Morreu, na madrugada da terça feira (15), aos 90 anos, a atriz Léa Garcia, que seria homenageada com o Troféu Oscarito na 51ª edição do Festival de Cinema de Gramado. Um Festival, aliás, que foi, no seu anúncio, proposto à Municipalidade de Torres pelo Jornalista portoalegrense Luiz Carlos Lisboa que, decepcionado com a rejeição, levou-o para Gramado.
Léa sempre dizia que trabalharia como atriz até seu último dia. Fez-se seu sonho: Uma longa e produtiva vida sempre em meio às artes, até o suspiro derradeiro no Festival de Gramado. O filho e empresário de Léa, Marcelo Garcia, disse que a atriz teve um infarto. Ela chegou a ser encaminhada para o Hospital, mas chegou sem vida. Baluarte da presença da mulher negra no palco e nas telas, dela disse, ontem, outra gigante deste protagonismo, Zezé Motta: “Doce, gentil, talentosa, uma estrela, uma pérola. Precisamos reverenciá-la todos os dias”. Como Rosa Parks, nos Estados Unidos, que se negou a cumprir, muito jovem, as regras do apartheid para o uso dos ônibus nos anos 1950, virando lenda, Léa Garcia foi, aqui, um marco para atuação da mulher negra no teatro e no cinema. SALVE LÉA!
Léa Garcia teve uma história marcante nas artes cênicas no Brasil. Contabilizava mais de 100 atuações, que se iniciaram no Teatro Negro no Rio de Janeiro na década de 1940, incluindo cinema, teatro e televisão. No Festival de Gramado conquistou quatro Kikitos, com “Filhas do Vento”, “Hoje tem Ragu” e “Acalanto”. Teve papéis marcantes em várias novelas da Rede Globo, como “Selva de Pedra”, “Escrava Isaura” e “O Clone”. quando se tornou conhecida e admirada em todo o país e até no mundo, vez que muitas destas novelas foram levadas a outros países. Estrela do filme “Orfeu Negro, em 1960, ganharia o Oscar de melhor filme estrangeiro..
Foi casada com Abdias do Nascimento, quem a descobriu como talento incorporando-a ao Teatro Experimental do Negro – TEN -, que levou ao Teatro Municipal do Rio uma peça clássica toda dirigida, montada e atuada por artistas negros. Este Teatro Experimental foi a porta de entrada de muitos artistas negros no mundo das Artes no Brasil. Um impulso obtido graças às mudanças estruturais em curso no país depois da Revolução de 1930. Lembre-se que, mesmo na Semana de Arte Moderna de 1922, apesar da presença negra na música, nenhum deles foi lembrado. Em 1945 eram Senhores do Teatro Nacional do Rio e lá estava Léa Garcia.
“O TEN reuniu pessoas que não tinham contato anterior com as artes cênicas. A primeira turma chegou a juntar 600 alunos, a maior parte deles vindos da classe baixa e sem escolaridade. Assim, além das leituras de textos e dos ensaios, o grupo deu aulas de alfabetização e de cultura geral. Abdias enxergava nesse contexto uma oportunidade de fazer a população afro-brasileira enxergar a discriminação que sofria e encontrar seu lugar dentro da cultura afro-brasileira como protagonista.
Além da ação artística, o Teatro Experimental do Negro também atuou nas frentes sociais. Como defesa da mulher negra, criaram a Associação das Empregadas Domésticas e o Conselho Nacional de Mulheres Negras. Constantemente inferiorizadas, estas mulheres receberam pela primeira vez a chance de questionar as condições de trabalho que lhes eram impostas. Nas palavras de Abdias: “Teve muita “madame” que se aborreceu (…) nós estávamos botando minhocas nas cabeças de suas empregadas”. Era o empoderamento de uma classe que, historicamente, sempre teve seu protagonismo escanteado.”
Protagonista e fruto deste amplo movimento que trouxe à tona das artes cênicas a marginalizada comunidade negra, Léa atuou até seus últimos dias como um símbolo. Sai dos palcos da vida para o firmamento do Imemorial Patrimônio das Artes no Brasil.