Encerramos dia 15 passado o IV FAROL LITERÁRIO DE TORRES. Muitos encontros com escritores, vários livros lançados, música, Prêmios da Cultural FM, dois grandes debates: Semana de Arte Moderna e Distritos Criativos. Tendo o FAROL nascido de dois poetas moradores da cidade, seleciono, como ilustração, o texto abaixo de um deles, Joaquim Moncks, “Do Estado de Poesia à peça poética”, inserido no seu mais novo livro “A Maçã na Cruz- Poesia conceitual & Cotidiano”, Ed. Avanço, POA:
“Depois de mais de 45 anos de estudos acredito que sem a ocorrência das metáforas no texto, não se corporifica o gênero literário Poesia. À guisa de argumentos para uma melhor compreensão, tomemos a maioria dos poemas ou versos originados da vertente regionalista: a metáfora pouco comparece nos versos da expressão poética da verve gauchesca. Daí que, neste caso, não há como se falar em Poesia no sentido estrito, e, sim em Poética, a qual açambarca os gêneros literários Prosa e Poesia. Partindo deste espírito e no sentido de esclarecimento, Poética e Poesia são vocábulos que guardam similaridade, contudo não se revestem de sinonímia. O que mais próximo da figuração de linguagem conseguimos encontrar nessas águas do nativismo regional é a formulação comparativa, que não se confunde com a metáfora: o comparativo é mera similitude de figuração: espécie autônoma de figura de estilo ou de linguagem na qual a pedra-de-toque é a produção de imagens que se entretecem, metaforizando os signos formadores do texto.
Nesse curioso e inusitado exemplar estético irmanam-se o ritmo, a palavra e a imagética, conformando, por meio de linguagem poética, o sentido conotativo, que é o mavioso leito em que se constata, caracteriza, perfaz e viceja a Poética como linguagem única: o toque inconsútil da roupagem do mistério. Aliás, a bem da verdade, somente o Mistério consegue produzir Poesia: vertente aberta, inesgotável que, para o sábio professor e poeta Armindo Trevisan, é “a lucidez enternecida”: a transmutada vivificação da matéria da vida.
Quando o poeta-autor utiliza o comparativo no seu texto, está optando pela linguagem prosaica, portanto, deixa de lado a vertente estrita – a poesia. Entronizada na composição verbal a figura do comparativo, encaminha-se a construção textual para o território da Prosa Poética e não para as províncias imagísticas da Poesia. Na prosa poética pode até ocorrer a metáfora rasa ou horizontal ou, ainda, tecnicamente, a que usualmente denominamos de monovalente. No entanto, na Poesia, a metáfora é polivalente, o que significa a constatação de uma metaforização vertical ou profunda e isso equivale a dizer também da existência de maior patamar de codificação, chegando, por vezes, ao hermetismo.
A metaforização textual é uma construção, no discurso, em que se constata uma singular roupagem e ambientação, na qual surge o Novo, a criação do sentido conotativo. O discurso refoge ao usual, que é a denotação. Nesta se constata a linguagem do dia a dia entre as pessoas, em que se retrata a cotidianidade. Já a Poesia é um vir a ser – porque poesia é sempre uma proposta, uma sugestão – com forte dosagem de abstração, portanto de mais difícil interpretação ou, ainda, excepcionalmente, na peça poética como um todo.
Reitero, no entanto, que é o poeta-leitor aquele que, ao tomar conhecimento da proposta poética, lhe dá maior ou menor dimensão quanto à abrangência do assunto, temática e/ou quanto à amplitude das palavras e a imagética que compõem a peça poética em voga.
O autor é peça vital, porque criador da centelha simbólica e genuína que permite ao leitor adentrar a um “estado de Poesia”. Finalizando, o poeta-autor nunca sabe para quem está escrevendo: se para o leitor comum ou para o leitor culto e exigente. Mas, curiosamente, é esta figura externa ao processo de criação do poema que vai alargar ou minimizar o sentido ou a abrangência da peça poética. Fortemente reitero: o poema não vale por si, porque sem a execução do ato de leitura pelo receptor, a peça escritural não conseguirá adquirir existência no processo interpretativo da proposta literária.
Não esqueçamos que o poema é, por excelência, o fruto da farsa, da inventiva, da fantasia e do sonho. Quem lhe dará vida no plano da realidade é o outro polo: o re/criador, poeta-leitor. É este agente aparentemente externo ao poema que entronizará a (sua) verdade idealizada, inventada ou reinventada, no plano das coisas e dos fatos.
Assim a cotidianidade do viver opera e se desenvolve, porque o poema pode ser gume ou flor, segundo a cabeça de seu receptor. E perviverá ou não a partir da comoção que a proposta poética produza no sentir do poeta-leitor.”