Entre tesouras de ventos abespinhados que empurram chuvas de granizo pelos campos e os primeiros sóis da primavera que banham peles amaciadas pelo inverno, entramos em outubro. Um mês sóbrio. Equilibrado, mesmo com o descompasso das intempéries. Jamais imagino que o apocalipse possa nos colher num mês de outubro. É como as quartas feiras. Cheio de lembranças e promessas. A natureza do lado de cá do Equador, mesmo na hipótese de que a Terra seja plana , agradece.
Escrevo esta coluna justo no dia 03 de outubro e, de relance, relembro as eleições gerais que costumavam a acontecer neste dia. Ainda hoje ficam elas escaladas para o primeiro domingo depois desta data. Era eu menino, estudante do Colégio Júlio de Castilhos, em Porto Alegre e já me via envolvido em campanhas eleitorais. A politização republicana precoce, audaciosa -e , às vezes, radical- , era uma característica daquele educandário, numa espécie de tributo a quem lhe conferia o nome.. Culpa disso foi meu grande amigo João Alberto Pratini de Morais, também aluno do Julinho, cujo pai, Dr. Adail Morais, era um político estadual consagrado e eterno candidato. Lá ia eu, convocado, a colar cartazes e distribuir santinhos do circunspecto Dr. Adail, da facção juscelinista do velho PSD, então dividido no Rio Grande pela defecção dos mais conservadores que se iludiriam com Jânio Quadros. Corria a década de 1950 e, na verdade, as novas gerações já pouco falavam na Revolução de 1930 e sequer sabiam que o dia das eleições, 03 de outubro, fora escolhido precisamente para celebrá-la como o umbral do Brasil Moderno. Mas eu, sempre curioso com a História, logo aprendi: Na madrugada de 03 de outubro de 1930, o Governador do Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas, que havia concorrido à Presidência numa chapa contrária à da Velha República do Café com Leite, alusão ao eixo dominante de São Paulo e Minas Gerais durante os anos 1889-1930, com as forças políticas rio-grandenses pacificadas e sólido apoio da jovem oficialidade do Exército, coloca-se à frente da briosa Brigada Militar, domina, com pouquíssimas baixas, as forças leais ao Governo Federal em Porto Alegre e ruma para a tomada do Poder no Rio de Janeiro. Lá se consagraria como o estadista do século no Brasil. Desde o fim do Império a sociedade brasileira, numa rara empatia entre dissidentes da classe dominante, expoentes da classe média emergente, sobretudo na capital do país, que já beirava o primeiro milhão de habitantes, mas também em São Paulo e algumas capitais, num país de pouco mais de 10 milhões de almas dispersas pelo imenso território rural, e populares, principalmente escravos e negros que lutavam pela Abolição, agitavam-se em defesa de reformas. Não se tratava de um Programa claro de grandes transformações. Sabia-se mais o que não se desejava, dentre outros a monarquia sonolenta, a falta de inovações na economia e o corrompido “bico de pena” do processo político, do que se queria. Veio a República em 1889, trouxe algum alento à economia e uma pequena mudança de quadros na Política Nacional, mas nada mudou. Na década de 1920, o Presidente Artur Bernardes, teria que manter seu mandato sob Estado de Sítio para poder governar, tal o nível de agitação, sobretudo nos quartéis. Lembre-se dos “18 do Forte” e da “Coluna Prestes”. Este clima foi adensando e culminou na Crise da Bolsa de 1929, quando a economia do mundo inteiro veio abaixo. Na crista destes acontecimentos, emerge a Revolução de 1930. Vitoriosa, mudou o Brasil. Saímos da condição de um fazendão oligárquico exportador de café e açúcar, para, ao largo de 50 anos, nos tornarmos uma das dez mais industrializadas e poderosas nações do mundo, graças a uma taxa de crescimento de 6,5% a.a. Até sonhamos em ser uma Grande Potência. No ano 2000 chegamos a perto de 200 milhões de brasileiros, um ativo que nos coloca com uma importância simbólico-cultural, política e econômica estratégica. Claro que não fizemos isso sem traumas ou grandes problemas. Mas fizemos.
Revejo, agora, os vídeos do último Rock in Rio e me regozijo em perceber que estamos no centro da Sociedade do Espetáculo, mas não desconhecidos, nem muito menos relegados. Ver Elza Soares e Alcione Marron lá brilhando me fez sentir um Brasil que não se rendeu à globalização e que resiste no samba, não por acaso ancorado na década de 1930, como medula da nacionalidade.