Foi-se o janeiro, ficaram suas brumas na lama que soterrou em torno de 400 pessoas, a maioria jamais com direito à honrosa sepultura no cemitério de Brumadinho. A cidade, aliás, virou cemitério e o que todo mundo se pergunta é: Como foi possível?
Soube-se, desde os copiosos noticiários que relataram tragédia semelhante em Mariana, que estas barragens, sejam de rejeitos de minério, sejam de água para irrigação ou abastecimento de homens e animais, somam-se às centenas no Brasil. Lamentavelmente, todas elas construídas em torno de 50 anos atrás, com uma tecnologia em escada a montante, considerada totalmente superada. As barragens das mineradoras são feitas com a própria lama sedimentada da lavagem. Um risco. Todas elas sujeitas a um controle das próprias empresas, ou seja, por raposas famintas de lucros e dividendos para sócios e executivos. Consta que o Governo Federal até editou uma Medida Provisória tentando reforçar a fiscalização mas a mesma caducou sem sequer ter sido apreciada pelos excelentíssimos congressistas.
Diante da tragédia, espoucam promessas e ações do Ministério Pública à caça de responsáveis. Não faltou desta vez a prisão de três engenheiros que teriam assinado um laudo recente sobre Brumadinho assegurando garantia de risco. Quase o mesmo aconteceu no caso de Mariana, de impacto humano menor mas de consequências horrorosas sobre o Rio Doce e sua foz atlântica. E ninguém pagou pela irresponsabilidade. Não creio que vá mudar agora. Aliás, tenho sempre defendido que nosso Brasil carrega uma vida pública viciada há séculos e que não mudará por um passe de mágica. Isso é tarefa para o desenvolvimento de longo prazo, para os avanços no campo da educação, do emprego, da informação e da renda familiar.
Ouvi, a propósito, o pronunciamento do Prefeito de Brumadinho. Lamentável. Lembrou-me o pronunciamento do Prefeito de Santa Maria, quando da tragédia da Boate Kiss: “Não tenho nenhuma responsabilidade sobre o ocorrido”. Nem foi arrolado. Até subiu na carreira política…
Um Prefeito , porém, mesmo diante de uma Usina Nuclear, tem responsabilidades concernentes ao Código de Edificações do Município. Afinal, é a Prefeitura que concede o ALVARÁ DE FUNCIONAMENTO. Como justificar, então, o Alvará da Unidade de Brumadinho, composta não só da barragem, mas de inúmeros prédios de Administração e Refeitório, situados, todos, debaixo da mal escorada cortina de lama?Cortina que desabou devorando tudo pelo caminho à velocidade de 70kmh, numa altura que chegou a 10 metros. Oressa! Todas as autoridades públicas, de cima abaixo, começando pelo Ministro do Meio Ambiente, passando pelo Governo de Minas e Prefeitura são responsáveis por Brumadinho, sob a responsabilidade corporativa maior da VALE DO RIO DOCE, dona do empreendimento.
E como a gente sempre põe as barbas de bolha quando vê as do vizinho arder, fica aqui a advertência sobre as barragens de Cachoeira do Sul e Pelotas, destinadas ao abastecimento, ambas consideradas sob alto risco.
A tragédia de Brumadinho, enfim, chamou a atenção para as questões ambientais, muitas vezes consideradas como impeditivas ao desenvolvimento, senão derivadas de um algum discurso contestatório. O Brasil foi o berço da consagração do conceito de desenvolvimento sustentável quando da realização da RIO 92, que reuniu quase duas centenas de Chefes de Estado na Cidade Maravilhosa. Desde então, no mundo inteiro instituições públicas e privadas, empresas e universidades se voltam à busca de tecnologias que compatibilizem eficácia do crescimento com preservação de recursos naturais e redistribuição de benefícios. Não podemos, no Brasil, que é vanguarda destas iniciativas, voltar atrás a conceitos e processos cujos resultados são os buracos na estrada e os flancos na sociedade.
Teremos pago um preço caro pela advertência de Brumadinho, mas, certamente, ajudará a nos colocar no caminho certo da sustentabilidade responsável.