O Papa Francisco nos deixou nesta semana. Pouco antes de sua última internação, no enatando, em fevereiro, ele escreveu um texto que será publicado como prefácio do livro “À espera de um novo começo – Reflexões sobre a velhice”, do cardeal italiano Ângelo Scola, arcebispo emérito de Milão. Aí discorreu sobre a velhice e a morte, e afirmou que não se trata do fim, mas de “um novo começo”.
Eis a íntegra do texto, ontem divulgada pelo Vaticano:
“Li com emoção estas páginas que saíram dos pensamentos e do afeto de Angelo Scola, querido irmão no episcopado e pessoa que cobriu cargos delicados na Igreja, por exemplo, como reitor da Pontifícia Universidade Lateranense, depois Patriarca de Veneza e arcebispo de Milão.
Antes de mais nada, quero expressar meus agradecimentos por essa reflexão que une experiência pessoal e sensibilidade cultural como poucas vezes aconteceu de eu ler. Uma, a experiência, ilumina a outra, a cultura; a segunda fundamenta a primeira. Nesse feliz entrelaçamento, a vida e a cultura florescem com beleza. Não se deixe enganar pelo formato curto deste livro: são páginas muito densas, que devem ser lidas e relidas. Extraio das reflexões de Ângelo Scola alguns pontos de particular consonância com o que a minha experiência me fez perceber. Ângelo Scola nos fala da velhice, da sua velhice, que – escreve com um toque de confiança desarmante – “veio sobre mim com uma aceleração repentina e, em muitos aspectos, inesperada”. Já na escolha da palavra com a qual se autodefine, “velho”, encontro uma consonância com o autor. Sim, não devemos ter medo da velhice, não devemos ter medo de abraçar o tonar-se velhos, porque a vida é a vida e adoçar a realidade significa trair a verdade das coisas. Restaurar o orgulho de um termo muitas vezes considerado doentio é um gesto pelo qual devemos ser gratos ao cardeal Scola. Porque dizer “velho” não significa “ser jogado fora”, como uma degradada cultura do descarte às vezes nos leva a pensar. Dizer velho, por outro lado, significa dizer experiência, sabedoria, discernimento, ponderação, escuta, lentidão… Valores de que precisamos muito!
É verdade que ficamos velhos, mas esse não é o problema: o problema é como se tornar velho. Se vivermos esse tempo da vida como uma graça, e não com ressentimento; se acolhermos o tempo (mesmo longo) em que experimentamos forças reduzidas, a fadiga do corpo que aumenta, os reflexos não mais iguais aos da nossa juventude, com um senso de gratidão e de agradecimento, bem, até mesmo a velhice se torna uma idade da vida, como nos ensinou Romano Guardini, verdadeiramente fecunda e que pode irradiar o bem. Angelo Scola destaca o valor, humano e social, dos avós. Já enfatizei várias vezes como o papel dos avós seja de fundamental importância para o desenvolvimento equilibrado dos jovens e, em última análise, para uma sociedade mais pacífica. Porque o exemplo deles, a palavra e a sabedoria deles podem incutir nos mais jovens uma longa visão, a memória do passado e a ancoragem em valores duradouros. Em meio ao frenesi das nossas sociedades, muitas vezes dedicadas ao efêmero e ao gosto doentio de aparecer, a sabedoria dos avós se torna um farol que brilha, ilumina a incerteza e dá direção aos netos, que podem extrair da experiência deles um “mais” em relação à própria vida cotidiana. As palavras que Angelo Scola dedica ao tema do sofrimento, que muitas vezes se instaura ao se tornar velho e, consequentemente, com a morte, são preciosas joias de fé e esperança.
Ao argumentar sobre este irmão bispo, ouço ecos da teologia de Hans Urs von Balthasar e de Joseph Ratzinger, uma teologia “feita de joelhos”, mergulhada na oração e no diálogo com o Senhor. Por esse motivo que eu disse há pouco que essas são páginas que saíram “do pensamento e do afeto” do cardeal Scola: não só do pensamento, mas também a morte não é o fim de tudo, mas um novo começo dimensão afetiva, que é a que se refere a fé cristã, sendo o cristianismo não tanto uma ação intelectual ou uma escolha moral, mas o afeto por uma pessoa, aquele Cristo que veio ao nosso encontro e decidiu nos chamar de amigos. A própria conclusão dessas páginas de Angelo Scola, que são uma confissão de coração aberto sobre como ele está se preparando para o encontro final com Jesus, nos dá uma certeza consoladora: a morte não é o fim de tudo, mas o começo de algo. É um novo começo, como o título sabiamente indica, porque a vida eterna, que aqueles que amam já experimentam na terra em suas ocupações diárias, é começar algo que não terá fim. E é exatamente por esse motivo que é um “novo” começo, porque experimentaremos algo que nunca experimentamos plenamente: a eternidade.
Com estas páginas em minhas mãos, eu gostaria, idealmente, de repetir o mesmo gesto que fiz assim que vesti o hábito branco do papa, na Capela Sistina: abraçar o irmão Angelo com grande estima e afeto, agora, ambos mais velhos do que naquele dia de março de 2013. Mas sempre unidos pela gratidão a esse Deus amoroso que nos oferece vida e esperança em qualquer idade do nosso viver.
Cidade do Vaticano, 7 de fevereiro de 2025 – Papa Francisco”