Homenageio com Débora Fernandes (que conjuntamente comigo assina este texto, ambos enlutados), a partida do grande amigo Bento.
Faleceu, na terça feira, dia 21 passado, BENTO BARCELOS DA SILVA, marisqueiro autêntico e orgulhoso de suas origens em ancestrais escravos. Falava de sua mãe, Dona Cota, com carinho raro, ressaltando seus valores morais, como se ali ela estivesse. Durante 50 anos trabalhou na Meteorologia, a serviço do Ministério da Agricultura, função que acumulou como exímio eletricista. Ganhando a vida como jornaleiro interessou-se, desde cedo, pela leitura e tornou-se, sem exagero, num dos mais ilustrados moradores de Torres. Lia tudo que lhe caía nas mãos, não sem deixar, neste percurso, as lacunas da Escola da Vida. Ultimamente, porém, vinha juntando as peças salteadas ao longo do tempo e alcançando uma maturidade cultural invejável. Dava especial atenção em seus estudos, que culminaram na publicação de dois livros, aos personagens anônimos da cidade, seus causos e lendas , que ouviu e presenciou, tornando-se “O Escriba”. O resultado foi reconhecido por tantos quantos os leram, muitos que por aqui aportaram de trânsito, verão, ou interesse histórico. Bento virou referência, sem nunca perder sua simplicidade comovente. Era um contador de Histórias nato, apesar de modestamente dizer que contava mal. Aqueles que o ouviam se encantavam e lhe deram a alcunha de Griô Bicuíra das Torres. Testemunho de seu prestígio na terra foram as copiosas chuvas que os céus lhe tributaram na despedida.
Torres, enfim, perdeu um de seus melhores homens, sua família perdeu na carne um zeloso protetor , seus amigos perdem uma fonte de inspiração difícil de ser recuperada. Foi o Pai severo e misericordioso. Foi o Filho na sua cruz. Foi o Espírito que os ventos espalharão pelos tempos em sua memória.
Como cidadão Bento foi a consciência da comunidade que aponta para a importância do império da Lei e da Justiça. Compreendeu bem a máxima de que há que se ser servo da Lei para se ser verdadeiramente livre, sem fazer concessões aos modismos que imaginam a liderdade como um bem absoluto. E compreendeu, também, que por ser o Estado o habitat da Lei era mister mobilizar seu povo no interesse da Política, pois esta é o veículo de um e outro. Foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores em Torres e ousou candidatar-se, dando o exemplo, a vereador e depois, a Prefeito. Frutificou. Pouco tempo depois este Partido elegia uma Prefeita.
Como chefe de família Bento estendeu seu espírito de fraternidade com verdadeira paixão a todos que o cercavam. Amou profundamente a esposa Iara, a filha Elisa, a neta Joana, sem esgotar-se neste círculo. Uma paixão cevada desde tenra infância na luta pelo pão diário, colhido naquele tempo nas encostas praianas, que se redistribui em atenção e carinho a todos que o rodeavam. Jamais fez da fome que passou um ressentimento contra terceiros e só lamentava que muitos dos meninos que o acompanhavam nas agruras da juventude se tivessem distanciado tanto daqueles tempos encastelando-se em empreendedorismos cegos.
Como fonte de sabedoria Bento deixa seus pares interessados na importância da cultura além veraneio sem seus questionamentos. Ficaram órfãos nas várias frentes que teimosamente impulsionam na cidade: as artes, as letras e o cultivo do espírito. Foi ele um esteio de várias iniciativas, a última delas a que levamos adiante durante dois anos: a CASA DO POETA DE TORRES.
Pranteando, pois, sua partida, registramos nosso tributo, nesta crônica, para registro da História de Torres, à qual ele, como também seu saudoso irmão João Barcelos, tanto contribuíram A Nação do Sol era a sua terra de tantas riquezas mas pouco compreendida; via o longe que os homens do Poder enxergavam, e isto era fonte de sua tristeza. Citava frequentemente, referindo-se a Cristo, que o crime do filho do carpinteiro, foi pregar que: “Aquele que diz que Me ama, mas não ama ao seu próximo, é um mentiroso”. Bento não foi um mentiroso, pois amou a todos nós e àqueles que estavam excluídos trazendo-os ao lume na História.