GUERRA À VISTA!

"A guerra não é um mero fato, ou sucessão deles. É sempre o produto de uma trama quase inextricável de interesses contraditórios de distintas nações que, incapazes de solucioná-lo pelo diálogo, vão às armas".

Situação da Ucrânia (que ao sul já teve a cCrimeia anexada pela Rússia (FONTE: WikiCommons)
25 de fevereiro de 2022

A Inteligência americana está de parabéns. Desta vez, depois de dizer, há semanas, que a invasão russa sobre a Ucrânia era iminente, ela, afinal, aconteceu. Devem estar festejando…. E está acontecendo como ocupação militar, visando  à derrubada do Governo  Zelenski, pró Ocidental, em nome da segurança da Rússia, que protesta pelo seu direito à uma tradicional área de influência, no caso acentuada pelos laços históricos entre os dois países.

A Russia nasceu em Kiev, livrando-se, no século XIV, da dominação mongol que, contudo, deixou fortes vestígios no povo russo. Populações originárias na região russa, oriundas da expansão “sapiens” há mais de 100 mil anos, foram engrossadas no século IX da era cristã pelos vikings que desceram do norte da Europa, vindo a mesclar-se com os tártaros. Àquelas alturas, o povo russo já começava a se alinhar à Constantinopla desembocando na forte  influência da Igreja Ortodoxa que ainda hoje domina  sua  cultura religiosa (O Cisma do Oriente -1054 – ocorreu na época do Império Bizantino). Porém, muito antes, no ano de 867, ocorreu uma tentativa com o mesmo objetivo, no episódio em que Inácio, então patriarca da Constantinopla, foi deposto e acabou sendo substituído por Fócio, um erudito leigo. Algo parecido, do ponto de vista territorial,  aconteceu com Portugal e um lugar na Espanha, conhecido como Finisterra, na Galícia. Eram, Península Ibérica e Rússia,  extremidades nas quais as migrações estacionavam e se acumulavam diante do mar, fazendo-os navegadores, caso do Atlântico no Ocidente, ou das estepes, ao Oriente, fundindo numa só Nação povos de rara índole guerreira.

Consumada manu militari a ocupação da Ucrânia, resta-nos, em lugar da tradicional ladainha a favor da paz, platitude  contra a qual nenhuma consciência, por mais crítica que seja, tem o direito de contestar, algumas reflexões. Lembremo-nos que a primeira vítima de qualquer guerra é a verdade.

Primeiro sobre amizades e interesses. A amizade é uma pérola cultivada do amor que nutre a relação entre pessoas. Estados, porém, não cultivam amizades, mas interesses. Importa identificar quais os interesses em jogo na questão ucraniana para saber quais os nossos interesses, do Brasil, neste processo.

Segundo, disse-o acima. A guerra não é um mero fato, ou sucessão deles. É sempre o produto de uma trama quase inextricável de interesses contraditórios de distintas nações que, incapazes de solucioná-lo pelo diálogo, vão às armas. Para conhecer nossos interesses na Guerra da Ucrânia há que identificar com melhor clareza o processo que levou à fase atual.

Este processo tem elementos objetivos e elementos subjetivos, dentre os quais a personalidade autoritária de V.Putin, que reina  num país sem as tradições institucionais e libertárias do dito Ocidente. Mas não se resume a isso, tal como a Guerra do Paraguai não foi uma consequência do caráter de Solano Lopes, nem a II Guerra o fruto do lunático Hitler. Os elementos objetivos em pauta, hoje, se referem à crise do desenho geopolítico do mundo, depois do fim da União Soviética, em 1991. Os Estados Unidos se converteram em Senhores do Mundo, num momento em que a própria economia alcançava, com a revolução da telemática  à uma escala digital global, sob a égide de poderosas corporações financeiras. A euforia foi tão grande que um autor proclamou “O Fim da História”, reiterando a máxima, antecipada pouco antes pela conservadora Margareth Tatcher “ There is no Alternative – TINA “ ( não tem mais alternativa).

No vértice desta avassaladora hegemonia mundial emergiu, inclusive, em 1989, o “Consenso de Washington” , como uma receita de bolo à governança do mundo inteiro, apontando para outra máxima “O Estado é o problema, não a solução”. Mas, por precaução ou interesses, o braço armado destas máximas, a OTAN, criada para deter o comunismo, não se dissolveu. Converteu-se em protagonista político de interesses americanos. Não contavam, porém, os americanos com duas coisas: 1. A emergência de um polo confrontante, com epicentro na China como potência tecnológica e econômica, capaz de polarizar descontentamentos regionais aos quais se aliam , como Rússia, Síria, Irã, com projeções já na África e América Latina.; 2. Agravamento de tensões internas que desembocaram na crise financeira de 2008, com reflexos sociais  em decorrência da tendência concentracionista do emprego e da renda, que estão levando à corrosão da democracia ocidental. Estes fatos convergem, hoje, para a crise do sistema mundial de poderes abrindo espaços para novos agentes. A ação da Rússia, enfim, não é uma loucura de Putin, mas manifesto protagonismo de seu país, que desde o início da Idade Moderna tem forte presença mundial,  contra a hegemonia dita ocidental que se vende na Academia e na Mídia como “Comunidade Internacional”. Enfim, não há um só universo. Há diversos, todos equivalentes, à luz das potencialidades históricas.

Isso posto, hora de convocar a inteligência nacional para uma ponderada avaliação da conjuntura nacional, à vista, sobretudo das eleições gerais daqui a poucos meses.




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