Quando M. Mac Luhan lançou a ideia da Aldeia Global que acompanharia, depois dos anos 90, a Globalização, o mundo parecia navegar rumo ao Paraíso. Os últimos 30 anos, porém, demonstram que estamos num beco sem saída. Ao holocausto nuclear, cada vez mais próximo, pela quantidade de ogivas circulando nas mãos de inúmeros senhores da guerra, soma-se agora a perplexidade da própria civilização diante, de um lado, da crise ambiental mundial, de outro , pela embriaguez tecnológica da informação. As pessoas já estão tão cansadas dos contatos virtuais e se voltam aos Centros de Convivência em busca de contatos físicos. 4O anúncio de que até os sites de relacionamento são alimentados em 75% por perfis inventados, frustra os que os procuram. A internet e a disseminação das Redes Sociais mudaram completamente os mecanismos de interação entre pessoas e sociedades. A Inteligência Artificial, aí, vai ocupando, cada vez mais o lugar da informação criteriosa. Sumiram os guardiões da verdade, como Universidades e Mídia Corporativas, reduzindo a família no último reduto da confiabilidade. Se o púlpito na Idade Média e em sociedades tradicionais formava a Opinião Pública e os Meios de Comunicação de Massa o fizeram no século XX, hoje são os algoritmos dirigidos pela alta matemática que orienta o que cada um pensa, levando a sociedade a se abrigar em tribos tão estranhas entre si, quanto isoladas.
A Aldeia ‘tribalizou-se’ em núcleos altamente tecnificados a um passo do colapso da sociedade humana. Um artigo recente, de Marcelo de Azevedo Granato – ‘Efeitos da desinformação digital vão além da eleição’, explica: “Atualmente, tanto imagens, vídeos e falas verídicos quanto imagens, vídeos e falas inverídicos são obstáculos à compreensão do eleitor acerca do que é real. Isso tem claras implicações no que se refere à sua liberdade política, valor primordial da democracia”.
Essa liberdade supõe que a opinião política de cada um possa se formar sem distorções. Um voto baseado em informações duvidosas ou inverídicas é um voto consciente apenas num sentido restrito, e uma campanha eleitoral que se valha dos instrumentos tecnológicos citados aqui para alterar ou obscurecer a verdade dos fatos atua contra a livre escolha do eleitor. Aliás, não só atua contra essa livre escolha, como deixa de lado aquilo que poderia interessar prioritariamente ao eleitor, isto é, as ideias e os programas dos candidatos.
A questão vai além da esfera eleitoral. Afinal, uma sociedade em que mal se consegue distinguir imagens ou falas verdadeiras de imagens ou falas falsas (de conteúdo político ou não) tende a ser marcada pela desconfiança. Uma ampla desconfiança, que alcança(rá) não só as instituições públicas, como o Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional ou as Forças Armadas, mas também os próprios cidadãos”.
Já estávamos nos acostumando à ideia, plantada por Freud, criador da Psicanálise, de que não somos senhores da nossa consciência: “O homem é refém de uma razão que sua própria razão desconhece”. Agora descobrimos que a Opinião Pública, que é uma espécie de consciência coletiva, tampouco é o resultado médio das opiniões pessoais. Ela é, como o indivíduo, refém que sua própria “opinião” desconhece. O resultado, uma espécie de alienação orgulhosa de si mesmo em nome de uma liberdade manipulada. A velha expectativa de uma democracia digital acabou nas mãos dos donos das grandes plataformas…
Há algumas décadas, o escritor americano William Faulkner afirmou, ao receber o Prêmio Nobel de Literatura, que não admitia o fim do homem. Outro escritor, este de ficção científica, também há alguns anos, Arthur Clarck, nos brindou com um belo título: “A Cidade e as Estrelas”. Neste livro as cidades crescem verticalmente deixando o mundo natural, abaixo, com seus primitivos habitantes, cada vez mais esquecidos. Já ninguém mais os distingue, nem os vê. São esquecidos. Estaríamos chegando nas “Estrelas” de Clarck?