Na explicação das origens da democracia, os gregos antigos recorriam ao mito. Teseu, cujo nome significa “o homem forte por excelência”, filho do Rei Egeu, de Atenas, foi enviado pelo pai para liquidar o minotauro, a besta que exauria a cidade com seu apetite por jovens. O minotauro era uma mistura de homem e touro e tivera origem numa traição da mulher do Rei Minos, de Creta, com um touro que lhe havia sido presenteado por Posseidon. Em Creta, também vivia um célebre arquiteto, Dédalo. Quando Minotauro nasceu, Minos, envergonhado fez com que Dédalo construísse um labirinto para ali deixar o menino monstruoso. O labirinto tinha inúmero corredores, salas e galerias, todos dispostos de uma maneira a nunca se achar a saída e confundir até o mais sábio dos homens.
A história começa numa batalha entre Creta e Atenas. O Rei Minos, de Creta, vitorioso, exigiu um tributo dos perdedores: todos os anos Atenas deveria enviar sete rapazes e sete moças para serem devorados pelo Minotauro no labirinto. Teseu foi enviado à Creta como parte deste tributo, junto com outros jovens. Mas deveria viajar à ilha com a ideia de derrotar a besta. Fez-se ao mar com a recomendação do pai de que, em seu retorno à casa, caso tivesse sucesso na empreitada, deveria ter içada uma vela branca em sua embarcação. Seria o sinal para as boas vindas.
Quando chegou à ilha de Creta, Teseu despertou a paixão de Ariadne, filha de Minos e Pasífae e, graças à sua ajuda, conseguiu se guiar no labirinto e decepar o dinossauro com a espada encantada da amada, saindo vitorioso nesta jornada.
Embriagado pela vitória, esqueceu-se, porém de içar a vela branca em sua entrada de volta ao porto de Atenas, tal como lhe pedira o pai. Em desespero, ao imaginar o filho fracassado, Egeu joga-se ao mar, que tem seu nome. Traído por sua negligência Teseu encontra a cidade devastada pela tristeza. Não lhe bastara a ousadia e esperteza da vitória contra a besta Na jornada do herói existe uma necessidade latente de buscar a si mesmo e de compreender de onde provêm as suas ações. Tudo, cada passo, lhe é pertinente. E fatal. Teseu reconcentrado em si, atira-se, então, ao duro exercício da reorganização da cidade e aí inventa a democracia como uma nova forma de mobilização e governo.
Nossa democracia não exige muitas narrativas, nem recursos mitológicos. Vivemos, aliás, num mundo em que tudo se explica por átomos, células e números. Estórias são vistas como ficções tendenciosas. Ela, a democracia, simplesmente aí está e só costuma ser valorizada quando, mercê das crises políticas, mergulhamos em regimes autoritários. Até o estudo de História está em crise. Tudo se volta para o futuro…Felizmente, as últimas pesquisas demonstram que a grande maioria dos brasileiros prefere a democracia à ditadura, embora alguns a creiam necessária “em alguns casos” (!), num sinal de que ainda flertamos com a ordem imposta.
Resta saber, então, qual o futuro da nossa democracia depois das eleições de 2018?
As opiniões, aqui, estão tão divididas quanto as urnas. Para a esquerda, Bolsonaro é um grande risco à democracia, à vista de seus pronunciamentos ao longo da já longa carreira política como deputado, nos quais enaltece o regime militar de 1964-85 e estigmatiza avanços culturais da Agenda Pós Moderna. É difícil o salto do século XIX para o XXI… Do outro lado, à direita, ao contrário, é Haddad, como representante do PT e de Lula, o maior risco à democracia: o “bolivarianismo”.
Não pretendo equacionar em poucas linhas tamanho conflito de opiniões. Cá tenho eu, a minha própria. Digo, apenas, que o eleitor inclinou-se, por razões ainda a serem reveladas, pela última versão, a ponto de sair em massa para votar não só em Bolsonaro, um político primário, como em seus seguidores em vários Estados,a formando uma bancada federal de mais de 50 parlamentares e impulsionando candidaturas ao Governo de importantes unidades da federação, como Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. O comparecimento às urnas, ao contrário do que se pensava, foi, não só elevado, como estimulado, provavelmente, pelo desejo de liquidar a alternativa de esquerda. A onda conservadora explodiu nas urnas e levou de roldão, com exceção do Nordeste, tanto os partidos de esquerda, como o centro tradicionalmente conciliador, começando pela trituração do PMDB e também o PSDB, para não falar em Ciro Gomes e Marina. Este fato, verdadeiramente inédito, dá o que pensar. A onda bolsonarista tem o mesmo caráter, talvez com sinal trocado, ainda que contraditório, da Revolução de 1930: Pretende soterrar um modelo de privilégios e conluios políticos eivados no regime constitucional de 1988, concertados pelo que se denomina patrimonialismo.
Na verdade, pouco importa se os seguidores de Bolsonaro são fascistas e os de Haddad bolivaristas. O que importa é que se envolvem em processos que acabam produzindo riscos. A consciência crítica deve, então, se perguntar: – Como chegamos a isso…? Ou vamos simplesmente admitir que se trata de uma fatalidade? Ora, a fatalidade está para a Natureza, que é a Cidade de Deus, assim como a responsabilidade está para a Sociedade, que é a Morada dos Homens. Não se culpe, portanto o destino, pelo que nos ocorre. Ele é produto de ações humanas, inclusive suas, nossas. Reconhecer isso é o primeiro passo para a entender a realidade, lembrando sempre da máxima de Disraeli : “Nada na Política é desprezível”. Nem os detalhes, nem os grandes movimentos.
Diante, disso, a espera – como esperança- de milhões, a consumar-se em caráter definitivo no dia 28. Depois, o futuro.