DEMOCRACIA NA CORDA BAMBA

"Queremos uma democracia de iguais a nós e mal sabemos que isso é justamente o que ela não é. Democracia, mais do que o voto na urna no próximo dia 15 de novembro, é um regime de convivência entre diferentes que não só se toleram, mas se respeitam." (Por Paulo Timm)

23 de setembro de 2020

Entramos na primavera debaixo do Equador. Pouco antes disso à espreita de dias mais longos e luminosos, celebramos, no último dia 15 (set), o DIA INTERNACIONAL DA DEMOCRACIA. Muitos se perguntaram, na ocasião, se teríamos mesmo algo a celebrar, seja no Brasil, seja no mundo. Nas respostas, polarizam-se pessimistas versus otimistas. Para estes, a democracia avançou no século XX com a disseminação de regimes constitucionais eleitos, generalizando-se como forma de governo melhor do que as autocracias absolutistas.  Ela melhorou as condições de vida em vastas áreas do globo e ampliou os marcos das liberdades públicas e pessoais. Dão como prova o tão incrível quanto inédito crescimento da população de 1,2 bilhão em 1900 para 7,8 bilhões no ano 2000. Apontam como responsáveis por este êxito o aperfeiçoamento das duas instituições básicas da modernidade democrática: O Estado, como habitat da Lei e lugar de fermentação de ideais humanitários e o Mercado, como centro de produção de bens e serviços e lugar de incorporação da eficiência com base na livre iniciativa.

Já os pessimistas, céticos, nada veem nisso tudo, senão a perpetuação da grande miséria humana, medida em corpos suplicantes, sempre distante dos centros de poder e de consumo. Sustentam que a democracia não passou de um invólucro enganador, embora não se furtem, quando possível, ao jogo eleitoral como forma de acumulação de forças rumo à novas experiências sociais. E aí, não raro, descobrem dividendos positivos nesta convivência, presentes na abertura do espaço público à maior participação popular e, consequentemente, à ampliação da caixa de ferramentas estatais ao campo das Políticas Sociais de gosto popular. Acabam, inevitavelmente, se dividindo. Faz parte de sua própria história.

Ultimamente, porém, todos, ou quase todos, se mostram preocupados com a erosão da democracia, reeditando um estado de espírito já vivido nos anos 1920/30. Vários livros tratam disso. Parece haver um descrédito nas possibilidades deste regime em oferecer alternativas concretas para a reorganização, tanto de um Estado desgastado pelos sintomas da decadência do homem público a serviço de terceiros, quanto pelo corporativismo de seus quadros em benefício próprio, além de um Mercado crescentemente dominado por oligopólios financeiros, incapazes de redinamizar a capacidade concorrencial das empresas. Naquela época, a crise da democracia desembocou na radicalização acima apontada, alimentando, pela direita o nazi-fascismo de Mussolini e Hitler e, pela esquerda, os ideias revolucionários que desembocariam nas explosões de1917, na Rússia, 1949 na China e em 1959 em Cuba. Agora, diante de uma verdadeira pulverização da esquerda depois da queda da União Soviética, segmentada, ainda, pela introdução de agendas ditas identitárias, o desmerecimento da democracia ganha corpo à extrema direita. A Hungria de Oban, a Turquia de Erdogan, Trump e Trumpete nas Américas o demonstram. Embora derrotadas, forças equivalentes se fortalecem na França e na Alemanha e Áustria, alimentadas, paradoxalmente, por eleitores de áreas industriais decadentes, antes inclinados à esquerda. Na Polônia, o famoso “elo mais fraco” da antiga Cortina de Ferro ocorre o mesmo, a ponto de ter exigido uma drástica intervenção da União Europeia para evitar uma severa mudança no sistema de justiça do país. Do “outro lado do mundo”, isto é, dos antagonistas abertos das democracias ocidentais, as quais acusam de falidas, na China, Coreia do Norte, Rússia, Cuba, Irã, Síria e na Venezuela,as esperanças de maior abertura se esvaem.  Seus líderes não se cansam de cerrar as janelas de seus modelos à maior e mais diversificada participação popular em seus respectivos Governos.

No Brasil as recentes pesquisas dizem que tem aumentado a preferência pela democracia sobre alternativas autoritárias mas, paradoxalmente, apoiamos ideias e candidatos com ideias que a desautorizam, com discurso fortemente segregacionista contra uns e outros que pensem ou ajam fora do “cânone” da Boa Sociedade. Não somos, portanto, apenas o país dos jabotis e jabuticabas, mas também do paradoxo: Odiamos o “Outro”, só porque tem pele de outra cor ou olhos puxados, ideias e comportamentos não convencionais, adora outros deuses ou mesmo nem os tem, tem comportamento sexual “condenável”, ou simplesmente porque é pobre ou iletrado ou “retirante”. Queremos uma democracia de iguais a nós e mal sabemos que isso é justamente o que ela não é. Democracia, mais do que o voto na urna no próximo dia 15 de novembro, é um regime de convivência entre diferentes que não só se toleram, mas se respeitam. Por isso acaba sobrevivendo como ideal através do tempo. A democracia é uma utopia em eterna construção. Vamos celebrá-la convenientemente. Em Torres cinco candidatos a Prefeito disputam. Pense bem e escolha o seu.




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