IMAGINAÇÃO

'Olho, para o Brasil – em branco - mas não vejo uma liderança que o preencha, e relembro Sartre, sobre a folha e o dilema do escritor: "Olho esta folha posta sobre a minha mesa. Percebo sua forma, sua cor, sua posição..." (por Professor Paulo Timm)

20 de abril de 2020

O eterno dilema do escritor, lembrado há alguns dias por um velho amigo, jornalista Wladimir Ungaretti, ao comentar sua releitura de “Imaginação”, de Sartre: “Olho esta folha posta sobre a minha mesa; percebo sua forma, sua cor, sua posição”.

Com efeito, nesta semana, muito  se falou nas Redes mais cults, sobre Simone de Beauvoir, ícone do feminismo no século XX , pelo livro “O Segundo Sexo”, companheira inseparável do grande filósofo Jean  Paulo Sartre. Ele morreu em 15 de abril de 1980; ela, seis justos anos depois, num  14 de abril. “Abril, o mais cruel dos meses…” Foram eles os dois últimos expoentes do pensamento e compromissos  radicais em seu tempo. Fizeram a ligação de duas eras: a vitoriana e o pós-moderno, dobrados em Paris, no maio de 1968.. Mas o  século XX, malgrado Simone e Sartre,  não foi o  Século das Revoluções, apesar de  1917(URSS), 1949 (China) e 1959 (Cuba) e 1968 (Maio). A sentença de morte da rebeldia foi proferida por John Lennon, antes do falecimento deles, em 1971: “O sonho acabou”.   Mas eles ecoaram  brados do século anterior, o XIX, “O Século das Revoluções”, segundo o historiador Eric Hobsbawn.  O século XX, na verdade, foi  o Século das Guerras, que deixaram um rastro de 100 milhões de mortos, e, paradoxalmente,  o Século dos Direitos, no qual se consagrou, sobre estes cadáveres, a esperança de paz e prosperidade no Estado de Bem Estar.  Em nenhum destes momentos havia espaço para a Revolução. No primeiro, excesso de sangue, no segundo, excesso de liberdades.  É uma coisa curiosa que, mesmo na Rússia atual, ao celebrarem 100 anos da Revolução Bolchevique, este fato, em si, tenha sido obscurecido pelos festejos da Grande Vitória sobre Hitler. Isso me leva a  pensar que, em 2049, o chineses celebrem menos Mao e mais a vitória sobre o coronavírus, que consagrará seu país como potência hegemônica no mundo inteiro. Na verdade, ainda vivemos à sombra do Iluminismo e de seu grande acontecimento,  sintetizado, na Revolução Francesa, com o lema Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Daí porque:

“Nós sempre teremos Paris”, últimas palavras de Nick, no clássico Casablanca.

Já nós, do século XXI, hoje enfrentamos a semana com menos Filosofia e mais mortes. O COVID19 avança ameaçadoramente, já esgota as UTIs com respiradores em vários Estados, prenunciando o colapso hospitalar, e nem chegamos, ainda ao topo do surto. Como diz outro amigo, Milton Saldanha: -‘Tinha planos de morrer com dignidade, não agonizando, sem assistência,  numa maca, num corredor de hospital’. Diz Mandetta, que a essas horas já deve ter deixado o Ministério da Saúde, que o vértice da crise será em maio-junho. Por sobre os cadáveres, sobrevém o pesadelo da crise econômica, com maior desemprego e pobreza. Autoridades internacionais calculam que os gastos com o enfrentamento do vírus atingirão cerca de 10%  dos PIBs dos respectivos países – O Brasil já alcançou os 7,8%-, provocando um colapso do PIB e do comércio em escala mundial. Nós, que já tínhamos perdido 10 anos, tendo voltado ao que tínhamos  em 2010, agora arriscamos a voltar mais atrás. Alguns cínicos afirmam que se chegarmos a 2030 teremos que chamar Getúlio Vargas de novo… E não há  perspectivas de mudanças, nem no médio prazo. Medicamentos confirmados e vacina segura, só daqui a 18 meses. Estudos da Universidade de Harvard advertem que sofreremos quarentenas intermitentes. O vírus vai e volta, com o agravante anunciado pela Coreia do Sul, onde há inúmeros casos de reinfecção. Ansiedade global e a certeza de que, na recuperação algo terá que mudar. Editorial do Financial Times, Londres, órgão do grande capital financeiro do mundo, reconhece que não se pode mais continuar na mesma toada dos últimos 40 anos.  Hora de voltar atrás e  valorizar a Política do Welfare State. Presidente Macron (da França), em pronunciamento solene, reverberou o mesmo tom: Temos que mudar.

 

Diante disso, seria de se perguntar se há espaço no Brasil para alguma mudança (?). Estamos sempre atrasados uns 30 anos com relação ao centro do mundo. A própria euforia neoliberal desfraldada pelo ex-Presidente Temer, que conduziu a PEC 95 , do Teto dos Gastos Públicos, já estava arrefecendo no resto do mundo. Com a adesão oportunista de Bolsonaro ao liberalismo, indicando Paulo Guedes como seu Posto Ipiranga em assuntos econômicos, a euforia do Estado Mínimo ganhou fôlego: Menos recursos para Educação, Ciência e Tecnologia e Saúde, além de cortes significativos nas Políticas Sociais. O Bolsa Família foi cortado pela metade deixando uma fila quilométrica de espera. O investimento em obras públicas sumiu. O Congresso, conquanto mais sensível aos aspectos humanos da Crise Sanitária, não corresponde à uma representação capaz de alterar o rumo das coisas. Tudo indica, pois, que o Brasil vai padecer duplamente os efeitos do coronavírus, comparativamente `a Europa e Estados Unidos, porque não tem como sair do sufoco Bolsonaro, beneficiário de mais dois anos e meio de mandato. E mesmo se for cassado por um impeachment, seu sucessor não demonstra qualquer abertura à mudança radical na condução dos rumos do país. Eleições Municipais, se houver, em nada mudará o cenário nacional. Devemos, pois, nos preparar para tempos difíceis, sobretudo por partes mais vulneráveis da população – ao vírus e ao desemprego – e ir reorganizando interesses e forças interessadas numa mudança em 2022. Olho, então para o Brasil – em branco – , como olhei esta folha – em branco -, no início desta coluna, mas não vejo uma liderança que o preencha:

“Olho esta folha posta sobre a minha mesa; percebo sua forma, sua cor, sua posição”….




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