DEMOCRACIA OU SINARQUIA?

"Estamos condenados ao que contemporaneamente denominamos 'judicialização' da Política, mas também da vida cotidiana. (PAULO TIMM)

23 de setembro de 2017

 

Desde  Thomas Hobbes, no século XVII (1588 – 1679) , que afirmou no “Leviatã” ser o homem o lobo do homem, mas, sobretudo depois de Freud (1856 –  1939) , com o “Mal Estar da Civilização”,  sem falar na obra do filósofo Michel Foucault, virou  um truísmo dizer-se que o preço da civilização é a repressão. Foi-se o tempo em que se acreditava na boa índole do bom selvagem de Jean Jaques Rousseau, o baluarte da esquerda moderna. Entre eles, outro autor se tornaria uma referência obrigatória aos estudiosos das relações do homem em sociedade: Cesare Beccaria. Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria  ( 1738, Génova, Itália -:28 de novembro de 1794),um aristocrata milanês, é  considerado o principal representante do Iluminismo Penal.  Qual a conclusão, um pouco paradoxal, de suas reflexões presentes num livro clássico dos criminalistas – “Dos delitos e das Penas” – ? Quanto mais a humanidade se civiliza, mais aumenta o número dos “criminosos”, aqueles que, de uma ou outra forma, ferem  as normas legais. Daí  estarmos condenados ao que contemporaneamente denominamos “judicialização” da Política, mas também da vida cotidiana.

Em que consiste a judicialização da Política?

Trata-se de um deslocamento do poder regulatório da vida em sociedade do Legislativo, que deveria, segundo a fórmula da divisão tripartite dos poderes supostamente independentes e autônomos, formular as regras da convivência, para os tribunais. Maiores informações acesse e leia “ A Judicialização”

Há, como sugeri acima, inúmeras razões que explicam este processo, hoje universalizado.

Primeiro, a inevitalidade da presença crescente do Estado, como instância superior da Lei, na regulação das sociedades desenvolvidas e complexas, aí relevando o Poder Judiciário como instância superior na interpretação dos códigos.   O libertarianismo ou neoliberalismo tenta, em vão, voltar atrás desta tendência, pregando a ideia de um Estado Mínimo que não só preserve o direito inalienável à intimidade de cada um, sem interferências externas, como a ampla liberdade de seus movimentos na sociedade, particularmente no tocante à vida econômica, no sendeiro da mâo invisível que produziria cada vez maiores riquezas para todos. Tarefa inglória.

Mas há fatores conjunturais que excitam a judicialização. Dentre eles o que se refere ao declínio da democracia nas últimas décadas, com o descrétido cada vez maior de suas instituições, sobretudo políticos, partidos e câmaras legislativas. Nem a esquerda escapou a esse escrutínio, ao sair do confronto nas ruas para as disputas parlamentares. No Brasil, então, chegamos ao limite crítico deste processo: Executivo e Legislativo estão no fundo do poço aos olhos da cidadania. Judiciário, não tanto. Até porque ele é sempre um recurso individual na defesa de supostos direitos, enquanto autoridades governamentais e políticos estão sempre muito distantes deste processo. Quem de nós já não passou por uma ação trabalhista ou um recurso contra uma cobrança exorbitante? Não por acaso o Brasil é um campeão internacional de ações judiciais, com mais de 100 milhões de causas. Paradoxalmente, é o  Poder Judiciário  o herdeiro mais encastelado do velho bacharelismo dos tempos coloniais, hoje transformado numa verdadeira casta privilegiada no âmbito da República. Mas, no fracasso  da Política, como instância decisória, cindida pela polarização ideológica e outros interesses inconfessáveis, o Judiciário acaba acumulando funções moderadoras sobre o destino do país. Isso quando não saneadoras das profundas máculas do processo político, como o prova a Operação Lava Jato.

O preço desta Judicialização, entretanto, pode se tornar muito alto. Primeiro, porque juízes e promotores não detêm qualquer mandato representativo. Não têm legitimidade para conduzir a sociedade. São alçados aos seus cargos como qualquer outro servidor público, inclusive militares,  através de um sistema de mérito pessoal sobre disciplinas de ofício. Sem as virtudes e alcance dos políticos como instrumentos de administração dos conflitos, juízes e promotores tendem o operar decisões com base na letra da Lei, muito mais do que sobre seu “espírito”. Não detêm, sobretudo a formação para tratar de assuntos complexos de ofício de outras Ciências, tanto exatas como humanas. Como justificar, por exemplo, que um Juiz contrarie o Conselho Federal de Psicologia no tocante à “cura gay”? Ou que decida qual a fonte de energia melhor para a sociedade?

Finalmente, a judicialização acabará transformando o próprio Judiciário numa arena de acirradas disputas, como já se está assistindo, no Brasil. Cairá, também,  em desgraça…

É tempo, pois, de voltarmos a refletir sobre o que desejamos para nós: Uma democracia forte como expressão das opiniões e da vontade populares ou o que Platão, na sua obstinação ao saber já apontava como o melhor caminho da governança, a fina e  fria sinarquia?

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