Encerrado o pleito municipal, proclamados os vencedores, últimos deles dependendo do segundo turno daqui a três semanas, é hora de celebrar a democracia.
Mas não se pode falar em democracia sem condicioná-la à defesa da Constituição, que no dia 5 passado chegou aos 36 anos, não sem algumas cicatrizes precoces da transição ainda em curso. Mas como diz um analista ela “Tem servido bem ao país em tempos que não foram banais. Vivemos épocas de bonança econômica e de recessão. Tivemos governos mais à esquerda e mais à direita. Escândalos de corrupção se multiplicaram. Uma pandemia, gerida de maneira desastrosa, levou à morte 700 mil brasileiros. Houve dois impeachments de presidentes, bem como ameaças de golpe de Estado e os devastadores ataques do 8 de Janeiro…(.mas só quem não soube a sombra não reconhece a luz)”. Sobrevivemos, malgrado tudo isso, graças às instituições republicanas amparadas no contrato constitucional.
Contrato é um produto registrado do consenso entre os componentes de uma parceria . Pode se referir a um negócio, a uma ação social, inclusive o casamento, a uma sociedade disposta a conviver pacificamente sobre um território. Neste caso, o Contrato tem o nome de Constituição. Ela substituiu o direito divino dos soberanos como método de instituição dos Poderes Públicos, isto é, a forma de organizar a capacidade cimentada sobre um pacto solidariedade social. A Revolução Francesa, em 1789, é o marco deste trânsito do monarquismo autoritário para as Repúblicas Modernas. República, Constituição e Democracia, neste sentido, são dimensões do Estado Moderno, pelo menos no mundo Ocidental. A Constituição, não é um mero papel. Ela é um símbolo profano, mas de caráter sagrado que fundamenta a harmonia do corpo social com vistas a assegurar seu desenvolvimento em segurança. Foi Thomaz Hobbes (1588 – 1679), filósofo inglês, ponte entre o Renascimento e o Iluminismo, autor de “Leviatã”, quem definiu esta nova forma de constituição do Poder.
Seu ‘De Cive’, publicado em Paris no ano de 1642, desenvolve temas de Elementos da Lei, mas seu pensamento é exposto mais notavelmente em sua obra-prima: ‘Leviatã’. Segundo Hobbes, os homens agem conforme certas leis naturais.
Numa analogia à Primeira Lei do Movimento de Newton, de acordo com a qual a matéria se comportará de maneira uniforme a menos que sofra uma ação, Hobbes acredita que o estado natural do homem é o de guerra e conflito, a não ser que haja alguma ação sobre ele e que seja governado pelas regras da vida social.
Só um pacto mantido pela lei da espada pode impedir o homem de recair em seu estado natural. Sem o pacto, diz Hobbes, a sociedade se desintegraria e haveria “uma guerra em que cada homem luta por si”, sendo o resultado, inevitavelmente, um estado em que a vida do homem “solitária, pobre, sórdida, brutal e breve”.
Todo homem age, conclama Hobbes, de acordo com a lei natural de autoconservação na guerra de todos contra todos. Cada um de nós deseja, naturalmente, o que é bom para nós mesmos, e o pacto assegura que isso só se obtém levando-se em conta o bem dos outros.
No Brasil, tivemos várias Constituições, mas as de 1946 e de 1988, ambas promulgados após períodos autoritários, marcaram nosso avanço rumo ao aprofundamento da democracia entre nós… As eleições deste fim de semana bem o demonstram. Vivemos sob o império da Lei Magna e suas instituições, mas nunca estamos livres de ameaças. As ações do Congresso contra o Supremo, feitas em clima de ódio e vingança não são nada promissoras. O país despertou nesta semana sereno com a consecução do voto, mas preocupado por resultados que demonstram um peso considerável na vida pública de Partidos que usaram e abusaram do Orçamento Secreto. Num certo sentido, esta presença reitera o velho patrimonialismo, mas, por outro, talvez tenha sido o preço que pagamos para diminuir o risco do retrocesso autoritário.