Todos os que vivem no litoral oceânico, mesmo nos mais tranquilos, sabem que, de uma hora pra outra, sem qualquer aviso dos astros ou da lua, vem um “ondão” que varre tudo pelo caminho. Aqui em Torres, distante das áreas de tsunami, nos conta Bento Barcelos, num de seus belos livros de contos, quimeras e ficções, um caso desses. Ele testemunhou. A maré entrou fundo no Mampituba e teria feito até vítimas. Mas a vida, como o mar, vem em ondas. Isso quando não vira mar mesmo. Lembram daquela velha canção que nos fala que o mar virou sertão e o sertão virou mar? Assim é tudo no mundo. Feito das várias temperaturas e movimentos do caos, aos quais os ditos normais se adaptam, virando planetas mansos e criaturas abençoadas e os doidos endoidecem ainda mais querendo arrumar a casa.
De repente, aqui no Brasil, em meio à pandemia, à crise econômica e pândegos investidos em funções públicas, e nas quais homens ponderados e engravatados pelo centrismo procuravam cavar um lugar ao sol nas eleições de 2022, um Ministro do Supremo anula os quatro processos de Lula na Lavajato, e outro Ministro, leva à consideração de seus pares, uma sentença definitiva sobre a República de Curitiba: A parcialidade do ex- Juiz Moro nos processos contra o PT e contra Lula, aproveitando-se do feito para virar Ministro da Justiça do concorrente beneficiado por suas decisões. Pronto! Caiu o mundo. Bolsonaro acusou e golpe e saiu em campo com seus baby- bolsos fazendo arminha com a vacina contra o COVID. E Mourão não vacilou: -“Se o povo quiser, Lula volta.” Com efeito, Lula viera à tona, na quarta virtuosa, como são todas as quartas, dia 10 e “falou à Nação” numa cadeia voluntária dos grandes veículos de Mídia.
Lula fez um pronunciamento histórico de excelente nível demonstrando amadurecimento e sabedoria. Mostrou-se como um protagonista internacional, como uma estadista da República e como um líder popular. Não fechou portas ao diálogo com adversários, empresários e outros parceiros da esquerda, marcando, sempre, a forte hegemonia do PT entre as forças progressistas desde 1989. Sem deixar de falar sobre temas gerais centrou sua atenção na pandemia aliando=se aos defensores das medidas preventivas do distanciamento e uso de máscara, como da urgência da vacinação. Minha única ressalva seria no tocante aos desafios energéticos diante da crise dos combustíveis fósseis e meio ambiente em geral.
Além das repercussões no Governo, a dicção do Ex presidente repercutiu entre políticos e empresários. O Presidente da Câmara, Artur Lira, já se havia manifestado logo depois da anulação do processo contra Lula na Lavajato: “ Lula ainda tem perdão. Moro não!” Explica-se: A lavajato nunca foi popular no Congresso…Para não se comprometer tanto poderia ter usado uma máxima mais neutra: “ Mais vale um criminoso solto do que um inocente preso”. Já entre os empresários, mesmo admitindo preocupação com o VOLTA LULA! destacou-se a posição de Luiz Stuhberger, criador da Verde Asset um dos maiores fundos de investimento no país, amplamente divulgada, acalmando os espíritos mais espinhados ao dizer preocupados com o “risco – Lula”. Justifica ele: Não há perigo. Se e o Ibovespa for para os 50 mil pontos estará desenhada uma “oportunidade de compra”; caso Lula vença o pleito, o Congresso não iria se curvar a ele como fez em 2003 e a revogação das reformas de Michel Temer aprovadas pelo Congresso seriam mais difíceis; “Caso Lula reverta as reformas, haverá uma espiral inflacionária, uma deterioração das expectativas econômicas e uma maior tensão da população, podendo culminar no impeachment, que é tudo o que Lula não quer”. Ou seja, Lula, para ele temerá mudanças radicais.
A verdade é que estamos entrando no outono. As manhãs frescas já recomendam trocar as roupas do armário e ir trocando o chopp pelo vinho. E os novos ventos – sempre o Rodeio dos Ventos, lembrando Barbosa Lessa que nos deixou justo no dia em que escrevo esta coluna, a 11 de março de 2002 – trazem novidades à conjuntura. A esquerda exulta, o centro se preocupa e a direita, enfim, se exaspera. O povo? Ora o povo está onde sempre esteve. Enquanto sobrevivente, com medo e esperança diante da realidade. Se o medo prevalecer, vota na direita. Se a esperança se disseminar, o contamina, e vota no Lula. Voto é afeto. Assim é o mar, assim é a vida. Viver é difícil e perigoso porque tudo muda. Difícil parar em pé e ver a tal de verdade, sempre reduzida a certezas incertas. Haja coração!