Histórica em tempos de Revisão do Plano Diretor de Torres

"O nosso desafio hoje é olhar para essa paisagem, reconhecer que muita coisa nesse espaço já se perdeu no tempo, com algumas poucas possibilidades de ser acessada com a ajuda da Arqueologia, na forma de fragmentos, e mesmo assim, necessitamos FOCAR nossos esforços inteligentes, nesse momento de revisão de Plano Diretor" (texto por Diderô Carlos Lopes

Vista da Igreja São Domingos das Torres
7 de julho de 2022

A seguir, texto escrito pelo amigo DIDERÔ CARLOS LOPES, e que replico neste espaço democrático do jornal A FOLHA Torres

 

O parque histórico idealizado pelo Prof. Ruschel serve como referência quando em pauta a revisão do Plano Diretor (PD), mas entende-se que temos, no momento, a responsabilidade de chegar até a paisagem cultural possível, partindo do Marco Zero, ou seja, a Casa Nº1, onde ao lado dela foi construída a igreja de São Domingos das Torres, que atraia a população, na época colonial, estabelecendo uma “praça” alta. Seguramente se existisse o “pelourinho” seria localizado nesse local.

Compunha a ambiência a “Rua de baixo”, onde se estabeleceram as demais residências e, mais tarde, foi instalada a intendência e duas escadas foram incorporadas, que uniam – diretamente – esse espaço até Casa Nº1 e a igreja, refletindo onde se localizava aquilo que a comunidade reconhecia como de grande valor institucional e referência social. No local se materializavam as expectativas de segurança e proteção – fossem elas de natureza sagrada ou profana – em uma época de imensa vulnerabilidade humana. A esse espaço social foram inseridos os negros escravizados que localmente não foram reconhecidos como partícipes das construções ali edificadas e de representação comunitária. A maior prova dessa anulação histórica está no desproporcional diálogo que a Região das Torres valorizou e superestimou com os imigrantes, principalmente o germânico.

A Casa Nº1 foi colocada na “sombra” da igreja e os negros escravizados e seus descentes na “sombra” dos imigrantes. Esqueceram os autores dessas negligências que a “sombra” sempre acompanhará a todos, mesmo mudando de posição em função do foco da luz. Aqui fica claro a necessidade de se levar luz para iluminar essas sombras. A poligonal estabelecida por portaria do estado, ajuda a compor a ambiência da igreja, tombada na época de “salvamento” pelo IPHAE, pois sabe-se hoje que tem “representatividade” municipal como a Casa Nº1 – e não estadual ou federal. A função dela é estabelecer uma ambiência compatível com o documento tombado.

É necessário se colocar, que os imóveis inseridos nela não estão “protegidos” e sim “protegem”, colaboram para que seja mantido um invólucro compatível com o bem tombado. Trata-se de uma posição dinâmica em relação ao bem tombado que é “estática”. Intervenções são possíveis sim, mas compatíveis com a natureza do bem tombado. “O que distingue então a área tombada da área de entorno é o valor atribuído a cada uma. A área de entorno será de referência para a compreensão da coisa tombada”.

O nosso desafio hoje é olhar para essa paisagem, reconhecer que muita coisa nesse espaço já se perdeu no tempo, com algumas poucas possibilidades de ser acessada com a ajuda da Arqueologia, na forma de fragmentos, e mesmo assim, necessitamos FOCAR nossos esforços inteligentes, nesse momento de revisão de PD. Oportunidade que se apresenta a cada trinta anos, em média, para revisitar o nosso passado recente, se considerar o tempo histórico, fazendo uma reflexão para fortalecer a “ponte” histórica que legaremos para os que virão depois de nós.

O Prof. Ruschel teve o tempo dele, agora o tempo é nosso e temos que fazer o melhor possível, com bastante debate e reflexão, tendo-se como proposta a metáfora da girafa: ela tem a cabeça em uma posição bastante elevada, mas mantém as suas quatro patas no chão da realidade que acontece a cada momento. No contexto do PD temos a condicionante, que nos leva a olhar para o tempo futuro, sem esquecer do passado e as lições aprendidas com os erros e acertos individuais e coletivos.

Todos são bem-vindos para esse debate se fazendo presentes para serem ouvidos, pois representam LEGITIMAMENTE uma parte da nossa comunidade. Temos sim contribuições para apresentar como cidadãos ou como associados a grupos de interesse. A força da última é avaliada pela intensidade, mobilização e coerência das propostas. O Ministério Público de Torres-RS ao olhar essa fotografia – a pedido da sociedade civil organizada – “convidou” o município a adiar a audiência pública do PD até que fossem satisfeitos os requisitos legais de transparência e publicidade. Algo reconhecidamente histórico nesse contexto.

 

*Texto por Diderô Carlos Lopes




Veja Também





Links Patrocinados