Hoje em dia ninguém mais escuta valsas. Por aqui só eu, a Solange C. Borges e a Lourdinha Cardoso… Saíram do repertório levando consigo tangos, boleros inesquecíveis e sambas canção memoráveis, que sorvíamos na juventude com poderosos goles de conhaque nas frias madrugadas das dores de cotovelo. A propósito, cinco dos mais belos destes sambas, pouco conhecidos, foram selecionados pelo crítico Zuza Homem de Melo- recentemente falecido- e serão revividos em podcast na interpretação do músico Celso Jardim (no próximo Programa Farol Literário do dia 18, segunda-feira, 19h, na valedomampitubawebradio.com). Ficarão tocando nesta radio, junto com outras interpretações de músicos locais, num esforço de valorização dos nossos artistas. Isso é o Movimento Torres Além Veraneio em ação…
Voltemos às valsas. Bons tempos. Salões grandes, pares perfeitos e promissores, vestidos esvoaçando nas voltas incessantes contra os ponteiros do relógio, sem perder o giro. Altos saltos nas candidatas ao encontro com o Príncipe Encantado, este no maior capricho de impecáveis fatiotas de casimira e pontiagudos e brilhantes sapatos de pelica. A minha grande valsa foi a Valsa do Adeus no fim do ano de 1961 quando da despedida de Escola de Cadetes, na Redenção. Naquele momento não só nos despedíamos dos estudos militares mas também do prédio que cederia lugar ao Colégio Militar, ainda por lá. Mas havia sido um ano especial em que empunhamos armas em defesa da Legalidade, numa ameaça de batismo de fogo, felizmente suspensa e de grandes tensões no país: Pra mim foi, aliás, o Adeus às Armas. Optei pela vida civil. Mas aquela Valsa extravasava sentimentos e inscrevia-se, já naquele instante, como memória pétrea de uma época.
O Adeus, agora, tem outro sentido. O Adeus da Ford, depois de um século montando carros no Brasil, primeiro importados em grandes caixas, depois de JK, aqui produzidos com o apoio do Estado, que lhes facilitava o ingresso de plantas obsoletas sem o pagamento de obrigações alfandegários mas com direitos de polpudas remessas de lucros, dividendos, royalties e assistência técnica, além da farta entrega de autopeças nacionais para a ensamblage final. Parecia a redenção do Brasil que, com isso, contrariava a lógica liberal de produzir apenas bens primários e dava seu salto à industrialização. O modelo deu certo e, sucessivamente, outras montadores foram se instalando aqui e acolá, sempre com a promessa da irreversibilidade. O mercado sempre foi estreito, resultado do imenso hiato entre o salário médio de um trabalhador brasileiro, ainda hoje na ordem de R$ 2.500 e o preço final de uma carro médio: R$ 50.000. A mesma Ford, na década de 1920 pagava 100 dólares mensais aos seus operário e lhes oferecia o paraíso do Modelo T por um preço final 3 vezes este valor, o que mudou a feição das cidades americanas e o perfil de sua sociedade. Aqui nada deixam a não ser saudades daquele sentimento de que poderia ter sido tudo diferente. E já se anunciam outras debandadas, sobretudo na Zona Franca de Manaus, onde a Sony se despede. A mais desenvolvida fábrica do Brasil, a EMBRAER, faz aviões e se constitui na quinta maior empresa geradora de divisas para o Brasil, está por um fio. Por sorte a Boeing que a havia comprado, devolveu o pacote e, talvez, com isso, ainda possamos manter o ativo. Mas o Brasil, enfim, dança o Adeus à sua Indústria, cujo peso no PIB é declinante. Lamentável, sobretudo quando sabemos que é a indústria o segmento que produz e internaliza progresso técnico e que garante, com isso, maior independência tecnológica e consequente maior densidade de soberania ao país. Voltamos à República Velha, especializando-nos na produção de alimentos bons e baratos para o resto do mundo. Preferimos o caminho mais fácil da expansão da fronteira, não industrial, mas agrícola. Dominamos 60 % deste mercado e ainda assim, isso pouco resulta em mudanças estruturais internas. Vamos devorando florestas, terras férteis e vales irrigados com a mesma compulsão que fizemos no Vale do Paraíba com o café. Depois como dizia um grande poeta, Menotti del Picchia: “Depois…? Depois o nada”. Países asiáticos, Japão derrotado na Guerra, fez outro caminho. Facilitou a entrada de multinacionais dificultando sua saída de forma a incorporar tecnologia, marcas e interesses nacionais no processo. Hoje ameaçam não só a Ford, mas toda a indústria americana. Lá ninguém diz que o que é bom pros Estados Unidos é bom para este ou aquele país…
Há não muito tempo, no Rio Grande do Sul, Olívio Dutra, Governador eleito, declinou da oferta de FORD para instalar-se no Estado, à custa de vultosos incentivos. Foi incrivelmente criticado e esta mesma Ford foi para a Bahia de onde, agora, se retira. A grande imprensa, que o crucificara naquela época, agora diz que ele foi profético. Até porque garantiu na Justiça a devolução de um empréstimo do BRDE que a Ford já havia embolsado. Na realidade, não se tratou de profecia, mas de visão do então Governador, certo dos riscos que significaria embalar-se no sonho extemporâneo dos Anos Dourados. Naquela época, distante da globalização, perdíamos o controle dos investimentos multinacionais mas eles ainda criavam algumas raízes nos solos em que se instalavam. Hoje não, são cada vez mais leves, softs, articulados às oportunidades dos reescalonamentos globais. É vapt – vupt. Da valsa para o bum bum paticumbum… “Tudo o que é sólido desmancha no ar.” Obrou bem , pois, Olívio Dutra. Como dizem os Hermanos: “ Para casar y comer pescado hay que tener mucho cuidado”