O 7 de setembro sempre traz à tona, no Brasil, a reflexão sobre nossa Independência de Portugal, em 1822. No Império (1822-89), a data se resumia à exaltação da figura do Imperador, sem destacar, jamais, o papel da Princesa Leopoldina, esposa de Dom Pedro I, quem, na verdade, tomou a decisão de proclamar o Brasil independente de Portugal..
Com a proclamação da República, o 7 de setembro passou a exaltar simbolicamente a Pátria, celebrada, sobretudo, pelos desfiles das Forças Armadas, ainda que acompanhadas, depois da Revolução de 30, por desfiles estudantis. Era o reflexo do trânsito do antigo Poder Moderador do Imperador para uma nova fase de tutela das Forças Armadas na nossa vida pública. O bacharelismo dos punhos de renda, dos filhos da aristocracia escravocrata começava a ceder lugar – mesmo sob o retrocesso oligárquico do “Café com Leite” entre a saída de Floriano Peixoto e a Revolução de 1930 – aos arquitetos da modernidade industrial, cujo grande símbolo, aliás, foi a “Marcha para o Oeste”, na qual a construção de Brasília ocupa lugar destacado. No começo deste longo período, República Velha, vez que a ela sucede-se a Era Varguista que se prolonga sob várias roupagens até 1979, emergem quadros e dicções que nem sempre correspondem ao que realmente ocorreu na Independência. Foi o resultado do positivismo mais afeito à valorização dos fatos do que aos processos: “Ordem e Progresso”.
Contemporaneamente se percebe que nossa independência, na verdade, se constituiu num longo processo, inacabado, travado em vários lugares do Brasil, com o concurso de várias inspirações, primeiro da Revolução Americana, 1776, depois de Francesa, em 1789, e , finalmente, da Revolução Haitiana, na virada daquele Século das Revoluções, e se prolonga até hoje sob a influência dos imperativos da Doutrina dos Direitos Humanos e do princípio da Sustentabilidade do Desenvolvimento. Até os anos 50, aliás, a própria história da Independência foi contada do ponto vista do Rio de Janeiro e São Paulo, como costuma assinalar o historiador Evaldo Cabral de Mello, autor do livro “A Outra Independência”, que trata das movimentações políticas entre a Revolução Pernambucana, em 1817, e a Confederação do Equador, em 1824. Poderia, a propósito, ter levado sua reflexão até 1848, última das convulsões do período, atravessado também pela Revolução Farroupilha de 1835 a 1845 no Rio Grande do Sul. Temos, também, que incorporar à análise da Independência as lutas travadas no Norte e Nordeste, dentre elas a resistência na Bahia, que só consagraria a Independência em 1823, bem como todas as iniciativas populares que tentaram melhor articular os interesses da Pátria com a Nação. A redemocratização consagrada pela Constituição de 1988, que inaugura a substituição do Poder Moderador do Imperador ou das Forças Armadas, para o império da Lei, o exige. Ressalta-se que nunca tivemos, no Brasil, uma celebração popular da Independência, como as têm alguns países latino-americanos, como , por exemplo o Chile, quando o país se cobre de “ramadas”, com danças, comidas típicas e muita euforia popular. Precisamos chegar lá…
Para alguns analistas, este distanciamento popular do 7 de setembro teria sido uma consequência de ausência de uma verdadeira luta pela conquista da Independência, proclamada pelo filho do Rei de Portugal, sob a advertência de que o fizesse antes que algum outro aventureiro, o qual viria, ainda, depois de sair do Brasil, em 1831, a ser Rei Dom Pedro IV , em Portugal. “Sospechoso!” De resto, o sufocamento da Constituinte por D. Pedro I, logo após sua instauração, com o exílio das personalidades mais exaltadas do liberalismo, do qual não escapou sequer o Patriarca José Bonifácio, no período, quando não sua prisão, com “mano dura” sobre movimentos que teriam levado a Independência mais além da mera conquista da autonomia política, talvez também tenha contribuído para esse distanciamento popular. Não obstante, a data deve ser reverenciada como um marco da fundação do Brasil como Estado Nacional, embora seu encontro com seu principal conteúdo, a Nação, composta por todos aqueles que a constroem diuturnamente, ainda se constitua num desafio. Trata-se, hoje, de lutar pela afirmação da soberania deste Estado Nacional no concerto internacional segundo seus próprios interesses que contribuem para criar os pilares econômicos desta afirmação, ao tempo em que, internamente, se aprofunde a construção da cidadania como acesso à informação, organização, representação e participação de todos â confecção de nosso destino.
Compreender, enfim, que a Independência nem a fez apenas o Dom Pedro às margens idílicas do Ipiranga, nem só os sulistas, nem os militares ou bacharéis, num único dia ou mesmo período, mas que se realiza historicamente, em processo, nas obras de um “um povo em fazimento”, como costumava dizer Darcy Ribeiro.